Tarcísio de Freitas, o bolsonarista “civilizado” que despreza a dor do povo
 
                            A extrema direita brasileira é uma fauna exótica e variada. Dentre os tipos mais comuns, estão os que não têm vergonha de serem abertamente abjetos. Outros preferem usar um verniz de “bom-mocismo”, dizendo colocar Deus e família acima de tudo. E há os que apelam para um tipo mais próximo do que se convencionou chamar “perfil técnico”. Porém, mais cedo ou mais tarde, todos acabam mostrando sua verdadeira raiz. Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, não foge a essa regra.
Carioca de nascimento, Tarcísio foi cuidadosamente talhado para passar pelo crivo dos paulistas que, em geral, adoram o tipo “gerentão”. Essa espécie de político costuma se mimetizar, agindo como um gestor de empresas que busca o lucro ao invés do interesse público usando o discurso da eficiência. A fórmula é fácil e tem sido certeira para agradar a classe média e os ricos em geral e deixar os mais pobres à míngua, sob o tacão da polícia.
Quando Tarcísio passou a ter mais destaque no cenário político, era comum ver formadores de opinião classificá-lo como um “bolsonarista que come de garfo e faca”. Era uma forma de lhe conceder ares mais domesticados em comparação com a horda de ogros da extrema direita, demonstrando uma simpatia contida a partir de um patamar ideológico mais “elevado e limpinho”. Afinal, é mais confortável (e elegante) para a fina flor do poder se alinhar com uma criatura política diferenciada, que se mostra mais civilizada do que os de sua matriz original.
Eleito governador, Tarcísio foi perdendo a timidez e rapidamente deixou claro que, no fundo, é igual aos demais de seu grupo. Aqui e ali, foi mostrando, em ações e palavras, sua verve desumana — um dos pilares da extrema direita.
A mais recente incursão do governador nesse terreno se deu durante coletiva de imprensa nesta segunda-feira (6), em que declarou, entre um sorrisinho e outro, que “no dia em que começarem a falsificar Coca-Cola, eu vou me preocupar… Ainda bem que ainda não chegaram nesse ponto”.
A piada já seria de gosto duvidoso em circunstâncias normais. Mas, se tornou abominável diante de um quadro em que ao menos três pessoas já perderam a vida e outras estão internadas e com sequelas por causa do uso inadequado de metanol em bebidas alcólicas.
É importante lembrar que, até este momento, o estado de São Paulo tem 15 casos confirmados de intoxicação e 164 em investigação, o que representa 83% do total registrado no país, além de seis mortes suspeitas.
Essa displicência e falta de empatia de Tarcísio, no entanto, não são inéditas. Em março de 2024, diante das denúncias de abusos cometidos pela Polícia Militar e da alta letalidade de operações na Baixada Santista que levaram à morte de dezenas de pessoas — algumas com sinais claros de execução —, o governador afirmou: “o pessoal pode ir na ONU [Organização das Nações Unidas], pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”.
Em ao menos duas circunstâncias bastante graves, portanto, o pupilo de Jair agiu tal qual seu messias diante da pandemia. Como se não bastasse dizer que a onda de Covid-19 seria apenas uma “gripezinha”, o então presidente ainda declarou sobre as mortes: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”, além de dizer que não era coveiro. Naquele momento, os mortos pela doença já haviam passado da casa dos milhares e Bolsonaro empenhava-se em propagar as supostas maravilhas de um fantasioso kit-Covid que só serviu para gerar lucros aos seus fabricantes e defensores.
Tarcísio, agora, figura entre os possíveis presidenciáveis, embora já tenha sinalizado que pretende disputar a reeleição em São Paulo. É importante que frases como as que ele vem dizendo não se percam no tempo e que a indignação contra atos de tamanha desumanidade pesem na escolha dos eleitores. Afinal, nem os paulistas, nem os brasileiros, merecem um governante que ignora a dor do seu próprio povo.




