Bolsonaristas ameaçam barrar votação de projeto de combate à pedofilia na internet

A Câmara dos Deputados pode votar nesta semana o Projeto de Lei 2.628/2022, que estabelece regras para combater a adultização de crianças e adolescentes nas redes sociais. A proposta, relatada pelo deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), ganhou força após a prisão do influenciador Hytalo Santos e de seu marido, em Carapicuíba, na Grande São Paulo, sob acusação de exploração infantil.
O caso veio à tona após a denúncia do youtuber Felca, que publicou vídeo denunciando a exposição de menores de idade nos conteúdos de Hytalo Santos.
A prisão do influenciador provocou uma onda de indignação e levou ao acúmulo de dezenas de projetos sobre o tema no Congresso. Mas, diante da comoção, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), decidiu dar urgência ao PL 2.628/2022 — já aprovado no Senado em 2024 e considerado o texto mais “maduro” para responder à pressão social.
A versão mais recente do relatório de Jadyel Alencar, apresentada em 12 de agosto, traz medidas inéditas de responsabilização das plataformas digitais:
retirada de conteúdos considerados criminosos, mesmo sem ordem judicial;
regras específicas para prevenir e mitigar riscos a crianças e adolescentes;
produção de relatórios semestrais com dados de denúncias e providências;
criação de uma “autoridade nacional” de fiscalização e regulação, com poder de aplicar sanções como multas e até suspensão de atividades de empresas de tecnologia.
Segundo o relator, “o relatório está maduro, sem brechas para censura ou violação da liberdade de expressão. Tem sido elogiado por especialistas”.
Emanuella Halfeld, do Instituto Alana, organização dedicada à infância, afirma que o texto é um avanço: “Ele traz uma série de avanços para a proteção de crianças e adolescentes”.
O projeto, que deveria unir a Câmara em torno da proteção da infância, enfrenta resistência da bancada bolsonarista, que atua para impedir a responsabilização das plataformas digitais, as chamadas “Big Techs”, na divulgação de conteúdos criminosos e fake news. Deputados do PL e do Novo ameaçam obstruir os trabalhos caso não consigam modificar os pontos que tem interesse no relatório.
O argumento é o mesmo que a extrema direita vem repetindo sempre que a pauta envolve regulação digital: a acusação de censura. “Queremos tratar da sexualização de crianças, mas o projeto ainda é nebuloso. Do jeito que está, não tem nosso apoio”, declarou Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). Já Marcel Van Hattem (Novo-RS) reforçou: “Abre margem para censura de manifestações lícitas e para regulamentação sem limites claros”.
O ataque ao projeto tem dois alvos principais: a expressão “acesso provável” de menores, considerada ampla demais, e o poder da futura autoridade nacional, apontado como risco de decisões unilaterais do governo.
Para Alexandre Gonzales, coordenador do DiraCom, essa narrativa é desonesta: “A denúncia de censura é vazia. Eles não apontam em nenhum aspecto do texto onde é que isso vai se estabelecer”.
A estratégia é clara: inflar o medo da regulação da internet para esvaziar qualquer debate sobre proteção infantil. Antes mesmo da prisão de Hytalo Santos, o PL 2.628/2022 avançava discretamente no Congresso. Mas, quando o vídeo de Felca viralizou, o tema ganhou visibilidade — e a extrema direita correu para associar a pauta à sua narrativa preferida: a de que toda regulação é censura.
“Antes do caso Felca, o projeto estava andando abaixo do radar do alardeamento sobre censura do conjunto do campo da extrema direita no Congresso”, explicou Gonzales. Com a repercussão, o PL e o Novo decidiram travar a tramitação.
Fonte: Página 8