O PCdoB e o fantasma do agronegócio
Estima-se que a agropecuária brasileira — englobando agricultura e pecuária — represente cerca de 7% do PIB do país. Entretanto, quando se considera toda a cadeia de atividades direta ou indiretamente ligadas à produção agropecuária, esse percentual ultrapassa 25%.
Essa ampla cadeia produtiva não se limita à produção dentro da porteira. Pelo contrário, envolve diversos setores da economia, como a indústria de máquinas e implementos, sementes, fertilizantes, defensivos agrícolas (antes da porteira), além de processamento, logística, armazenamento, transporte e serviços diversos (depois da porteira). É justamente essa rede dinâmica que se convencionou chamar de agronegócio.
Ou seja, o agronegócio não é apenas rural. É também urbano. Não é apenas setor primário. É também setor secundário e terciário. Não envolve apenas produção agrícola ou pecuária. Engloba diversos tipos de indústrias e serviços altamente sofisticados que investem pesadamente em ciência, tecnologia e inovação, envolvendo milhares de cientistas e pesquisadores brasileiros. Não são apenas commodities. Há diversos produtos e serviços de altíssimo valor agregado.
Obviamente, como todo setor econômico sob a égide do capitalismo, sobretudo sob as amarras do neoliberalismo, os diversos segmentos que formam essa cadeia produtiva ligada à agropecuária manifestam suas contradições. Mais que isso, são forças produtivas que ao mesmo tempo que necessitam do apoio do Estado devem ser orientadas a cumprirem um projeto de nação, progressista e sustentável para, sem qualquer tipo de contradição, atender ao desafio de garantir nossas soberanias alimentar, energética e ambiental.
O PCdoB deve compreender que só existe uma agricultura brasileira. Apenas uma pecuária brasileira. Assim como só existe uma indústria nacional. Em que pese as distintas peculiaridades e especificidades de formas, tamanhos e tipos existentes, toda a cadeia produtiva ligada a agropecuária brasileira deve estar subordinada aos interesses nacionais.
Sobretudo em um momento em que é fundamental unir os trabalhadores brasileiros, é um grande erro insistir na bandeira que instiga a divisão entre agricultura familiar versus agronegócio (mesmo porque os agricultores familiares também estão inseridos nesta vasta cadeia produtiva já mencionada). Milhões de trabalhadores brasileiros, envolvidos no agronegócio brasileiro, não podem ser tratados como vilões. A real luta de classes existente no capitalismo está presente tanto na agricultura do tipo familiar (patriarcal, privada e tradicional) como também na de grande escala. Ambas devem ser inseridas a um projeto nacional de desenvolvimento sustentável e progressista o orientadas a cumprirem as diversas legislações existentes (Constituição Federal, Código Florestal, Estatuto da Terra, Lei de Agrotóxicos, Lei da Agricultura Familiar etc.).
Se na década de 1930, com o ímpeto desenvolvimentista promovido por Getúlio Vargas, o Partido se opusesse à industrialização no Brasil com o justo argumento de que os industriais eram antinacionalistas, submissos ao capital estrangeiro, exploradores dos trabalhadores e aliados à repressão varguistas, teria cometido um erro estratégico. Todas estas denúncias foram feitas, à época, de forma correta, mas sem com isso o Partido ter sido contra ao processo de industrialização. Aí reside um ponto fundamental: separar o aspecto técnico, relacionado ao desenvolvimento das forças produtivas, do aspecto político, conservador e reacionário.
O avanço das forças produtivas é o elemento mais dinâmico e revolucionário da produção. É inverossímil para um partido marxista-leninista defender um modelo de agricultura “ancestral”, adotando-se uma postura negacionista diante dos inúmeros avanços técnico-científicos nas ciências agrárias, evocando um modelo tipicamente semifeudal como defendem diversos movimentos camponeses. Como vaticinava Marx, a lei econômica do desenvolvimento da sociedade é a leia da correspondência das relações de produção com o caráter das forças produtivas.
Hoje, assim como nas décadas de 1930 a 1950, o Partido deve ser oposição à burguesia agrária, a esta elite latifundiária rentista e parasitária, à concentração fundiária, à grilagem avassaladora de terras públicas e a consequente expulsão de comunidades tradicionais, aos conflitos com indígenas, quilombolas e camponeses, além do desmatamento desenfreado.
Ao mesmo tempo, é preciso defender o cooperativismo, uma agroindústria sofisticada e fortemente integrada com o mercado, uma grande produção agropecuária em escala, intensiva e moderna, voltada à soberania alimentar do país. Mais que isso, é preciso combater energicamente a desnacionalização das empresas nacionais ligadas à produção agropecuária, principalmente nos ramos de sementes, maquinários e fertilizantes. Enfrentar as privatizações das poucas empresas públicas do setor que sobreviveram à onda neoliberal e ousar a voltar a criar estatais que contribuam com todos os ramos de nossa agropecuária (transporte, logística, fertilizantes, armazenamento etc).
Milhões de trabalhadores assalariados, no campo e na cidade, envolvidos nesta grande cadeia produtiva do agronegócio, merecem ser respeitados. Mais que isso: merecem ser valorizados cada vez mais por, entre tantas outras conquistas, terem reduzido imensamente o peso do custo da alimentação na renda média de todos os trabalhadores brasileiros.
*Professor e secretário de formação do Comitê Municipal do do PCdoB em Volta Redonda/RJ.