“Mudar o mundo, meu amigo Sancho, não é loucura, nem utopia, é justiça” (Dom Quixote)

A ideia de desenvolvimento atravessa a gramática de praticamente todos os campos políticos no Brasil. Uma pesquisa nos programas registrados no TSE pelos principais candidatos à Presidência em 2022 comprova isso. No documento de 21 páginas do candidato eleito Luiz Inácio Lula da Silva, a palavra “desenvolvimento” aparece 29 vezes, “consumo” 10 e “crescimento” 5. Já o programa de Jair Bolsonaro, com 48 páginas, menciona “desenvolvimento” em 98 ocasiões, “crescimento” em 37 e “consumo” em 7. O texto de Simone Tebet registra “desenvolvimento” 24 vezes. Ciro Gomes, por sua vez, não apenas utiliza o termo, como coloca a expressão “Projeto Nacional de Desenvolvimento” no título de seu programa, revelando o papel central que atribui a esse conceito em sua agenda.

Bolsonaro, Lula, Tebet e Ciro: todos falam em desenvolvimento. Ao menos no papel, ainda que cada um dê a esse conceito significados bastante distintos. Vale lembrar o conselho de Marx no 18 Brumário: “[…] assim como na vida privada se diferencia o que um homem pensa e diz de si mesmo do que ele realmente é e faz, nas lutas históricas deve-se distinguir mais ainda as frases e as fantasias dos partidos de sua formação real e de seus interesses reais, o conceito que fazem de si do que são na realidade”.

Ainda que a polissemia seja evidente, há um traço comum entre eles: todos articulam desenvolvimento, crescimento econômico e consumismo sob a mesma lógica da acumulação de capital, de reprodução social e societal, da exploração do homem e da depredação da natureza. Estão todos, em maior ou menor grau, aprisionados na jaula de aço do capitalismo.

Esse tipo de desenvolvimento predatório – que alguns situam desde 1492 com a colonização europeia nas Américas, enquanto outros o marcam a partir da Revolução Industrial do século XVIII – promoveu como nunca a destruição ambiental e a subjugação de povos e corpos. A desigualdade só se aprofundou e a concentração de riquezas atingiu recorde em 2024, como aponta o último relatório da Oxfam. A ciência, por sua vez, tem reiterado em relatórios do IPCC os impactos devastadores da crise climática para a biodiversidade e a vida humana. Já quanto ao consumismo, a crítica da Escola de Frankfurt se confirmou: se todos os habitantes do planeta consumissem como um cidadão médio dos Estados Unidos, seriam necessários os recursos naturais de cinco Terras, segundo a Global Footprint Network.

Mas nem todo desenvolvimento precisa seguir esse caminho. Se o futuro só existe na imaginação, precisamos imaginar melhor para termos um futuro diferente. Podemos e devemos conceber um desenvolvimento de novo tipo, cujo objetivo estratégico não seja o crescimento a qualquer custo nem o consumismo desenfreado, mas sim o reencontro metabólico entre humanidade e natureza – como Marx sugeriu no Capítulo 13 do Livro I do Capital e como John Bellamy Foster tem defendido em seus estudos recentes.

O que nos traz esperança é que esse novo tipo de imaginação sociológica começa a dar sinais de materialidade em outros cantos do mundo. Armada com o conceito de Civilização Ecológica, noção consolidada no 18º Congresso Nacional do PCCh, em novembro de 2012, a China socialista dá passos na direção desse desenvolvimento de novo tipo, um desenvolvimento ecológico que se pretende superior ao do modo de produção capitalista.

Como bem registrou o marxista chinês Zhang Yongsheng em “A perspectiva ecológica da modernização chinesa”, no século XX o movimento comunista acreditava que a degradação ambiental seria uma consequência do capitalismo e bastaria a transição socialista para superá-la. No entanto, com o tempo o Partido Comunista Chinês teve a consciência de que o problema ambiental existia não apenas na sociedade capitalista, mas também na sociedade socialista. A transição socialista não resolveria tudo por si só. Seria necessário um desenvolvimento de novo tipo dentro da própria transição socialista. Assim surgiu a noção de Civilização Ecológica. Esse avanço na compreensão da China sobre a relação entre meio ambiente e desenvolvimento marcou um importante avanço em sua epistemologia ambiental. Agora, a China não encara mais a questão ambiental como um entrave ou um fardo para o desenvolvimento, mas sim como o seu objetivo estratégico final por meio da restauração ecológica. Para essa nova epistemologia, a coexistência harmoniosa entre humanos e natureza representa um novo conceito de modernização.

Para além da China, o bem viver ou Sumak Kawsay dos povos indígenas andinos da América do Sul, a filosofia ubuntu dos povos da África Subsaariana e tantas outras práxis nas margens nos sugerem que nosso modo de viver utilitarista não é o único possível. Nenhuma dessas experiências pode ser copiada ou transferida, já que cada formação social deve conceber seu próprio caminho, mas podem inspirar.

No caso brasileiro, um pequeno exemplo merece atenção. Pesquisadores indígenas de Roraima acabam de criar um “Plano de Adaptação Indígena” para o enfrentamento das mudanças climáticas. O Plano, que usa a percepção das comunidades e indicadores naturais, será apresentado na COP 30 para pesquisadores de todo o mundo. Sinal de que a ciência pode dialogar positivamente com os saberes tradicionais na busca por justiça ambiental.

O modelo de desenvolvimento que prevaleceu no Norte Global nos últimos séculos tem levado nosso planeta para a barbárie. Nós, que queremos mudar o mundo, precisamos nos desapegar da velha gramática desenvolvimentista do capitalismo decadente, descolonizar nossas mentes, apostar mais nas novas epistemologias subalternas do Sul Global que iluminam os caminhos para um futuro de prosperidade comum e trilhar nossa própria e original jornada. “Nem imitação nem cópia, mas uma criação heroica”, como nos ensinou Mariátegui.

*Theófilo Rodrigues é professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UCAM.