A briga Netflix versus Paramount e Warner tem como pano de fundo a monopolização do setor | Foto: Redes Sociais

O anunciado acordo de aquisição da Warner Bros.Discovery pela Netflix, já denunciado como um ataque monopolista ao cinema, aos seus trabalhadores e à liberdade de expressão, acaba de se chocar com uma investida hostil da Paramount Skydance que, se vier a ser bem sucedido, conseguirá agravar os malefícios já apontados e a concentração da mídia nos EUA.

Significará colocar a Warner e coligadas, como a CBS News, a CNN e a HBO/HBO Max, sob o comando do bilionário hi tech Larry Elison, dono da Oracle, mega-doador republicano e trumpista de quatro costados, também tido como possível adquiridor do Tik Tok em caso de acordo com os chineses, e um dos maiores personagens da Bolha de IA.

A Warner e a Netflix haviam anunciado o acordo de aquisição por US$ 83 bilhões, já incluindo dívidas, na sexta-feira (5), após uma disputa em que a Paramount Skydance esteve envolvida.

Derrotada, a Paramount Skydance partiu para a chamada aquisição hostil, passando por cima dos controladores da Warner, de US$ 108 bilhões, aposta à qual também se juntaram o genro de Trump, Jared Kushner, e fundos soberanos da Arábia Saudita, Abu Dhabi e Catar.

Dada a dimensão da fatia de mercado decorrente dessa fusão, a questão terá de ser avaliada pelo Departamento de Justiça, sob a legislação antimonopolista, já bastante esvaziada por sucessivos governos, republicanos e democratas, e particularmente no primeiro mandato de Trump, e o acordo poderá também ser bloqueado pela Comissão Federal de Comércio.

O acordo inicial Netflix-Warner havia sido condenado especialmente pela concentração no setor de streaming, ao fundir a primeira e a terceira maiores empresas do setor nos EUA.

Para a senadora democrata Elizabeth Warren, o acordo Netflix-Warner “parece um pesadelo monopolista.” “Uma Netflix-Warner Bros. criaria um gigante da mídia enorme com controle de quase metade do mercado de streaming”, sublinhou. “Isso pode forçar preços mais altos, menos opções sobre o que e como você assiste, e pode colocar os trabalhadores americanos em risco.”

“Sob Donald Trump, o processo de revisão antitruste também se tornou um antro de favoritismo político e corrupção”, acrescentou a senadora. “O Departamento de Justiça deve aplicar as leis antimonopólio do nosso país de forma justa e transparente — não usar a revisão do acordo da Warner Bros. para incentivar o tráfico de influência e suborno.”

Também o Sindicato dos Roteiristas da América, que representa roteiristas de cinema e TV, disse que se oporia à fusão da Warner com qualquer “grande estúdio ou streamer”, alertando que isso “seria um desastre para roteiristas, consumidores e concorrência.”

“Fusão após fusão na indústria de mídia prejudicou os trabalhadores, diminuiu a concorrência e a liberdade de expressão, e desperdiçou centenas de bilhões de dólares que seriam melhor investidos em crescimento orgânico”, disse o sindicato em um comunicado recente.

Proprietários de salas de exibição também se manifestaram contra.

Questão também apontada pelo diretor da Free Press Action, Craig Aaron, em entrevista ao programa Democracy Now, de Amy Goodman, e autor de “Parem com a loucura das fusões”.   

“A Netflix, claro, se conseguisse fechar esse acordo, dominaria o streaming online. A própria Paramount tem um enorme negócio de streaming e, claro, é um grande estúdio de cinema. Então, essa é outra situação em que estamos falando de grandes empresas se fundindo, gastando bilhões e bilhões de dólares, todos os advogados e banqueiros ficando ricos.”

“Mas não é preciso olhar muito no passado para entender que consolidação de mídia após acordo de consolidação de mídia são um desastre para os trabalhadores dessas indústrias. Para o público, que vê os preços subirem e as opções caírem.”

“E praticamente toda vez, eles também são desastrosos para os negócios. Esta é a terceira grande fusão recentemente envolvendo a Warner Bros. Você vai voltar para a AOL Time Warner. Já tivemos AT&T e Time Warner — todos esses acordos desmoronando, desmoronando, custando milhares e milhares de empregos, a própria Warner Bros Discovery é produto de fusões fracassadas.”

