Marcha das Mulheres Negras leva pauta de reparação ao centro do poder
Brasília – Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver em Brasília, de 2015. Foto: Marcello Casal jr/Agência Brasil
Dez anos após a primeira Marcha Nacional das Mulheres Negras, que levou 50 mil pessoas à Esplanada dos Ministérios, o país assiste ao retorno de uma das maiores mobilizações políticas protagonizadas por mulheres pretas e pardas. Nesta terça-feira (25), organizadoras preveem reunir 1 milhão de participantes em defesa de reparação histórica, enfrentamento ao racismo estrutural, combate à violência e políticas de bem viver.
Para a deputada estadual Olívia Santana (PCdoB-BA), secretária de Combate ao Racismo do PCdoB, o novo ato representa muito mais que continuidade — é uma resposta ao estancamento da agenda racial nos anos recentes.

“A Marcha é fundamental para propor políticas públicas que enfrentem a desigualdade brutal produzida pelo racismo e pela misoginia entrelaçados”, afirma. “Vivemos em um país com quase 400 anos de escravidão e que nunca reinseriu a população negra em um projeto de desenvolvimento nacional.”
Retrocesso sob Bolsonaro e retomada da mobilização
A escolha do retorno em 2025 não é casual. Segundo Olívia, a extrema direita inviabilizou a realização de uma nova marcha durante o governo Bolsonaro, que classificou como “um período sombrio, de luta pela sobrevivência”.
Agora, com a reabertura do diálogo institucional, as mulheres negras levam uma pauta explícita ao governo federal — e ao centro do debate público. A deputada destaca duas frentes prioritárias:
- ampliação da representação política, com a meta de eleger mais mulheres negras em 2026 e conquistar pela primeira vez uma mulher negra no STF;
- enfrentamento direto à pobreza e à violência, que atinge principalmente mulheres e jovens negros.
“A principal vítima de feminicídio no Brasil é a mulher negra — 64% das mortes. E somos nós que perdemos nossos filhos para as facções e também para as forças policiais”, diz Olívia.
Reparação como eixo estruturante
No centro das reivindicações está a PEC 27, que cria o Fundo Nacional de Reparação, dotado de R$ 20 bilhões distribuídos ao longo de duas décadas para ações de combate ao racismo e promoção da igualdade racial. A relatoria é do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), e a comissão é presidida pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ).
Para Olívia, trata-se de uma medida indispensável: “Não podemos tratar o racismo como algo que desaparecerá naturalmente. Ele é o maior legado da escravidão. Só um projeto de Estado pode enfrentá-lo com a profundidade necessária.”
A deputada também é autora, na Assembleia Legislativa da Bahia, de um projeto de ajuda humanitária para famílias de vítimas de operações policiais, especialmente em casos em que jovens negros são mortos sem qualquer vínculo com criminalidade. “São famílias que, além da dor, arcam com custos que não têm condições de pagar.”

Bem viver, território e autocuidado como política
A Marcha também reafirma o conceito de bem viver, articulado à luta contra o racismo estrutural. O tema engloba desde acesso a direitos básicos — moradia, renda e educação — até cuidados com saúde mental e autocuidado como prática política.
Nos territórios, organizações como a Casa Akotirene, no Distrito Federal, e a Abayomi, na Paraíba, têm sido fundamentais para mobilizar e formar lideranças. “A marcha mostra que mulheres negras nos territórios fazem política todos os dias, mesmo sem estarem na academia ou em espaços formais”, afirma Olívia.
Avanços e limites nos últimos dez anos
Para Olívia, os últimos anos mostram avanços importantes — como as cotas raciais nas universidades e no fundo eleitoral —, mas também graves retrocessos provocados pelo golpe de 2016, pela prisão de Lula e pela ascensão da extrema-direita. “Poderíamos ter avançado muito mais se não tivéssemos vivido aquela interrupção brutal.”
Sobre o governo federal atual, sua avaliação é crítica: “Há avanços simbólicos importantes, como ministérios com mulheres negras e a recriação da pasta da Igualdade Racial. Mas, diante da realidade — salários 40% menores, desemprego mais alto, feminicídios —, o governo precisa ousar muito mais.”
A maior marcha da história das mulheres negras
Com caravanas partindo de todos os estados, aeroportos e estradas movimentadas, a expectativa do PCdoB e de organizações como a Unegro é de uma marcha “grandiosa”.
“Acreditamos que vamos reunir pelo menos 100 mil mulheres apenas da nossa articulação. Há um clima muito forte de mobilização”, afirma Olívia.
Para além do ato, a deputada espera impactos concretos e imediatos: “Quero que essa Marcha repercuta em melhores condições para o debate eleitoral de 2026, em políticas de segurança pública que estanquem a matança de pessoas negras e em oportunidades reais de desenvolvimento. Que seja uma virada de chave.”
(por Cezar Xavier)

