Lula celebra retirada de tarifas e diz que decisão dos EUA é vitória do respeito
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a chegada a Joanesburgo. Aeroporto Internacional O.R. Tambo – Joanesburgo (África do Sul) Foto: Ricardo Stuckert / PR
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou como uma vitória da diplomacia e do diálogo a decisão do governo dos Estados Unidos de retirar a tarifa adicional de 40% sobre diversos produtos brasileiros. Em discurso na abertura do Salão Internacional do Automóvel, em São Paulo, Lula disse que o Brasil manteve serenidade, ganhou respeito e agora colhe os resultados.
“Quando o presidente dos EUA tomou a decisão de fazer a supertaxação, todo mundo entrou em crise. Eu não costumo tomar decisão com febre. Espero baixar a temperatura”, afirmou.
“E hoje estou feliz porque o presidente Trump começou a reduzir as taxações. Ninguém respeita quem não se respeita.”
A reversão, anunciada por Donald Trump nesta quinta-feira (20), atinge produtos como café, chá, frutas tropicais, sucos, cacau, especiarias, banana, laranja, tomate e carne bovina — todos impactados desde a criação da tarifa em julho.
A medida tem efeito retroativo ao dia 13 de novembro e foi tomada após conversa telefônica entre Trump e Lula, na qual ambos concordaram em avançar nas negociações previstas no decreto americano que instituiu as tarifas. A retroatividade da medida mostra que os EUA querem reduzir rapidamente o impacto inflacionário e reposicionar o Brasil como fornecedor confiável.
“Vitória do bom senso”: Lula grava vídeo ao lado de Alckmin e Haddad
Nas redes sociais, Lula apareceu ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para comentar a decisão americana.
Segundo o presidente, a suspensão parcial representa um passo importante, ainda que não definitivo.
“Não é tudo o que eu quero, não é tudo que o Brasil precisa, mas é uma coisa importante. É um resultado muito importante”, disse. “Vou lhe agradecer só parcialmente, presidente Trump. Agradecerei totalmente quando tudo estiver acordado.”
Lula também afirmou esperar um encontro bilateral em breve: “Ele está convidado para vir ao Brasil quando quiser, e eu espero ser convidado para ir a Washington para zerar qualquer celeuma.”
Itamaraty fala em ‘avanço inicial’ e destaca 201 anos de relações diplomáticas
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que recebeu a decisão americana com “satisfação”. O texto destaca que Trump decidiu após receber recomendações internas indicando que as tarifas não eram mais necessárias devido ao avanço inicial das negociações com o Brasil.
Diplomatas ressaltam que a medida coincide com a reunião entre Mauro Vieira e o secretário de Estado, Marco Rubio, no último dia 13, quando foram discutidos caminhos para destravar o impasse tarifário.
O Brasil reiterou estar aberto ao diálogo técnico e comercial, reforçando a tradição de mais de dois séculos de relações bilaterais contínuas.
A nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores destaca justamente o avanço técnico, citando a reunião de Mauro Vieira com Marco Rubio como ponto de virada. O Itamaraty enxerga a medida como:
- um gesto tático de boa vontade;
- reconhecimento americano de que as tarifas eram insustentáveis;
- oportunidade para aprofundar as tratativas sobre temas sensíveis.
Embora os EUA não admitam recuo estratégico, diplomatas brasileiros interpretam a decisão como parte de um reposicionamento maior da política comercial americana em meio a pressões internas.
Reposicionamento dos EUA e estratégia diplomática consolidada
Embora o governo norte-americano enfatize razões domésticas — sobretudo a pressão da inflação e a escassez de determinados itens — a retirada parcial das tarifas deixa evidente um gesto político calculado, que reconhece o peso do Brasil como fornecedor estratégico e indica disposição para reequilibrar o diálogo bilateral.
Para o governo Lula, a medida é interpretada como uma vitória diplomática construída pela contenção, e não pela escalada das tensões. O presidente explicitou isso ao afirmar que “não toma decisões com febre”, em crítica sutil ao imediatismo dos mercados e da oposição interna que esperavam reação dura às sanções americanas.
Para Trump, o ato não é apenas econômico: é eleitoral. Com aprovação oscilante e disputando a narrativa do “custo de vida”, aliviar tarifas sobre produtos essenciais ajuda a reduzir pressões inflacionárias sem enfrentar o lobby dos produtores locais, que em alguns setores não têm capacidade de suprir o mercado.
A Casa Branca vincula oficialmente a decisão ao “progresso inicial nas negociações com o governo do Brasil”, o que, na prática, funciona como um aceno político: Trump admite a necessidade de recompor pontes sem assumir derrota.
Serenidade como estratégia e a construção de autoridade
No Brasil, Lula aproveitou o anúncio para reforçar sua postura: calma, negociação técnica e não confronto imediato. O presidente explorou a narrativa de que:
- não cedeu à pressão quando as tarifas foram impostas;
- apostou no diálogo direto com Trump;
- e agora colhe um resultado que projeta o Brasil como ator respeitado.
Ao dizer que “ninguém respeita quem não se respeita”, Lula responde não apenas aos críticos que pediam retaliação, mas também aos setores que interpretaram o movimento de Trump como sinal de hostilidade irreversível.
O vídeo gravado ao lado de Geraldo Alckmin e Fernando Haddad reforça a mensagem: trata-se de uma ação de governo, não de um triunfo pessoal, e de uma vitória ainda parcial — o que prepara terreno para novas negociações.
Lula chega ao G20 e intensifica agenda internacional
Logo após comentar a decisão dos EUA, Lula partiu para Joanesburgo, na África do Sul, onde participa da Cúpula de Líderes do G20 – grupo que o Brasil presidiu em 2024 e que atualmente compõe a troika, ao lado dos sul-africanos e dos EUA.
A coincidência entre o anúncio de Trump e a viagem de Lula à Cúpula do G20, na África do Sul, amplia a dimensão política do episódio. O presidente chega ao encontro em uma posição fortalecida, podendo:
- apresentar o Brasil como ator de diálogo e estabilidade;
- reforçar a agenda de cooperação Sul–Sul;
- usar o gesto americano para destravar outras frentes multilaterais.
O encontro discute temas centrais para o Sul Global, como resposta a desastres, dívida pública de países pobres, transição energética e governança dos minerais estratégicos.
No domingo (23), Lula participa da reunião trilateral do Fórum Índia-Brasil-África do Sul (Ibas).
(Por Cezar Xavier)