Analistas destacaram o aspecto mafioso da disputa pela Warner, com o próprio Trump chamando a si a questão.

O Democracy Now registrou que o atual diretor jurídico da Paramount foi o chefe da Divisão Antitruste do Departamento de Justiça durante o primeiro mandato de Trump.

“A porta giratória está girando. Então, Makan Delrahim, que foi o principal agente antitruste sob a primeira administração Trump, agora, claro, ele é o principal advogado da Paramount tentando manipular o sistema para obter aprovação para a tomada hostil deles, caso seja anunciada”, confirmou Aaron.

Ele advertiu que, embora as corporações envolvidas tratem o assunto como se fosse um negócio fechado, “estamos avaliando esse acordo há um ano”.

“Mas qualquer acordo que a Warner Bros persiga, provavelmente até o final deste mês, até 22 de dezembro, teria que ir para o Departamento de Justiça. Claro, o Departamento de Justiça também não é mais o que era, mesmo quando Delrahim estava lá. Sabe, se tornou um braço direto da administração Trump. Mas, se eles realmente seguirem a lei, claro, terão que analisar esse acordo. E, olhando o básico, não há como um acordo assim sequer ser considerado.”

Aaron conclamou, ainda, os procuradores-gerais (secretários de justiça) da Califórnia e de Nova Iorque a interferirem no acordo “que vai remodelar a indústria de entretenimento como a conhecemos”.

Outro processo de monopolização em curso nos EUA é a da fusão da maior proprietária de emissoras de TV dos EUA, a Nexstar, com a TEGNA.  “A Nexstar tem reunido centenas de emissoras de televisão em todo o país nessa onda de consolidação da mídia. Agora eles estão indo à Comissão Federal de Comunicações e pedindo que dispensem leis, que realmente revoguem instruções explícitas do Congresso que limitam o número de estações de televisão — o tamanho da audiência que uma rede de televisão pode alcançar. Eles estão tentando que isso seja descartado para poder assumir a TEGNA.”

“E fizeram isso, novamente, apelando para a administração Trump, prometendo reprimir o jornalismo crítico e fazendo coisas como tirar Jimmy Kimmel do ar. Essa foi uma das empresas, junto com a Sinclair Broadcasting, outra emissora muito partidarizada, que, quando o presidente da FCC entrou em um podcast e começou a reclamar das piadas que Jimmy Kimmel fazia sobre Charlie Kirk, a Nexstar correu para tirá-lo do ar imediatamente, enquanto tinha esse acordo multibilionário perante a FCC. Então, novamente, temos os executivos de mídia vendo que a forma de avançar na administração Trump é apelar a Trump.”

À parte os problemas antimonopolistas evidentes e a crise que afeta algumas das maiores corporações nos EUA, a atual onda de fusões busca fazer prevalecer o discurso fascista, xenófobo e racista tão característico do movimento MAGA e especialmente de Trump, daí também a persistência em tentar colocar as garras sobre o Tik Tok, popular entre os jovens.

Para a renomada atriz e ativista Jane Fonda, há uma “escalada alarmante em uma crise de consolidação que ameaça toda a indústria do entretenimento, o público que ela atende e – potencialmente – a própria Primeira Emenda [Liberdade de Expressão].”

“A ameaça dessa fusão, de qualquer forma, é uma escalada alarmante em uma crise de consolidação que ameaça toda a indústria do entretenimento, o público que ela atende e — potencialmente — a própria Primeira Emenda”, ela enfatizou.

“Uma consolidação nessa escala seria catastrófica para uma indústria construída sobre a liberdade de expressão, para os trabalhadores criativos que a impulsionam e para consumidores que dependem de um ecossistema midiático livre e independente para entender o mundo”, escreveu Fonda.

“Isso significará menos empregos, menos oportunidades de vender trabalhos, menos riscos criativos, menos fontes de notícias e muito menos diversidade nas histórias que os americanos vão ouvir.”

“Se não falarmos agora, talvez não haja mais indústria — nem democracia — para defender”, advertiu.

Fonte: Papiro