Até meados da década de 2010, a agenda comunista de democratização dos meios de comunicação no Brasil tinha um teor bem definido contra os monopólios da mídia tradicional. Essa agenda se consolidou em torno do Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLIP) da Mídia Democrática, apresentado em 2013 pelos movimentos sociais organizados no Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Intitulado “Lei da Mídia Democrática”, o projeto tinha como objetivo regulamentar os artigos 5, 21, 220, 221, 222 e 223 da Constituição Federal. Entre suas principais propostas estavam: o fim da propriedade cruzada como forma de combater monopólios e oligopólios; a regionalização da produção cultural audiovisual; o direito de antena para movimentos sociais; e o direito de resposta.

Até aquele momento, a grande preocupação com a democratização da mídia ainda girava em torno do poder da televisão e do rádio. Contudo, após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff em 2016, o cenário mudou radicalmente. Não que rádio e TV tenham perdido importância, mas novos atores entraram em cena, com poder global de concentração de riquezas e de conformação de hegemonia: as big techs.

Do ponto de vista econômico, o poderio é avassalador. Em 2024, seis das sete maiores empresas do mundo eram big techs: Google, Apple, Amazon, Microsoft, Meta e Nvidia. Do ponto de vista ideológico, a discrepância também é significativa. Por meio de seus algoritmos, essas plataformas promovem o cercamento da informação, controlam preferências e modulam a opinião pública. Como o objetivo último é a acumulação de capital, conteúdos que geram mais lucro, mesmo que de caráter reacionário ou antidemocrático, tendem a ganhar mais alcance do que opiniões progressistas e democráticas.

Nesse enfrentamento global, o PCdoB tem se destacado, sobretudo por meio da atuação de três figuras: Orlando Silva, Renata Mielli e Ergon Cugler.

No Brasil, a principal tentativa de regulação das plataformas digitais surgiu com o relatório elaborado pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB). Em 2020, o Senado aprovou o PL 2630/2020, conhecido como PL das Fake News. Na Câmara, sob relatoria de Orlando, o projeto foi ampliado: em vez de tratar apenas de desinformação, passou a abordar toda a estrutura de funcionamento das plataformas digitais. O relatório foi construído de forma participativa, com ampla consulta à sociedade civil e a especialistas. Apesar disso, a pressão das big techs, aliada à resistência de setores do Congresso, impediu sua aprovação, e o projeto acabou arquivado em 2024.

Esse enfrentamento contou ainda com a contribuição decisiva da jornalista Renata Mielli. Coordenadora-geral do FNDC entre 2016 e 2020 e, desde 2023, coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Mielli ocupa justamente o espaço institucional que as big techs mais temem. O CGI, reconhecido nacional e internacionalmente como modelo de governança multissetorial da internet, é hoje um dos principais instrumentos de defesa da soberania digital brasileira – e é dirigido por uma comunista.

Outro rosto dessa luta é o do jovem pesquisador Ergon Cugler. Autor do livro IA-Cracia: como enfrentar a ditadura das big techs e membro do Conselho da Presidência da República, ele tem se destacado em conferências e debates por todo o país, denunciando o poder desmedido dessas corporações e defendendo alternativas soberanas de regulação e inovação tecnológica. Cugler simboliza a renovação geracional no movimento.

Se já está claro para os comunistas que o principal adversário a ser enfrentado no século XXI é a aliança entre capital e ideologia promovida pelas big techs, cabe organizar um programa de diretrizes. Uma agenda de combate ao poder dessas empresas no Brasil deveria considerar pelo menos três dimensões centrais: (1) a transformação do CGI em agência reguladora das plataformas digitais; (2) a viabilização do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) como eixo da estratégia de desenvolvimento ecológico do país; e (3) o estabelecimento soberano de data centers nacionais, com preocupação socioambiental.

A primeira grande tarefa é a transformação do CGI em uma agência reguladora. As big techs resistem a qualquer forma de controle público, alegando falsamente que isso configuraria censura. No entanto, setores estratégicos da economia – como o sistema financeiro, a saúde e o petróleo – já possuem agências reguladoras. Não há justificativa para que plataformas digitais, que concentram tamanho poder econômico e informacional, permaneçam sem regulação. A proposta de transferir essa função para a Anatel não atende às necessidades, pois a agência foi concebida para o setor de telecomunicações e não possui expertise em algoritmos e governança digital. O CGI, ao contrário, é o espaço adequado para essa missão.

A segunda dimensão é a efetivação do PBIA. Elaborado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, sob liderança da ministra Luciana Santos e do secretário-executivo Luís Manuel Rebelo Fernandes, e entregue ao presidente Lula em 2024, o plano prevê R$ 23 bilhões em investimentos até 2028. O PBIA deve ser compreendido como projeto de Estado, capaz de estruturar um complexo industrial de inteligência artificial, associado ao desenvolvimento ecológico e à inovação soberana.

A terceira dimensão é a criação de data centers nacionais. O Brasil não deve limitar-se a atrair os data centers de Google, Nvidia ou Amazon, como defendem setores do governo, pois isso significaria absorver os custos ambientais – consumo massivo de água e energia – sem ganhos reais em transferência de tecnologia, geração de empregos qualificados ou soberania digital. A soberania digital significa assegurar que os dados sensíveis de cidadãos, empresas e do próprio Estado brasileiro não fiquem sob controle de corporações estrangeiras, mas permaneçam protegidos em infraestrutura nacional. É um grave problema, nesse sentido, que o Serpro tenha firmado parcerias com big techs para armazenamento de informações estratégicas, em vez de fortalecê-las em data centers públicos nacionais. Do mesmo modo, universidades, centros de pesquisa e órgãos de Estado deveriam garantir que seus dados fossem hospedados em território brasileiro, em estruturas próprias e soberanas, evitando a dependência tecnológica de multinacionais. O que o Brasil precisa, e o já mencionado PBIA prevê isso, é construir seus próprios data centers aliando tecnologia, sustentabilidade, inovação e eficiência energética. Trata-se, evidentemente, de uma questão estratégica de soberania nacional.

Importante frisar que essa nova agenda não substitui a proposta histórica apresentada no PLIP de 2013, mas a complementa. O desafio do século XXI exige somar a luta contra os monopólios tradicionais da mídia nacional à resistência contra os monopólios globais das plataformas digitais.

Assim, a agenda comunista de democratização da mídia deve ser entendida como uma luta pela soberania digital e pela democracia informacional. Trata-se de garantir que os meios de comunicação e as tecnologias digitais estejam a serviço do povo brasileiro, e não subordinados aos interesses de conglomerados privados nacionais ou estrangeiros. O futuro da democracia no Brasil dependerá, em grande medida, da capacidade de enfrentar tanto os velhos monopólios midiáticos quanto os novos monopólios globais das big techs.

*Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UCAM.