Trump e Lula se encontram, agendam reunião e frustram bolsonaristas
Numa vitória para o Brasil, o governo Lula conseguiu restabelecer pontes com a Casa Branca e viabilizar uma reunião direta entre os dois países para negociar o tarifaço. Nesta terça-feira (23), no intervalo entre os discursos de Lula e de Donald Trump na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, os dois líderes conversaram brevemente.
Quem deu a notícia, de modo surpreendente, foi o próprio Trump, na parte final de seu interminável pronunciamento ao Debate Geral da Assembleia. “Preciso dizer a vocês: eu estava subindo aqui (no plenário da ONU) e o líder do Brasil estava saindo. Eu o vi, ele me viu e nós nos abraçamos”, disse o presidente dos Estados Unidos, num tom algo debochado. “Na verdade, combinamos que vamos nos encontrar na semana que vem. Não tivemos muito tempo para conversar.”
A assessoria da Presidência da República confirmou o contato e afirmou que a reunião deve ocorrer mesmo na próxima semana. De acordo com o Itamaraty, o Brasil lançou uma única exigência para aceitar a reunião: que a negociação não envolva temas políticos, como a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), aliado de Trump.
O encontro bilateral pode ocorrer em Washington, presencialmente – mas o governo Lula prefere que essa primeira rodada de negociação seja por telefone. Tampouco está certo se o gesto de Trump é um indício de possível recuo em relação aos termos arbitrários do tarifaço de 50% imposto a centenas de produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos.
Mas a declaração espontânea de Trump já foi o suficiente para frustrar o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que reivindicava a condição de único elo entre a Casa Branca e o Brasil. Vendo a repercussão negativa para o bolsonarismo – que já vem de um setembro repleto de reveses –, o “filho 03” do ex-presidente Jair Bolsonaro contemporizou.
“Para quem conhece as estratégias de negociação de Donald Trump, nada do que aconteceu foi surpresa. Ele fez exatamente o que sempre praticou: elevou a tensão, aplicou pressão e, em seguida, reposicionou-se com ainda mais força à mesa de negociações”, postou Eduardo no X. Não colou. Os apoiadores mais radicais do ex-presidente temem que mesmo o governador, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), cada vez mais obcecado em concorrer à sucessão de Lula, pode se beneficiar da flexão de Trump.
“Química”
Na ONU, em menos de um minuto, Trump deu duas versões sobre a duração do encontro com Lula. “Foi em torno de 20 segundos. Mas, olhando para trás, que bom que esperei”, afirmou inicialmente, para depois se contradizer: “Por cerca de 39 segundos, tivemos uma química excelente – e isso é um ótimo sinal.”
Se foram 20 ou 39 segundos, se foi um aperto de mão ou um abraço, não importa. O fato é que, pela primeira vez desde o anúncio do tarifaço, em julho, Trump fez elogios a Lula e sinalizou disposição para o diálogo.
“Conversamos, tivemos uma boa conversa e combinamos de ter uma reunião na próxima semana se houver interesse. Mas ele pareceu um bom homem”, disse Trump, com alguma dissimulação no rosto. “Ele gostou de mim, eu gostei dele – e eu só faço negócios com gente de quem eu gosto.”
Curiosamente, esse princípio de distensão ocorre no mesmo dia do mais duro ataque brasileiro aos Estados Unidos em 80 edições da Assembleia Geral da ONU. “Não há justificativa para as medidas unilaterais e arbitrárias contra nossas instituições e nossa economia. A agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável”, disparou Lula.
Ao se referir ao conflito em Gaza, ele voltou a denunciar a postura pró-genocídio dos Estados Unidos nos organismos multilaterais. Segundo Lula, um Estado palestino “independente e integrado à comunidade internacional (…) é a solução defendida por mais de 150 membros da ONU, reafirmada ontem, aqui neste mesmo plenário, mas obstruída por um único veto. É lamentável que o presidente Mahmoud Abbas tenha sido impedido pelo país anfitrião de ocupar a bancada da Palestina nesse momento histórico”.
Da mesma maneira, nenhum chefe de Estado norte-americano havia criticado tão ostensivamente o Brasil na ONU como fez Trump em seu discurso: “O Brasil agora enfrenta tarifas pesadas em resposta aos seus esforços sem precedentes para interferir nos direitos e liberdades dos nossos cidadãos norte-americanos e de outros, com censura, repressão, armamento, corrupção judicial e perseguição de críticos políticos nos EUA”.