Como características e estratégias de uma Frente Ampla temos a união de partidos, movimentos sociais e setores da sociedade com ideologias distintas, com foco em agendas mínimas compartilhadas (ex.: democracia, combate à corrupção, desenvolvimento econômico), porém com dilemas claros a serem vencidos, como a perda de identidade ideológica, conflitos internos e pragmatismo vs. princípios. A partir de perspectivas teóricas e políticas, o fortalecimento da democracia mediante inclusão de múltiplas vozes e a estabilidade política em cenários polarizados se constituem como fatores relevantes. Ao contrário, a possibilidade de fragilidade programática, risco de incoerência e a dificuldade de sustentação a longo prazo, podem enfraquecer o processo político em curso.

1 – Origens internacionais

A Frente Ampla na Rússia após a revolução de outubro de 1917

Após a Revolução de Outubro de 1917, os bolcheviques, liderados por Lênin, enfrentaram uma intensa oposição interna e externa, culminando na Guerra Civil Russa (1918-1922). A vitória do Exército Vermelho sobre as forças contrarrevolucionárias (os Brancos) e seus aliados estrangeiros deveu-se, em grande parte, à formação de uma frente ampla que uniu diferentes setores da sociedade em torno do projeto revolucionário. Apesar de os bolcheviques serem a força dominante, Lênin reconheceu a necessidade de ampliar sua base de apoio com a união de forças diversas, para garantir o êxito da revolução. A vitória bolchevique na Guerra Civil não foi apenas militar, mas principalmente política. A capacidade de formar uma frente ampla, mesmo que temporária e contraditória, permitiu aos revolucionários mobilizarem recursos humanos e materiais, enquanto seus adversários permaneciam divididos. Esse processo se apresentou com três constituintes: a Aliança com os Socialistas Revolucionários de Esquerda (SREs); a centralização e disciplina no Exército Vermelho criado em 1918; as divisões e fragilidades dos Brancos.

Frente Ampla em Cuba após a Revolução Socialista de 1959

Foi um processo político marcado pela unificação de diversas forças revolucionárias e progressistas em torno do novo governo liderado por Fidel Castro. Essa frente ampla surgiu como uma necessidade estratégica para consolidar a revolução cubana. Após o triunfo da revolução em 1º de janeiro de 1959, Cuba passou por um período de transição no qual diferentes setores políticos, desde nacionalistas burgueses até socialistas e comunistas que se uniram em torno do Movimento 26 de Julho (M-26-7), liderado por Fidel Castro. Inicialmente, o governo revolucionário não se declarava marxista-leninista, mas sim anti-imperialista e favorável a reformas sociais profundas, como a Reforma Agrária (1959) e a nacionalização de empresas estrangeiras (1960). A Frente Ampla em Cuba foi formada a partir:  do Movimento 26 de Julho (M-26-7) como principal força revolucionária, liderada por Fidel Castro, Che Guevara e outros; o Partido Socialista Popular (PSP), partido comunista cubano, que inicialmente teve relações tensas com o M-26-7, mas depois se integrou ao processo revolucionário. Do Diretório Revolucionário 13 de Março, grupo estudantil que participou da luta contra o ditador Fulgêncio Batista; e setores nacionalistas e progressistas, intelectuais, sindicatos e camponeses que apoiavam as reformas. Essa aliança permitiu que o governo revolucionário resistisse às pressões dos EUA e avançasse na construção de um Estado socialista. Como forma de consolidação do socialismo e unificação partidária, em 1961 Fidel Castro declarou o caráter socialista da Revolução e em 1965, as diferentes organizações revolucionárias se fundiram no Partido Comunista de Cuba (PCC), tornando-se a única força política legal no país. A Frente Ampla, portanto, evoluiu para um sistema de partido único, sob a hegemonia do PCC, que mantém o poder até hoje.

