O novo e silencioso desmonte dos direitos do trabalho
A Reforma Trabalhista de 2017 aprovada durante o governo golpista de Michel Temer foi um duro golpe contra a classe trabalhadora, retirando direitos e implementando o negociado sobre o legislado em diversos pontos da legislação trabalhista. Além disso, foi criado o trabalho intermitente, o fim do imposto sindical e o ônus sucumbencial contra o trabalhador na Justiça do Trabalho. Houve ainda outras alterações, mas a princípio, focaremos nessas.
O golpe foi duro contra os trabalhadores e a luta sindical. As relações de trabalho no Brasil foram significativamente impactadas por essas mudanças, mas elas não pararam de sofrer mutações com a mudança legislativa de 2017.
É importante perceber que houve outras mudanças, que transcorreram de forma silenciosa com o propósito de flexibilizar ainda mais as relações de trabalho. O direito trabalhista, que surgiu na década de 40 com a promulgação da CLT, tinha como princípio norteador o entendimento do empregado como hipossuficiente perante o empregador, mas a cada ano que se passa há a corrosão dessa compreensão.
O entendimento de que o funcionário está em pé de igualdade para discutir e negociar direitos e condições de trabalho é extremamente falacioso. Para que a falácia se sustente, se criou um movimento político, orquestrado principalmente em redes sociais através de influenciadores, para rejeitar o trabalho formal celetista em prol de maior liberdade profissional.
O Tema de Repercussão Geral nº 725 do Supremo Tribunal Federal, que por mais que tenha sido relatado pelo Ministro Luiz Fux foi protagonizado pelo voto do Ministro Alexandre de Moraes, atua como alicerce jurídico sustentador da pejotização em massa no Brasil. Através desse entendimento, foi dada a segurança jurídica para que a terceirização de qualquer atividade profissional fosse feita de forma irrestrita e indiscriminada.
Após o trânsito em julgado desta decisão, Alexandre de Moraes passou a criticar publicamente o trabalhador que assina contrato como pessoa jurídica e depois busca direitos na Justiça do Trabalho. Acontece que se o trabalhador não concordar com a sua própria pejotização, ele não consegue a vaga de emprego. Não existe a presumida negociação, há uma imposição de condições por parte de um empregador que se furta de assumir o papel jurídico de um empregador (art. 2º da CLT).
Caso determinado candidato rejeite ser pejotizado, buscando a formalidade e a segurança de um emprego celetista, ele será eliminado do processo seletivo em detrimento de outro candidato que aceite essas condições. Não há negociação direta e a figura do hipossuficiente deveria ser escancarada, mas é criticada pelo ministro da nossa Suprema Corte.
A pejotização é ainda mais cruel do que a terceirização, uma vez que o prestador de serviços equiparado a uma PJ é desumanizado. O MEI, a PJ, não é detentora de nenhum direito trabalhista. O mínimo das condições de decência e dignidade são asseguradas para evitar críticas públicas às empresas que contratam sob este regime, mas o cerceamento de férias, décimo terceiro, cobertura de seguridade social e demais direitos se tornaram práticas tuteladas pelo STF.
Há uma promessa de maiores ganhos como compensação. No entanto, esses ganhos se dão pela ausência de descontos em folha de INSS, FGTS e Imposto de Renda recolhido na fonte, que são contribuições sociais e fiscais que representam retorno direto e indireto ao trabalhador. Para além da ausência de tutela de direitos, observamos silentes um desequilíbrio deliberado nas contas públicas.
É bem verdade que o trabalhador pejotizado ainda terá que contribuir com o Imposto de Renda, mesmo que não seja recolhido na fonte. Mas as contribuições previdenciárias não são obrigatórias e representarão a longo prazo um imenso rombo na previdência. Ou seja, além de termos trabalhadores legalmente informalizados, estes cidadãos também estarão privados do direito de se aposentar. Bem como os trabalhadores formais também enfrentarão dificuldades no acesso à aposentadoria, visto que é flagrante que a conta não fecha.
