“Apartheid é a marca do reinado do Marrocos”, afirma advogado dos presos saarauís
“Existem ameaças que se aplicam a todos os saarauís que vivem atualmente nos territórios ocupados. Uma delas é a expropriação de suas próprias terras, que são entregues a grandes corporações multinacionais sem qualquer contrapartida. Em segundo lugar, a pilhagem de seus recursos naturais, sem que possam receber o mínimo benefício dessa exploração. E em terceiro lugar, o genocídio cultural, a alteração de nossa própria cultura por meio da usurpação de nossa identidade”.
A afirmação é do advogado Mohamed Ali, secretário-geral da Associação para a Proteção dos Presos Saarauís nos Cárceres do Marrocos, premiado com o Front Line Defenders Award de 2025 para defensores de direitos humanos em situação de risco, em entrevista para o jornal espanhol El Independiente.
O jovem, doutor em direito internacional humanitário, foi perseguido, preso, torturado e difamado pelo reinado do Marrocos, tendo seu calvário denunciado por inúmeras organizações internacionais. Em 2022, o Relator Especial da ONU sobre a independência de juízes e advogados emitiu uma declaração sobre o assunto, e em 2024 sua situação foi mencionado no relatório do Secretário-Geral da ONU sobre o Saara Ocidental.
Condenando a “política de apartheid e punição coletiva” adotada pelo rei marroquino contra os habitantes do Saara Ocidental ocupado, Mohamed esclarece como é impedido de exercer sua profissão e perseguido por tentar fazer valer os direitos dos seus conterrâneos.
“As autoridades me perseguiram em inúmeras ocasiões. Em 2007, fui sequestrado pelos serviços de inteligência marroquinos na entrada da cidade de El Aaiún, onde fiquei detida por oito dias sem julgamento. Fui torturado como punição pelo meu ativismo na universidade. Em 2009 e 2012 fui alvo de dois ataques brutais em Marrakech e Rabat. Em ambas ocasiões indivíduos mascarados me ameaçaram de morte caso não abandonasse meu ativismo estudantil. Apresentei queixa à polícia marroquina após cada incidente, mas eles nunca investigaram. Também fui assediadi nas redes sociais”, recordou.
Mas uma das táticas mais perigosas utilizadas pelas autoridades marroquinas é proibir os ativistas de trabalhar, “motivo pelo qual muitas pessoas estão emigrando”. “Fui uma das vítimas dessa tática. Em 2019, a Ordem dos Advogados rejeitou minha inscrição, mesmo eu tendo sido aprovado no exame e preenchido todos os formulários corretamente. Alegaram ter recebido um relatório secreto dos serviços de segurança afirmando que eu era conhecido por minhas atividades contra Marrocos, referindo-se ao meu trabalho político e à minha defesa dos direitos humanos. Recorri dessa decisão aos tribunais marroquinos, mas eles mantiveram a rejeição, citando minha posição sobre a questão do Saara Ocidental. Também fui barrado em diversos empregos, inclusive no setor privado, pois o governo pressionou empresários para que não me contratassem”. “Quando me perguntam que tipo de autonomia o Marrocos pode nos oferecer. Minha situação pessoal é a resposta. Sou advogado, mas um decreto oficial do Estado marroquino revogou minha licença e não posso exercer a profissão”, assinalou.
PRESOS POLÍTICOS
Mohamed Ali alerta que a situação em que se encontram os presos políticos é “lamentável por vários motivos”. “Um deles é a punição coletiva que eles e suas famílias sofrem, presos em cadeias marroquinas no norte, longe de seus familiares. As famílias são obrigadas a viajar milhares de quilômetros para visitá-los, agravando ainda mais a situação já precária dos próprios presos. A saúde deles é extremamente vulnerável: sofrem muito e são privados de seus direitos mais básicos. É um ato contínuo de vingança por exercerem o simples direito de expressar suas opiniões”, explicou.
Conforme o jovem advogado, atualmente, são 31 presos políticos saarauís em prisões marroquinas. “Alguns são jornalistas, outros estudantes universitários. Suas penas são próximas da prisão perpétua ou muito longas. Quase todos sofrem de doenças contraídas dentro da própria prisão e não têm acesso a cuidados médicos. Recentemente, alguns dos presos iniciaram uma greve de fome em protesto contra a discriminação que sofrem dentro da prisão”, disse.
“Os advogados estão proibidos de entrar nas prisões. Muitas vezes, nem mesmo suas famílias podem vê-los. A estratégia de Marrocos é silenciá-los e tentar impedir que qualquer voz se manifeste sobre o que está acontecendo”, frisou.
Fonte: Papiro




