Demissão em massa no Itaú reacende debate sobre monitoramento e home office
Bancários são reconhecidos pela capacidade de mobilização.
As cerca de mil demissões anunciadas pelo Itaú Unibanco na segunda-feira (8) continuam gerando forte repercussão entre bancários e sindicatos. Segundo a instituição, alguns empregados registraram jornadas completas e até horas extras, mas teriam permanecido inativos em seus computadores por longos períodos. Casos de suposta ociosidade de até 80% do expediente teriam motivado o desligamento.
O banco defendeu a medida como uma forma de proteger seus “princípios de confiança” e ressaltou que a decisão resultou de uma “revisão criteriosa de condutas relacionadas ao trabalho remoto”. Mas, para Andreia Sabino, presidenta da Federação dos Bancários da Bahia e Sergipe (FEEBBASE), a medida reflete uma reestruturação disfarçada.

“Esse é o jeito Itaú de fazer as coisas. Um absurdo essa justificativa para demissão em massa. O banco, na verdade, está fazendo uma reestruturação e usou esse ‘monitoramento’ como pretexto”, afirmou Andreia em entrevista.
“Faltou transparência e diálogo”
Segundo a sindicalista, diversos relatos apontam que os trabalhadores demitidos não receberam advertência, cobrança ou feedbacks prévios. “Há colegas que, inclusive, esperavam promoção devido aos resultados entregues”, diz.
“O banco nunca nos informou que havia problemas em um grupo tão grande de trabalhadores. Foi demissão em massa e isso gerou pânico geral. Hoje, colegas trabalham assustados, sem entender como funciona esse monitoramento”, afirma.
Para ela, o processo foi conduzido sem transparência:
- O banco nunca discutiu previamente o uso dos critérios de monitoramento com os sindicatos;
- Não houve alerta sobre quais práticas poderiam resultar em desligamento;
- O ambiente interno foi tomado por “pânico e insegurança”, com colegas sem clareza sobre as regras para o home office.
Andreia relembra que em 2024 também houve desligamentos em massa, sob acusação de “desvios de conduta”, igualmente sem espaço para defesa. “Uma empresa que fala de ética não pode deixar de ser transparente nesses processos. Quando envolve um grupo tão grande, precisa discutir com o movimento sindical e apresentar critérios claros.”
Monitoramento em xeque
O uso de softwares para rastrear tempo de tela, cliques e abertura de abas é o ponto mais controverso do episódio. Para os sindicatos, trata-se de um mecanismo de vigilância, e não de avaliação justa de produtividade.
A prática é permitida pela legislação e pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), mas exige aviso prévio aos trabalhadores sobre quais dados serão coletados e com qual finalidade — o que, segundo os relatos, não ocorreu.
Além disso, especialistas lembram que métricas baseadas apenas no tempo diante do computador ignoram atividades como análise de documentos, atendimentos por telefone, reuniões ou planejamento estratégico.
Além do desemprego súbito, os desligamentos levantam preocupações sobre o efeito do monitoramento constante na saúde mental dos bancários.
“Até onde vai esse controle? Até quando os trabalhadores vão produzir sabendo que estão sendo avaliados por cada clique? O número de suicídios na categoria vem crescendo, e os bancos, em vez de combater o adoecimento, aumentam o estresse. Por que não usar essas ferramentas também para cuidar dos que estão produzindo?”, questiona a presidenta da FEEBBASE.
Reação sindical e medidas jurídicas
Sindicatos em São Paulo e em outros estados já realizaram assembleias com centenas de bancários, ouvindo demitidos e colegas que permanecem na ativa. Os departamentos jurídicos também foram mobilizados e avaliam ações coletivas, incluindo pedidos de reparação moral. A maioria dos desligados está em São Paulo, onde a entidade local presta apoio jurídico e psicológico.
Especialistas defendem que a saída esteja em regras claras, monitoramento proporcional e respeito ao direito à desconexão. Enquanto isso, o movimento sindical promete intensificar a mobilização. “Não aceitaremos critérios secretos para demissão. O que está em jogo não é só o emprego de mil bancários, mas o futuro das relações de trabalho em todo o setor financeiro”, resume Sabino.
“Ofensiva contra o home office”
As manifestações de surpresa de ex-funcionários se multiplicam pela imprensa relatando o sentimento de injustiça. Dizem que o trabalho intelectual não se mede pelo tempo de tela. A produtividade sempre foi avaliada pelas entregas, sem que o funcionário soubesse que seria monitorado por isso.
Outro demitido argumentou que, em 2024, o banco lucrou R$ 40 bilhões com o mesmo modelo remoto. Desta forma, acredita-se que a decisão é “uma ofensiva contra o home office, para forçar a volta ao presencial”.
O debate que vai além do Itaú
O episódio vai além do Itaú e se conecta a um debate global: como medir produtividade no trabalho remoto? Especialistas alertam que sistemas baseados apenas em tempo de tela não capturam a complexidade do trabalho intelectual e podem distorcer resultados. Além disso, reforçam a necessidade de respeitar o “direito à desconexão” e de evitar práticas que reforcem a cultura do medo.
As demissões expõem um debate maior sobre o futuro do trabalho remoto no Brasil. Embora a modalidade seja aprovada pela categoria bancária e bem avaliada em termos de produtividade, grandes empresas têm sinalizado retorno ao presencial, alegando dificuldades de integração e controle.
Pressão sobre o banco
Enquanto o Itaú sustenta que atuou em nome de seus “princípios de confiança”, o movimento sindical vê um ataque à dignidade dos trabalhadores e promete ampliar a mobilização.
“O banco precisa ser transparente, discutir com os sindicatos e deixar claro quais situações justificam desligamentos. Do contrário, esse clima de medo só vai crescer”, conclui Andreia Sabino.
(por Cezar Xavier)