Economistas criticam aposta do Banco Central nos juros altos
O Banco Central (BC) divulgou nesta terça-feira (11) a ata do Comitê de Política Monetária (Copom), na qual tenta justificar a manutenção da taxa básica de juros, a Selic, em 15% ao ano por um período “bastante prolongado”, situação que contraria as expectativas do governo federal, do setor produtivo e dos trabalhadores.
Segundo a ata, o Comitê “avalia que a estratégia de manutenção do nível corrente da taxa de juros por período bastante prolongado é suficiente para assegurar a convergência da inflação à meta”, e o BC “não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso julgue apropriado.”
O economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro, observa a ata do Copom com “profunda desconfiança”. Ele considera a inflação dentro da meta se estiver na banda de tolerância. A meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) é de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Assim, caso a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) alcance 4,5%, já pode ser entendida como dentro da meta para o professor.
“A inflação está caminhando para ficar abaixo do teto da meta. Então, para mim, a meta já estaria cumprida e, portanto, haveria espaço para reduzir a taxa de juros”, diz Oreiro. No entanto, a observação feita é de que a diretoria do BC e o seu presidente, Gabriel Galípolo, têm outro entendimento sobre a política monetária e a inflação.

“O entendimento que o Galípolo tem e os demais diretores do Banco Central não é esse [de cortar os juros ao se alcançar o limite do teto da meta]. O entendimento é de convergência para 3%. Mas se eles querem manter a taxa de juros alta, ou seja, em 15%, pelo período de tempo suficiente para a inflação cair para 3%, nem no final de 2026 a gente vai conseguir reduzir a taxa de juros. Isso ocorre pela simples razão que a média da inflação no Brasil é de 6% desde a implantação do regime de metas. E foram poucos os anos que a gente conseguiu ter uma inflação próxima de 3%. Isso aconteceu, ou devido a uma enorme apreciação do câmbio, que acabou matando a indústria, em 2006, ou devido à recessão e à pandemia. Eu vejo essa declaração [do Copom] com profunda desconfiança”, afirma o economista.
Para o professor de economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Marcelo Fernandes, é difícil encontrar explicações para a decisão do Copom.
Fernandes destaca que o resultado do IPCA, divulgado nesta terça, aponta a menor taxa para o mês de outubro em 27 anos, e que a inflação nos últimos 12 meses está em 4,68%, o que é muito próximo da meta.
“É difícil encontrar justificativa, a não ser de um excesso de conservadorismo no Banco Central. E isso de o Copom dizer que vai se manter vigilante, dizer que se houver necessidade retomará a alta de juros, isso aí é um pouco para jogar para a plateia a ideia de que o BC vai seguir o seu compromisso com a meta da inflação a qualquer custo”, entende Fernandes.
Ideal seria sinalização de corte
Com base no que foi publicado pelo Copom, Marcelo Fernandes, calcula que o cenário já pedia, ao menos, a sinalização de corte dos juros para a próxima reunião.

“Apesar dos juros muito elevados, o desemprego está bem baixo e a Bolsa de Valores bateu recorde (150 mil pontos). O Banco Central poderia, pelo menos, sinalizar um corte, mesmo que pequeno, de 0,25%, que tem um impacto positivo sobre a dívida pública, e, certamente, não ocasionaria nenhum grande movimento no mercado. Provavelmente, não teria uma desvalorização do câmbio. Muito menos sobre a inflação, que está em queda. Enfim, o ideal, realmente, seria sinalizar uma redução para a próxima reunião para trazer expectativas mais positivas para o próximo ano”, opina o professor da UFRRJ.
Desancoragem
As explicações trazidas na ata para manutenção da Selic demonstraram incertezas quanto às negociações entre Brasil e os Estados Unidos no caso das tarifas comerciais, sobre o shutdown norte-americano, assim como revela preocupação com os riscos para o cenário inflacionário.
Entre estes riscos estão: desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado; maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada; conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário maior que o esperado; eventual desaceleração da atividade econômica doméstica; desaceleração global decorrente do choque de comércio e de um cenário de maior incerteza; e uma redução nos preços das commodities com efeitos desinflacionários.
Na visão de Oreiro, falar em desancoragem das expectativas de inflação “não faz nenhum sentido”, pois o boletim Focus, publicado pelo BC com as estimativas de analistas de mercado, erra sistematicamente as previsões feitas.
“Se você pegar as projeções de inflação para 2025, feitas no início do ano, e compara com o resultado que a gente tem em 12 meses, você vai ver que eles erraram feio. E não foi só esse ano, foram nos outros anos também. Para mim, essa questão da desancoragem de expectativas de inflação é simplesmente papo furado para justificar a manutenção dos juros elevados. Até porque as projeções de inflação no mercado financeiro se mostram sistematicamente enviesadas para cima e, além disso, não é o mercado financeiro que tem poder de formação de preços”, frisa.
“Desse modo, se o mercado financeiro esperar uma inflação de 10%, não quer dizer que as empresas e os trabalhadores vão reajustar seus preços e salários em 10%. Não existe evidência empírica no Brasil e no mundo que mostre que desancoragem de expectativas de inflação do mercado financeiro tem um efeito forte sobre a inflação atual”, analisa o professor da UnB.
Inflação de serviços
Sobre a projeção de maior inflação de serviços colocada pelo Copom, Oreiro adverte que ela é resultado do crescimento da economia, pois à medida que um país vai se desenvolvendo, a renda per capita aumenta, como no caso do Brasil nos últimos três anos. Dessa maneira, é natural que haja uma maior diversificação de consumo e, ao longo do tempo, a demanda de serviços aumenta relativamente à demanda de produtos manufaturados.
“A inflação de serviços aumentar mais do que a inflação de produtos manufaturados é o resultado do processo de desenvolvimento econômico. Simples assim. Agora, se querem baixar a inflação de serviços para o mesmo nível da inflação dos outros setores, vai se produzir uma recessão enorme. Então a economia não pode crescer”, adverte o professor sobre a indicação preocupante do BC.
‘Bolsa Banqueiro’
O professor Oreiro ainda critica a observação sobre a conjunção de políticas econômicas externa e interna com impacto inflacionário. Ele não enxerga uma política externa expansionista adotada pelo Brasil e acredita que a política interna expansionista é atribuída pelo BC à medida de desoneração do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil com redução progressiva até R$ 7.350.
Avaliada como pequena expansão fiscal, a desoneração do IR, mesmo que aumente o consumo em um cenário de juros altos, deverá ter pouco efeito no nível de atividade econômica, ou seja, provavelmente o crescimento do PIB em 2026 vai ser menor do que o crescimento do PIB em 2025, o que demonstra o rigor excessivo com os juros altos para o controle da inflação, impactando diretamente no desenvolvimento.
“Por fim, eles colocam que a inflação tem risco de subida e tem risco de queda, mas qual a avaliação que o Focus faz desses cenários? Eu acho que os fatores listados de risco de queda da inflação são muito mais relevantes do que os de risco de subida. Eu não vejo nenhuma razão para manter a taxa Selic em 15%, a não ser a Bolsa Banqueiro”, comenta Oreiro, ao indicar que os juros têm sido mantidos altos em favor dos rentistas.