Enquanto que a Reforma Trabalhista de 2017 teve um papel de começar uma flexibilização de direitos e afastar o papel de atuação sindical, o STF se torna agente para escancarar e vulgarizar todos os direitos trabalhistas.
Além das declarações públicas já citadas, constantemente decisões de tribunais trabalhistas são cassadas diretamente pelo STF, por meio de Reclamações Constitucionais, para afastar reconhecimento de vínculo empregatício de trabalhadores pejotizados. Então, qual seria o papel da Justiça do Trabalho no Brasil? O STF executa uma atuação com o intuito de castrar a competência dos tribunais trabalhistas.
Não à toa todos os processos discutindo essa problemática se encontram suspensos no Brasil. Por decisão do Ministro Gilmar Mendes, todos os trabalhadores pejotizados não poderão ter uma resolução de sua demanda judicial até que o STF decida se a competência de julgar o caso será da Justiça Comum (os TJs Brasil afora) ou da Justiça Trabalhista.
A decisão acima citada se dá em um processo movido por um corretor de seguros, que por ter assinado contrato de prestação de serviços, teve o reconhecimento do seu vínculo empregatício afastado. O fato da existência dos elementos típicos de reconhecimento do contrato de trabalho, sendo eles subordinação, pessoalidade, onerosidade e habitualidade, não são mais suficientes para o empregado, pois este é forçado pelo mercado de trabalho a se transformar em uma pessoa jurídica e afastar do seu empregador todos os encargos trabalhistas.
Por mais que o PCdoB tenha uma postura acertada na defesa da classe trabalhadora e hasteie bandeiras importantes como a valorização do salário mínimo e do fim da escala 6 x 1, é importante fazer a denúncia que a pejotização é o maior dos inimigos no momento. Trabalhador pejotizado não faz jus à remuneração mínima e nem à jornada de trabalho.
É necessário de pronto reconhecer a existência desse problema e organizar a classe trabalhadora. Não há a prometida flexibilidade ou o poder negocial entre patrão e funcionário, mas sim tão somente a vontade de quem contrata. Estamos diante do maior desmanche já observado de direitos constituídos. Contratos de prestação de serviço que dois anos atrás eram considerados ilícitos e fraudulentos para falsear relações empregatícias, atualmente são vistos como legais e válidos pelo Judiciário brasileiro.
É fundamental destacar, camaradas, que o objetivo deste texto não é o de vilanizar a Justiça burguesa, já sabemos de todos os problemas que ela representa e ela é sistematicamente inimiga do proletário. O objetivo deste presente texto é alertar os camaradas do PCdoB para a alienação do trabalhador.
Essa nova forma alienante do capital não se dá tão somente por promessas de prosperidade, de ganhos meritórios ou de enriquecimento, mas pela desumanização do trabalhador, restringindo-o de direitos e de condições decentes de trabalho. A reversão da Reforma Trabalhista de 2017 não se faz mais suficiente para garantir direitos aos trabalhadores.
Precisamos repactuar o direito do trabalho para primeiramente distinguir o que é o trabalhador pejotizado do trabalhador terceirizado, visto que o próprio Poder Judiciário faz essa confusão. Depois, precisamos eliminar a pejotização profissional, garantindo que mesmo que um trabalhador seja prestador de serviços, que ele seja detentor de direitos básicos e fundamentais consagrados pela Constituição, pela OIT e pela Declaração Universal de Direitos Humanos.
Faz urgente que a proteção do trabalho contra a automação, de forma mais emblemática pela presença de ferramentas de inteligência artificial, seja pautada e seja assegurada. É missão do PCdoB eleger uma bancada de deputadas e deputados que pautem verdadeiramente a proteção do trabalhador e enfrente os desafios silenciosos que se impõem contra o proletariado.
*Filiado ao PCdoB desde 2015