USP rompe convênio com universidade israelense após pressão estudantil
A Universidade de São Paulo (USP) se une aos protestos por GAZA. Foto de Daniela Fajer/Vozes Judaicas por Libertação
A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) decidiu romper o convênio firmado com a Universidade de Haifa, em Israel, após meses de protestos estudantis e manifestações de docentes contra a ofensiva militar israelense na Faixa de Gaza.
A decisão, aprovada por 46 votos favoráveis entre 54 possíveis, antecipa o fim de um acordo que duraria até maio de 2026 e marca a primeira ruptura formal da USP com uma instituição israelense.
“Foi uma vitória da ética sobre a omissão. A universidade pública brasileira não pode ser cúmplice de quem transforma o conhecimento em instrumento de guerra”, afirmou o estudante João Conceição, representante discente da Comissão de Cooperação Internacional da FFLCH.
Contexto da decisão
Desde o início da guerra em Gaza, estudantes e professores da FFLCH pressionam a reitoria para rever os convênios da universidade com Israel. A USP mantém ainda outros três acordos: dois com a Universidade de Ariel e um com o Consulado Geral de Israel em São Paulo.
O diretor da FFLCH, Ádrian Fanjul, reconheceu que a decisão teve caráter simbólico, mas necessário diante do agravamento da crise humanitária.
“São práticas sádicas, como matar de fome pessoas que saem desesperadas atrás de alimento”, declarou o docente.
Em agosto, a ONU reconheceu oficialmente a existência de fome na Faixa de Gaza, classificando o território como o primeiro no Oriente Médio a atingir tal condição. Segundo estimativas da organização, mais de 500 mil pessoas enfrentam uma situação humanitária “catastrófica”.
Reação estudantil e solidariedade internacional
A votação foi comemorada por movimentos estudantis e organizações que integram o Comitê de Solidariedade ao Povo Palestino, que há meses promovem atos e ocupações na USP e em outras universidades.
Os estudantes argumentam que manter acordos com instituições israelenses “comprometidas com o aparato militar de um Estado denunciado por crimes de guerra” fere o princípio ético da universidade pública.
O Conselho Universitário da USP deve analisar a recomendação da FFLCH para estender o rompimento a todas as faculdades e centros de pesquisa da instituição.
Tendência nacional
A decisão da USP segue uma tendência crescente no meio acadêmico brasileiro. Nos últimos meses, Unicamp (SP), UFF (RJ), Unesp (SP) e UFC (CE) romperam ou suspenderam convênios com universidades israelenses, em protesto contra o que classificam como “genocídio do povo palestino”.
Na UFRGS (RS), o Conselho Universitário aprovou moção de repúdio às relações com a AEL Sistemas, subsidiária da empresa bélica israelense Elbit Systems, que fornece tecnologia militar usada nas operações em Gaza.
Em nota, o sindicato dos servidores da UFRGS (ASSUFRGS) afirmou que “o conhecimento produzido na universidade pública não deve servir à colonização nem à limpeza étnica”.
Rompimentos semelhantes
Na UFF, a pressão estudantil levou ao cancelamento do acordo com a Universidade Ben Gurion, que mantém parcerias com o Ministério da Defesa de Israel e empresas de armamento. A reitoria afirmou que, a partir de agora, qualquer nova parceria internacional passará por avaliação de respeito aos direitos humanos.
A UFC, por sua vez, encerrou o programa de intercâmbio com a mesma universidade, em decisão unânime do Conselho Universitário. A moção publicada pela instituição cearense repudia “o genocídio em curso e manifesta solidariedade ao povo palestino que resiste às agressões”.
Um debate ético e político
O rompimento dos convênios acadêmicos reacende o debate sobre o papel das universidades em contextos de guerra e violações de direitos humanos. Para setores da comunidade científica, é dever das instituições públicas de ensino não compactuar com regimes acusados de crimes de guerra e apartheid.
Outros grupos, contudo, defendem a manutenção de laços acadêmicos como forma de promover o diálogo e a diplomacia científica. Na USP, alunos do curso de hebraico manifestaram preocupação com possíveis prejuízos culturais, mas a congregação descartou essa hipótese ao constatar que não havia intercâmbios ativos.
Com a decisão da FFLCH, o debate sobre a responsabilidade social das universidades brasileiras diante de conflitos internacionais deve ganhar novo fôlego. Caso o Conselho Universitário da USP siga a recomendação da faculdade, a maior universidade do país poderá romper todos os convênios vigentes com instituições israelenses — um gesto de peso político e simbólico no cenário acadêmico internacional.
Por Cezar Xavier




