O pavilhão da AWS na feira industrial Hannover Messe de 2025. Foto: Divulgação

Um apagão na Amazon Web Services (AWS), divisão de computação em nuvem da Amazon, derrubou na manhã desta segunda-feira (20) mais de 500 serviços e aplicativos em todo o mundo. Entre os afetados estavam Snapchat, Alexa, PayPal, Fortnite, Roblox, Duolingo, Zoom e Prime Video, além de sites corporativos e plataformas de pagamento.

O problema começou por volta das 4h (horário de Brasília) e foi localizado na região US-EAST-1, nos Estados Unidos — um dos principais centros de dados da companhia. Embora a empresa tenha declarado “sinais de recuperação” ao longo do dia, instabilidades persistiram por horas, afetando também o acesso de usuários no Brasil e na Europa.

O caso reacende o debate sobre a dependência crítica da economia digital em poucas corporações que concentram a infraestrutura global da internet.

Quando uma falha local vira uma crise global

A interrupção mostrou como um único datacenter é capaz de paralisar parte expressiva da rede mundial. A AWS hospeda desde plataformas de entretenimento e streaming até sistemas financeiros, educacionais e de governos.

Por operar como uma infraestrutura invisível, a empresa sustenta o funcionamento de milhares de aplicativos sem que o usuário final perceba sua presença — até que ela falhe. Quando isso acontece, o efeito é de reação em cadeia, derrubando plataformas interligadas e expondo vulnerabilidades de toda a arquitetura digital contemporânea.

Com 32% de participação de mercado, a Amazon lidera o setor global de computação em nuvem, seguida pela Microsoft Azure (23%) e pelo Google Cloud (12%). Juntas, as três controlam quase dois terços da infraestrutura digital do planeta.

Esse domínio significa que qualquer erro técnico ou decisão comercial dessas gigantes tem potencial para desestabilizar parte significativa da economia mundial, que hoje depende integralmente da nuvem para operar.

A concentração como risco estrutural

A pane da AWS revela o custo oculto da centralização tecnológica. A promessa original da computação em nuvem era de eficiência, flexibilidade e escalabilidade. No entanto, ao concentrar milhões de serviços em poucas mãos, o modelo criou um oligopólio estrutural de infraestrutura.

Empresas de todos os tamanhos — de startups a conglomerados globais — passaram a terceirizar seus sistemas, abrindo mão do controle direto sobre servidores, dados e contingências.

O resultado é um sistema global interdependente, em que uma falha técnica deixa de ser um incidente isolado e se transforma em evento macroeconômico. Cada minuto de instabilidade pode gerar prejuízos médios de US$ 14 mil, segundo a empresa CloudZero — mais de US$ 800 mil por hora para empresas afetadas.

O episódio desta segunda-feira é o maior apagão digital desde o colapso da CrowdStrike, em julho de 2024, que paralisou bancos, hospitais e aeroportos em dezenas de países.

Nuvem: de inovação a infraestrutura crítica

A AWS nasceu em 2006 como um serviço interno da Amazon para armazenar e processar grandes volumes de dados. Com o tempo, transformou-se em um dos principais pilares financeiros da empresa fundada por Jeff Bezos — respondendo por cerca de 20% da receita total e 60% do lucro operacional da companhia.

Hoje, seus servidores sustentam transações bancárias, sistemas de inteligência artificial, plataformas de e-commerce, streaming e comunicação corporativa. A dependência é tamanha que, para muitas empresas, ficar offline por uma hora é o equivalente a parar de existir temporariamente.

A nuvem, portanto, deixou de ser apenas um componente tecnológico: tornou-se infraestrutura econômica essencial, comparável a energia elétrica, transporte e telecomunicações.

Falhas, contratos e responsabilidade

O apagão também levanta questionamentos sobre responsabilidade e governança digital. Quando um provedor global enfrenta uma interrupção dessa escala, quem responde pelos prejuízos?

Os contratos de nível de serviço (SLA, na sigla em inglês) costumam limitar a responsabilidade das big techs a descontos simbólicos em futuras faturas, enquanto empresas afetadas contabilizam perdas milionárias. Essa assimetria contratual reflete o poder de mercado das gigantes da nuvem, que impõem regras unilaterais a clientes de todos os portes.

A falta de alternativas competitivas e a dificuldade de migrar sistemas complexos entre provedores criam um cativeiro digital, no qual sair da nuvem de uma empresa é tão custoso quanto permanecer vulnerável dentro dela.

Um alerta para governos e corporações

A interrupção da AWS serve como um alerta sistêmico. Governos, bancos, universidades e companhias privadas vêm adotando soluções de nuvem sem desenvolver planos de contingência ou infraestrutura de redundância.

O incidente desta segunda-feira mostra que a segurança digital não se limita à proteção contra hackers — ela envolve também resiliência operacional, autonomia tecnológica e soberania de dados.

Em um mundo em que a informação é o principal ativo, a dependência de poucos provedores significa delegar poder estratégico sobre economias inteiras.

A lição do colapso

O apagão da AWS é mais do que um episódio técnico. É um sintoma de desequilíbrio estrutural em um sistema digital global excessivamente concentrado.

A economia contemporânea depende de três corporações que operam como “infraestruturas invisíveis” do planeta — mas sem o mesmo nível de regulação, transparência e controle público que setores estratégicos como energia ou telecomunicações possuem.

A falha desta semana, ainda que temporária, mostrou que o elo mais frágil da nuvem é sua própria centralização. Enquanto a dependência das big techs continuar a crescer, cada pane será menos um acidente técnico e mais um risco sistêmico global — um lembrete de que a internet não é tão descentralizada quanto parece.

Por Cezar Xavier