Um Partido, dois idiomas: a defesa do caráter revolucionário do PCdoB
“Um Partido e dois idiomas” é uma figura de linguagem presente em documentos da Escola Nacional João Amazonas¹ que trata de um grave problema: de um lado, uma parcela cada vez menor da militância que compreende o idioma do marxismo e, de outro, uma maioria crescente à qual é negado o acesso a esse idioma, a essa teoria da revolução.
Esse alerta não é retórico. Ele toca no cerne da identidade partidária e no papel histórico que o Partido Comunista do Brasil assumiu desde sua fundação, em 1922, e reafirmou em cada batalha travada ao longo de mais de um século. O PCdoB ostenta com orgulho o título de “Partido do Socialismo” porque jamais renegou a bandeira vermelha nem abandonou a causa de uma sociedade liberta da exploração. Porém, não basta autoproclamação: é necessário traduzir essa afirmação em prática cotidiana, em luta viva e em organização permanente da classe trabalhadora e de seus aliados.
Ser “Partido do Socialismo” significa agir com método revolucionário, cultivar uma militância consciente e portadora da teoria que guia a ação. Marx legou o ensinamento: não basta interpretar o mundo; é preciso transformá-lo. Essa transformação não é espontânea, tampouco fruto apenas do acúmulo de lutas parciais. Ela exige um instrumento político forjado no calor da prática, mas também disciplinado no estudo e na elaboração teórica.
O estudo como ferramenta de emancipação
A vida partidária oferece múltiplos espaços de formação: o debate sobre os documentos congressuais, a leitura das publicações dos órgãos de comunicação, a ação nos movimentos sociais, a intervenção parlamentar e governamental, a batalha das ideias. Mas é o estudo sistemático da teoria revolucionária que confere à militância instrumentos para compreender e formular a política. O marxismo-leninismo é bússola indispensável para que cada comunista saiba situar-se diante das contradições da realidade e orientar a luta para o horizonte socialista.
Não se trata de um luxo reservado a dirigentes, mas de uma necessidade vital. Sem formação sólida, a militância corre o risco de perder-se no imediatismo ou de ser seduzida por concepções estranhas ao nosso projeto. Daí a centralidade da formação política e ideológica, que deve caminhar junto com a política de quadros. Ambas são chaves para construir uma reserva de militantes preparados, capazes de conduzir o Partido e de impulsionar a luta popular em qualquer terreno.
Quantidade e qualidade: uma falsa contradição
Por vezes se coloca a questão da expansão do Partido como se fosse uma ameaça à sua qualidade revolucionária. O argumento insinua que abrir as fileiras significaria diluir a perspectiva comunista. Essa preocupação tem raízes compreensíveis, mas hoje deve ser tratada como uma falsa contradição. O perigo não reside na ampliação do Partido. O risco verdadeiro está no descuido com a formação dos novos militantes, na negligência com o acompanhamento da sua vida orgânica e na incapacidade de preparar quadros sólidos. Quando a direção assume a responsabilidade de educar politicamente e de organizar bem os novos membros, a expansão das fileiras não fragiliza: pelo contrário, fortalece. É assim que se constrói um partido de massas e, ao mesmo tempo, de quadros revolucionários.
O desenvolvimento criador do marxismo
O desafio maior de nosso tempo é desenvolver o marxismo à luz da realidade brasileira e mundial. Essa tarefa é inseparável da luta de classes concreta em curso. O Brasil enfrenta contradições próprias de uma formação social marcada pela dependência, pela concentração da riqueza, pelo racismo estrutural e pela destruição ambiental, dentre outros males. O marxismo precisa dialogar com essas especificidades para oferecer respostas transformadoras, que articule dialeticamente o todo com o particular.
Mas não se desenvolve o marxismo sem conhecer seus fundamentos. Quem ignora os pilares erguidos por Marx, Engels, Lênin e tantos outros corre o risco de dissolver a teoria em um ecletismo inócuo. É legítimo interagir com produções teóricas diversas, inclusive oriundas de correntes não marxistas, desde que isso se faça com rigor crítico. Se o marxismo não deve ser uma rocha impermeável ao debate, também não pode transformar-se numa esponja que absorve indiscriminadamente todo tipo de ideias – inclusive algumas oriundas das classes dominantes.
A tradição revolucionária sempre soube selecionar, criticar e reelaborar. Assimilar, por exemplo, conhecimentos das ciências sociais, da economia política contemporânea, das teorias ambientais que questionam o capitalismo e do feminismo emancipacionista, pode enriquecer nossa visão. Mas tal assimilação precisa servir à luta pela emancipação do conjunto da classe trabalhadora, e não à reprodução ideológica do capitalismo.
Formação de timoneiros
O PCdoB necessita multiplicar seus “timoneiros”: quadros capazes de conduzir, interpretar e intervir em cada circunstância, guiados pelo referencial do marxismo-leninismo. Essa exigência é tanto mais premente quanto maior for o ataque das classes dominantes e de seus aparelhos ideológicos contra as ideias socialistas.
Vivemos em tempos de confusão programada. A burguesia empenha-se em obscurecer a consciência popular, difundindo teorias que naturalizam a exploração ou apresentam o capitalismo como insuperável. A luta ideológica, portanto, é parte indissociável da luta política. Para travá-la com eficácia, nossos quadros precisam estar munidos de conhecimento e convicção.
Um só Partido, um só idioma
O perigo de que se constitua “um só Partido e dois idiomas” não é mera figura de linguagem. É o risco de que o marxismo se torne domínio de poucos, enquanto a maioria da militância permanece privada desse instrumento teórico. Esse risco divide, fragiliza e paralisa. Para superá-lo, o Partido deve assumir a missão de universalizar o acesso à teoria, democratizar o conhecimento e criar meios para que cada militante se aproprie da ciência revolucionária.
O “idioma” do marxismo-leninismo não pode ser privilégio de poucos. Ele precisa tornar-se língua comum do Partido, compreendida em diferentes graus, mas partilhada por todos. Só assim o PCdoB será, de fato, o Partido do Socialismo: um coletivo consciente, disciplinado e capaz de conduzir o povo brasileiro rumo à ruptura com a ordem capitalista.
Conclusão
O 16º Congresso Nacional do PCdoB se realiza em um momento de grandes desafios. A luta contra a extrema direita, a defesa da soberania nacional, a resistência às ofensivas neoliberais e a busca de um novo projeto de desenvolvimento popular impõem um Partido cada vez mais enraizado, combativo e lúcido.
Para tanto, precisamos resgatar o idioma único que nos unifica: a teoria revolucionária, estudada criticamente, assimilada coletivamente e aplicada criativamente. Não basta proclamar que somos o Partido do Socialismo. É necessário que cada militante viva essa condição, formando-se, organizando- se e lutando com a convicção de que outro mundo é possível.
Um só Partido, um só idioma: o idioma do socialismo científico, da emancipação humana, da luta pelo Brasil independente, democrático e socialista.
¹ PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PCdoB). Currículo da Escola Nacional João Amazonas. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: PCdoB, 2016.
*Economista. Membro do Comitê Central; Secretário de Movimentos Sociais do Comitê Estadual da Bahia