Parlamento de Israel aprova anexação da Cisjordânia e afronta o direito internacional
Colonos israelenses queimam árvores e atacam palestinos em ataques constantes à colheita de azeitonas na Cisjordânia ocupada
Em uma decisão considerada explosiva, o Parlamento de Israel (Knesset) aprovou nesta quarta-feira (22) a primeira votação de um projeto de lei que impõe a soberania israelense sobre a Cisjordânia ocupada, equivalendo na prática à anexação de um território palestino — uma violação aberta do direito internacional e das resoluções da ONU (Organização das Nações Unidas).
A proposta, apresentada pelo deputado Avi Maoz, líder do partido ultranacionalista Noam, foi aprovada por 25 votos a 24 na leitura preliminar, em um plenário com ampla abstenção de parlamentares do Likud, partido do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que se opôs formalmente ao texto.
Agora, o projeto seguirá para análise do Comitê de Relações Exteriores e Defesa, antes de outras três votações necessárias para sua aprovação final.
Entre o cálculo político e o confronto diplomático
A votação ocorre em um contexto de forte tensão diplomática, um mês após o presidente dos EUA, Donald Trump, ter advertido publicamente que não apoiaria uma anexação formal da Cisjordânia. A medida foi vista como um desafio aberto a Washington, especialmente porque ocorreu durante a visita do vice-presidente americano JD Vance a Israel, cujo objetivo era reforçar o cessar-fogo em Gaza.
O próprio partido de Netanyahu classificou a votação como “uma provocação irresponsável da oposição”, alertando que o gesto pode comprometer as relações com os EUA. Ainda assim, o apoio ao projeto veio de dentro da base governista: ministros da ala radical, como Itamar Ben-Gvir (Segurança Nacional) e Bezalel Smotrich (Finanças), votaram a favor.
Smotrich celebrou o resultado nas redes sociais, afirmando que “chegou a hora de aplicar soberania total sobre toda a Judeia e Samaria — herança dos nossos antepassados”.
Netanyahu isolado e pressionado por sua direita
Embora tenha se posicionado contra o projeto, Netanyahu enfrenta pressões crescentes da extrema direita, que exige a consolidação do controle israelense sobre os territórios ocupados. A abstenção da maioria dos deputados do Likud reflete o mal-estar interno: parte da bancada teme um colapso diplomático com os EUA e países árabes que normalizaram relações com Israel nos Acordos de Abraão.
O parlamentar Yuli Edelstein, do próprio Likud, rompeu com o governo e deu o voto decisivo para aprovar a proposta. “A soberania israelense em toda a nossa pátria é a ordem do dia”, declarou, sinalizando o enfraquecimento da autoridade do premiê dentro de sua coalizão.
Risco de fim da solução de dois Estados
A eventual anexação formal da Cisjordânia colocaria fim à viabilidade da solução de dois Estados, defendida pela ONU e pela maioria da comunidade internacional como única saída para o conflito. Mais de 700 mil colonos israelenses vivem atualmente em assentamentos ilegais na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental — construções consideradas ilegais pelo direito internacional.
Em julho de 2024, a Corte Internacional de Justiça reafirmou que a ocupação e os assentamentos israelenses em território palestino são ilegais e devem ser retirados “sem demora”.
Reações internacionais e regionais
A votação provocou reação imediata e dura de governos e organismos internacionais. O Ministério das Relações Exteriores da Palestina afirmou que a medida “viola frontalmente o direito internacional e os direitos históricos do povo palestino”.
O Hamas classificou o projeto como expressão da “face colonial da ocupação”, enquanto o Catar condenou “nos termos mais fortes” a iniciativa, chamando-a de “desafio direto à legalidade internacional”. A Jordânia declarou que a decisão “enfraquece a solução de dois Estados e ameaça a estabilidade regional”.
Mesmo os Emirados Árabes Unidos, aliados recentes de Israel, advertiram que a anexação da Cisjordânia representaria “uma linha vermelha”, capaz de comprometer os Acordos de Abraão.
Anexação e violência no terreno
Horas após a votação, forças israelenses invadiram a aldeia de Qusra, ao sul de Nablus, demolindo muros e expandindo a presença militar. A vila tem sido alvo recorrente de ataques de colonos armados e operações do exército.
Embora o projeto ainda tenha de passar por outras etapas, analistas como o cientista político Ori Goldberg avaliam que a votação tem caráter “performático e simbólico”, usada como pressão política contra Netanyahu e como resposta nacionalista ao cessar-fogo em Gaza, considerado uma imposição dos EUA e de potências árabes.
Contudo, advertem que gestos simbólicos em Israel costumam produzir fatos consumados. A expansão de assentamentos e a integração administrativa da Cisjordânia já avançam de forma acelerada, tornando a anexação uma realidade de fato, mesmo sem decreto oficial.
Um futuro cada vez mais distante da paz
Com o avanço desse projeto, Israel se aproxima de um ponto de ruptura diplomática e moral: a consolidação de um regime de ocupação permanente. A anexação — ainda que travestida de “soberania” — não apenas viola o direito internacional, mas enterra a última esperança de coexistência entre dois povos.
Se aprovada em definitivo, a lei colocará Israel em aberto confronto com a ONU, seus parceiros árabes e até os EUA, aprofundando o isolamento de Netanyahu e empurrando a região para uma nova era de incerteza e radicalização.
Por Cezar Xavier




