Nossa Resolução Política colocada em debate público entre os comunistas – apontam questões importantes sobre as mudanças estruturais no capitalismo a partir da segunda metade do século XX, como a crise do Estado de bem-estar social, a transformação do perfil de gênero, raça e geracional da classe trabalhadora, o surgimento de novas demandas sociais e políticas, a financeirização da economia e a ascensão do neoliberalismo. Essas mudanças consolidaram-se e ampliaram-se neste primeiro quarto do século XXI.

Para cada uma dessas transformações, poderíamos elaborar teses e conjecturas, mas o tempo e o espaço não nos permitem tal tarefa no momento. Gostaria, portanto, de concentrar a discussão em um tema que aparece implicitamente nas Teses do Congresso, mas não foi explorado com a profundidade necessária: os efeitos dessas mudanças estruturais – que, doravante, chamaremos simplesmente de neoliberalismo – na subjetividade dos trabalhadores.

Desde tenra idade, aprendemos que, para os marxistas-leninistas, a realidade e, consequentemente, a luta pelo socialismo são mediadas pelas condições objetivas (o grau de desenvolvimento das forças produtivas e suas relações sociais de produção) e pelas condições subjetivas (o nível de consciência da classe trabalhadora). Um determinado (des)arranjo entre elas pode acender a centelha da transformação radical da sociedade.

É sobre as condições subjetivas, compreendidas em sentido ampliado, que pretendo refletir – em especial, sobre como a fase neoliberal atual desestrutura e captura a saúde mental dos trabalhadores para a manutenção de seu projeto econômico-político-social e ideológico. Apesar de muito se falar em saúde mental, burnout, adoecimento psíquico, em sociedade do cansaço, esses temas são tratados pelo viés (neo)liberal, onde a responsabilidade sobre esses problemas recai sobre os indivíduos e o diagnóstico quase nunca passa pelas formas como o modo de produção capitalista, na sua forma neoliberal, organiza a vida social pela exploração cada vez mais intensa dentro e fora do local de trabalho.

A separação e diferenciação do que é casa/descanso e local de trabalho está cada vez mais invisível. E esse fenômeno não está presente somente no trabalho remoto, onde o uso das tecnologias de informação é imprescindível. Do trabalho docente ao do atendente de supermercado, hoje é praticamente impossível não levar trabalho para casa; as demandas não cessam, a obrigação de participar de reuniões, atividades de formação, entre outras, leva os trabalhadores à exaustão.

No capitalismo tardio, todas as horas devem estar voltadas para o capital. Se o indivíduo está em casa, ele deve usar o seu tempo livre para aprimorar suas habilidades, se tornar “empregável” e, caso o seu trabalho não satisfaça as suas condições materiais, esse sujeito deve “empreender” na busca pelo sucesso e felicidade. E o problema aqui não está no

empreendedorismo por si mesmo, mas sim nos efeitos de processos complexos que hoje servem à reprodução do capitalismo neoliberal.

O marxista inglês Mark Fisher, militante trabalhista e analista cirúrgico das mudanças culturais do capitalismo tardio, chama a atenção em seu livro “O realismo capitalista” para o fato de que a pauta da autonomia, a luta para se libertar da exploração do patrão, sempre foi uma bandeira do movimento operário. A reivindicação de não passar trinta, quarenta anos no mesmo trabalho, de ser mais que uma peça da engrenagem, de que o trabalho poderia ser também lugar de criatividade e autonomia, é legítima e foi mote das experiências de ocupações de fábricas e da autogestão.

No entanto, essa pauta hoje está mais na boca dos coaches e/ou neoliberais, com outro sentido, que avançam sobre a consciência dos trabalhadores com a ideia de empreendedorismo. Para Fisher, os anos de 1960 foram o tempo histórico em que esse debate aconteceu, principalmente na Europa, mas se alastrou para outros cantos do globo. O resultado, porém, foi de derrota para o movimento operário e comunista; as ocupações de fábricas foram derrotadas na força e ideologicamente com a captura dessa pauta pelo neoliberalismo, que enfatizou o individualismo e retirou o caráter socializante e coletivo desse processo.

É nesse contexto que o neoliberalismo se firmou não só como uma nova forma de organizar a produção e a reprodução do capital, mas também no terreno ideológico, conseguiu adequar não somente os sujeitos, mas também fazer curvar a crítica da esquerda à razão neoliberal. E os efeitos políticos e ideológicos desse processo aparecem na dispersão e atomização cada vez maior do conjunto da classe trabalhadora – cada pauta se torna única e “estrutural” –, dificuldade de construção de projetos coletivos de maior envergadura e o fim do projeto de superação do capitalismo.

Por isso, as velhas fórmulas – desde os anos 1990, o Partido reforça a ideia de que não existem receitas prontas – não são mais suficientes. O movimento dos trabalhadores mudou, novas demandas surgiram e continuam surgindo; a mesma coisa vale para os chamados novos movimentos sociais. Se nos anos 1960 a classe operária já estava em processo de diversificação, em nosso tempo devemos entender essa nova dinâmica e atuar nessas novas condições – afinal os comunistas atuam em condições que não escolhem.

E aqui Lenin não falta: flexibilizar a tática sempre que necessário para mantermos nossa estratégia de transformação radical da sociedade. É nessa quadra complexa e contraditória que nos encontramos e atuamos como militantes de um Partido centenário que busca representar os interesses da classe trabalhadora na perspectiva de superação do capitalismo e construção do socialismo em nosso país.

Referências:

FISHER, Mark. Realismo capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. São Paulo: Autonomia Literária, 2020

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015.

MARX, K. Prefácio de Para a Crítica da Economia Política – 1859. https://www.bresserpereira.org.br/terceiros/cursos/1859.Prefacio-%C3%A0-cr%C3%ADtica-da-economia-pol%C3%ADtica.pdf

Luiz Paulo de Melo Costa é Secretário  de Organização do Comitê Municipal de Uberlândia