Proálcool completa 50 anos e volta ao centro da transição energética
Desde a implementação do Proálcool, o etanol permitiu ao Brasil uma economia energética equivalente a mais de 2,5 bilhões de barris de petróleo, resultando em uma economia de cerca de 205 bilhões de dólares em importações de gasolina ao longo das últimas cinco décadas. Foto: Banco de Imagens Petrobras
O Programa Nacional do Álcool (Proálcool) completa 50 anos nesta sexta-feira (14). Lançado em 1975, em meio à crise mundial do petróleo, o programa transformou a cana-de-açúcar em combustível e o Brasil em pioneiro na produção de energia renovável.
De lá para cá, o Proálcool não apenas garantiu segurança energética, mas consolidou o etanol como pilar da economia verde brasileira — um feito que volta a ganhar relevância diante da corrida global pela descarbonização e da realização da COP30, entre os dias 10 e 21 de novembro, na cidade de Belém (Pará).
Um programa nascido do susto

O Proálcool nasceu como resposta à dependência externa de petróleo. Seu êxito foi rápido: em menos de uma década, o Brasil dominou a tecnologia de motores a álcool, inaugurando, em 1979, o primeiro carro movido exclusivamente por etanol — o Fiat 147.
Ao longo de meio século, o programa garantiu uma economia energética equivalente a mais de 2,5 bilhões de barris de petróleo e poupou cerca de US$ 205 bilhões em importações de gasolina. Hoje, o etanol abastece cerca de 40% dos veículos leves do país e é símbolo de soberania energética.
Em 1975, o petróleo disparava de preço, o barril ultrapassava a marca de US$ 11 (um absurdo para a época), e o Brasil, altamente dependente das importações, viu o pesadelo da conta do combustível. A resposta veio com um toque de ousadia tropical: transformar cana-de-açúcar em energia.
O Proálcool foi lançado em 14 de novembro daquele ano, por decreto do governo Geisel, unindo engenheiros, usineiros e militares sob um mesmo lema — “independência energética a qualquer custo”.
O cheiro da cachaça e o etanol que congelava
Os primeiros motores movidos a etanol começaram a rodar em 1979. O pioneiro foi o Fiat 147 a álcool, um ícone que virou símbolo do otimismo nacional. Na época, era comum ouvir que o Brasil tinha “o carro mais patriota do mundo”, porque “andava a cana”.
Mas havia um problema: o cheiro do combustível lembrava o da cachaça, e a piada era inevitável. Muitos diziam que bastava soprar o escapamento para “ficar alegre”. Em algumas cidades do interior, motoristas paravam nos postos perguntando se o carro “bebia caninha ou gasolina”.
Nem tudo foi festa. O etanol puro apresentava problemas de partida em dias frios — principalmente no Sul e no Planalto Central. Era comum ver motoristas com garrafinhas de gasolina no porta-malas, usadas para ajudar o motor a “acordar” nas manhãs geladas.
Nas cidades serranas, oficinas inventavam soluções caseiras: cobrir o motor com cobertores à noite ou usar lâmpadas incandescentes sob o capô para “aquecer o álcool”. O truque funcionava — e virou folclore automotivo.
A força do etanol na era da transição energética

Em tempos de metas climáticas e de pressão global por fontes limpas, o etanol brasileiro mantém papel central. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, destaca que “o Proálcool foi o primeiro grande passo para consolidar o Brasil como líder na transição energética global”.
Com a sanção da Lei do Combustível do Futuro (14.993/2024), o governo aposta em uma nova fase: integrar biocombustíveis, energia elétrica e hidrogênio verde sob uma mesma política industrial de baixo carbono.
Milho, tecnologia e novos protagonistas
Nos anos 1980, o sucesso do programa foi tão grande que faltou etanol. Com a queda do preço do petróleo e o aumento do consumo, o governo não conseguiu manter os subsídios. Postos começaram a racionar o combustível, e motoristas faziam filas quilométricas.
Muitos carros “voltaram” à gasolina, e o entusiasmo esfriou. Foi um trauma coletivo: o carro a álcool, símbolo de modernidade, virou sinônimo de incerteza. Ainda assim, o aprendizado técnico e industrial permaneceu.
Duas décadas depois, o Brasil reinventou a roda — literalmente. Em 2003, chegou ao mercado o motor bicombustível (flex fuel), uma inovação 100% nacional desenvolvida por engenheiros brasileiros com tecnologia adaptada ao clima e aos hábitos locais.
O sistema detectava automaticamente a proporção entre álcool e gasolina. O consumidor voltou a ter liberdade: podia escolher o combustível mais barato.
A flexibilidade foi tão bem-sucedida que, em 2008, mais de 90% dos carros novos vendidos no país já eram flex.
Antes centrado na cana-de-açúcar, o etanol expandiu sua base produtiva. Hoje, o espírito do Proálcool sobrevive nas usinas de etanol de segunda geração, que produzem combustível a partir do bagaço e da palha da cana — um reaproveitamento que parecia ficção científica nos anos 1970.
O País também passou a produzir etanol de milho e sorgo, expandindo o mapa da bioenergia para além do Sudeste. A Embrapa e universidades públicas continuam desenvolvendo variedades de cana mais resistentes e produtivas — uma das heranças mais duradouras do programa.
O milho já representa quase 20% da produção nacional e deve crescer com investimentos em regiões fora do cinturão canavieiro.
A diversificação de matérias-primas e o avanço de tecnologias como o etanol de segunda geração ampliam o potencial brasileiro de exportar não apenas combustível, mas conhecimento — um ativo cada vez mais valioso em um mundo que busca alternativas sustentáveis ao petróleo.
Do folclore à vanguarda: o legado do Proálcool na COP30

Cinquenta anos depois, o Proálcool é lembrado com uma mistura de nostalgia e admiração. Foi um programa que nasceu de uma crise, mas criou uma das políticas de energia renovável mais bem-sucedidas do mundo.
Entre piadas sobre “carros que bebem”, cheiro de cachaça e garrafas de gasolina no porta-malas, o Brasil acabou construindo um legado de ciência, tecnologia e soberania energética.
Hoje, enquanto o mundo discute hidrogênio verde e biocombustíveis avançados, o país que fez motor de carro funcionar com cana mostra que, às vezes, as soluções mais ousadas brotam do próprio solo.
O Proálcool continua a inspirar políticas de energia limpa em todo o mundo. Em plena COP30, o Brasil busca reafirmar essa liderança e projetar uma nova narrativa: a de um país capaz de unir desenvolvimento econômico, segurança energética e preservação ambiental.
O “álcool que moveu o Brasil” agora volta ao centro das atenções — não mais como resposta a uma crise, mas como instrumento de uma transição energética planejada e soberana.
Cezar Xavier com informações da Agência Senado

