Trump admite ajuda a Milei e acende alerta sobre interferência dos EUA
Sem disfarces, Trump celebrou o resultado eleitoral de La Libertad Avanza como um êxito pessoal.
A confissão do ex-presidente norte-americano Donald Trump sobre o papel de Washington na vitória de Javier Milei nas eleições legislativas argentinas provocou espanto em diplomatas e analistas políticos.
Em declarações dadas durante viagem à Ásia, Trump afirmou que Milei teve “muita ajuda nossa” para conquistar a vitória e que o governo americano ofereceu um pacote de resgate de US$ 40 bilhões, incluindo um swap cambial de US$ 20 bilhões e investimentos equivalentes em dívidas argentinas.
“Ele teve muita ajuda nossa. Muita ajuda. Eu o apoiei fortemente”, disse Trump, que exaltou o resultado como uma “vitória grande e inesperada” e elogiou sua própria equipe por ter contribuído para o sucesso do aliado. O resultado eleitoral dá a Milei um mandato reforçado para continuar promovendo sua radical reforma econômica, apesar do descontentamento popular com as medidas de austeridade.
A fala revela o que o especialista James N. Green, professor da Universidade Brown e brasilianista, define como um avanço da disposição norte-americana de interferir diretamente nos processos eleitorais da América do Sul.
Sinal de alerta para o Brasil

Em entrevista, o historiador especializado em estudos latino-americanos na Universidade Brown (EUA), afirmou que as declarações de Trump soam como um “alerta importante para o Brasil”, que terá eleições presidenciais em 2026. Segundo ele, o republicano demonstra interesse crescente na região, e não se pode descartar a possibilidade de interferência norte-americana em pleitos futuros.
“Com as eleições na Argentina, as ameaças à Venezuela e à Colômbia, fica evidente que Trump tem aumentado seu interesse na América do Sul. É um sinal de alerta para quem está preocupado com as eleições de 2026”, afirmou Green.
Para o brasilianista, a cooperação entre democracias latino-americanas será fundamental para conter qualquer tentativa de manipulação política ou econômica por parte de Washington.
“As forças democráticas aliadas ao Brasil, acadêmicos e cidadãos que vivem nos Estados Unidos, todos precisamos trabalhar juntos para denunciar e pressionar contra qualquer interferência eleitoral”, alertou. Green foi um importante articulador do grupo de amigos do Brasil, em Washington, antes das eleições de 2022, quando buscou apoio em setores progressistas norte-americanos para um processo eleitoral limpo, que garantisse a plena democracia no Brasil, que vinha sofrendo ataques por parte do bolsonarismo.
Riscos de interferência direta e indireta
James N. Green descreve dois caminhos possíveis para uma futura interferência norte-americana no Brasil sob Trump: ações clandestinas de financiamento e pressão pública econômica.
“Trump poderia agir clandestinamente, financiando a oposição com recursos tecnológicos e apoio de bastidores através da CIA. Publicamente, poderia ameaçar o Brasil com tarifas ou sanções, para fortalecer a extrema direita”, explicou. Green observa, no entanto, que essa estratégia articulada por Eduardo Bolsonaro, direto de Washington, teve resultado oposto ao esperado. Os brasileiros viram com indignação a interferência externa e abriram uma forte margem de apoio ao governo Lula.
Essas estratégias, segundo ele, lembram ações clássicas da Guerra Fria, quando Washington atuava para moldar governos alinhados a seus interesses geopolíticos. A diferença é que agora a interferência ocorre sem disfarce, em nome da “defesa da liberdade e do livre mercado”.
Interesses econômicos e estratégicos
O apoio de Trump a Milei não se limita à afinidade ideológica. O pacote de ajuda norte-americana foi articulado para proteger investimentos e garantir acesso a minerais estratégicos — como o lítio, essencial à indústria tecnológica. Washington assinou com Buenos Aires um memorando de cooperação sobre minerais críticos, visando reduzir a dependência da China na produção global de insumos para baterias e semicondutores.
Além do interesse comercial, analistas veem na postura americana uma tentativa de reconfigurar sua influência política na região, enfraquecendo governos progressistas e reaproximando aliados ideológicos de direita.
A disputa por influência no continente
Para Green, a América do Sul volta a ser campo de disputa entre potências, com os Estados Unidos agindo de forma cada vez mais aberta.
Trump vê o continente como zona de influência natural dos EUA. Ele quer conter a China e manter governos alinhados ideologicamente. Isso ameaça a soberania democrática da região.
A celebração pública da vitória de Milei por Trump e seu secretário do Tesouro, Scott Bessent, reforça essa estratégia. Ambos afirmaram que a Argentina representa agora “um modelo de liberdade e livre empresa” e que Washington pretende ampliar a parceria.
O desafio democrático de 2026
O caso argentino reacende o debate sobre a vulnerabilidade das democracias sul-americanas diante de interferências externas. No Brasil, a perspectiva de uma nova candidatura de Lula em 2026 — e de um possível alinhamento da direita brasileira — levanta preocupação entre especialistas.
O alerta de Green aponta para a percepção de que é hora de fortalecer as instituições eleitorais e a transparência. A América do Sul precisa aprender com a experiência argentina: não há neutralidade quando os interesses de potências estrangeiras estão em jogo.
Para James N. Green, a admissão de Trump sobre a ajuda a Milei mostra que os EUA voltaram a agir sem disfarces na América do Sul — e o Brasil deve se preparar para resistir.
Por Cezar Xavier