2. Frente Ampla no Brasil: de Castelo Branco a Tancredo Neves (1964–1985)

Após o golpe militar de 1964, o Brasil entrou em um período de crescente autoritarismo com o regime impondo sucessivos atos institucionais (AIs), que restringiam liberdades políticas e cassavam mandatos. Nesse cenário, surgiu a Frente Ampla (1966–1968), uma tentativa de unir setores políticos antagônicos em oposição à ditadura. Essa Frente Ampla era liderada por atores políticos como: Carlos Lacerda (ex-governador da Guanabara, udenista e ex-apoiador do golpe), Juscelino Kubitschek (ex-presidente, PSD) e João Goulart (ex-presidente, PTB, então no exílio). a Frente Ampla buscava restabelecer a democracia e as eleições diretas e reverter os atos autoritários do regime e unir liberais, trabalhistas e desenvolvimentistas em um projeto comum. Apesar de seu caráter suprapartidário, a Frente Ampla enfrentou obstáculos e divergências internas, já que Lacerda (direita liberal) e Jango (esquerda trabalhista) tinham visões distintas sobre reformas sociais e econômicas. A repressão militar escalou a níveis brutais com o AI-5 (1968) que extinguiu qualquer possibilidade de oposição legal, levando ao fechamento da Frente. O exílio e morte de líderes: JK morreu em um acidente suspeito em 1976, Jango faleceu no exílio em 1976 e Lacerda falecido em 1977, todas essas mortes com suspeitas de atuação da Operação Condor financiada e apoiada pelos EUA na América Latina. Apesar do fracasso da Frente Ampla nos anos 1960 e 1970, seu espírito de união contra o autoritarismo ressurgiu na campanha pelas Diretas Já (1984) e na eleição de Tancredo Neves (1985) pelo Colégio Eleitoral. Tancredo Neves um político conciliador do PMDB (herdeiro do MDB de oposição), representou uma nova frente ampla, que uniu desde ex-arenistas (como José Sarney) até setores progressistas. Simbolizou a transição negociada, evitando uma ruptura traumática. Mas, sua morte antes da posse, deixou um legado ambíguo, porém a redemocratização prosseguiu sob o comando de Sarney, um aliado do antigo regime. Como legados e possíveis discussões, temos seu sucesso limitado, com a Frente Ampla dos anos 1960 que fracassou diante da repressão, mas inspirou futuras coalizões democráticas. Como contradições, a aliança entre liberais e trabalhistas mostrou-se frágil, revelando os desafios de unir projetos políticos distintos. A experiência da Frente Ampla, de Castelo Branco a Tancredo Neves, apresenta os dilemas da resistência à ditadura e da reconstrução democrática, mostrando que, no Brasil, frentes amplas são tanto uma necessidade quanto um desafio permanente.

3 – A Frente Ampla de Resistência a Bolsonaro e a Eleição de Lula em 2022

O governo de Jair Bolsonaro (2019–2022) foi marcado por ataques às instituições democráticas (críticas ao STF, TSE, imprensa e sistema eleitoral, gestão criminosa da pandemia, negação da ciência, atraso na vacinação, mais de 700 mil mortes) e radicalização política, com apoio a protestos antidemocráticos como os do 7 de setembro de 2021. Diante disso, setores diversos da sociedade começaram a se articular em uma frente ampla para derrotá-lo nas eleições de 2022. A Formação da Frente Ampla Anti-Bolsonaro, se dá inicialmente com a união de partidos e movimentos, a oposição a Bolsonaro uniu forças que iam da esquerda à centro-direita. Com essa conjuntura, Lula emergiu como o candidato capaz de agregar esse espectro amplo, apesar de sua figura polarizadora. Como parte de uma estratégia de conciliação, a adoção de um discurso moderado, com a aliança com Geraldo Alckmin (ex-PSDB) como vice e aproximação com o mercado. Slogans como “Amor contra o ódio” buscavam capitalizar o desgaste de Bolsonaro. Movimentos sociais (MTST, UNE, sindicatos) e culturais procuraram mobilizaram eleitores e trazer para o debate pessoas alheias e avessas a discussão política. A mídia através de “fact-checking”  desempenharam papel crucial no combate à desinformação. Tensões Ideológicas entre alguns setores progressistas (PSOL, movimentos negros e LGBTQIA+) que pressionaram por pautas identitárias, enquanto o centrão e o agronegócio exigiam moderação. Lula adotou um programa de governo menos radical sem mudanças estruturais para não se colocar em conflito com o mercado. Há um risco de fragilização programática, a frente priorizou “derrotar Bolsonaro” em vez de um novo projeto nacional de desenvolvimento, o que gerou críticas sobre a falta de rumo. A ameaça Bolsonarista persiste, mesmo após a vitória apertada de Lula (50,9% vs. 49,1%), o bolsonarismo manteve força no Congresso e nas ruas, culminando nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 com ataques às sedes dos Três Poderes.

4 – O Pós-Eleição de 2022: Governo Lula III e os Limites da Frente Ampla

A fragilidade da coalizão se expressa na ausência de maioria no Congresso, Lula depende de um centrão fisiológico (PP, União Brasil), o que enfraquece reformas progressistas e estruturais. Alguns importantes setores da frente, como o PSB, já mostram descontentamento. O bolsonarismo ainda se apresenta como oposição radical, Bolsonaro mantém influência, e sua base mesmo sendo reduzida até o momento de sua prisão preventiva (agosto de 2025) ainda sem mostra como uma base social. Mesmo se admitindo que foi uma vitória não expressiva numericamente, alguns desafios futuros são importantes destacar.  A frente ampla de 2022 conseguiu evitar um segundo mandato bolsonarista, era mais uma “frente de resistência” do que uma coalizão programática e desenvolvimentista. A governabilidade de Lula depende em boa medida de concessões a setores conservadores. O risco de retrocesso autoritário persiste, exigindo atenção e organização das amplas forças democráticas.

Perguntas norteadoras para o debate:

  1. A frente anti-Bolsonaro foi uma aliança eleitoral ou um movimento democrático mais amplo?
  2. O governo Lula III consegue manter essa coalizão sem trair suas bases progressistas?
  3. É possível comparar essa frente com as alianças que elegeram Getúlio (1950) ou FHC (1994)?
  4. A Frente Ampla é um movimento genuíno de oposição ou uma manobra de elites políticas marginalizadas pelo regime?
  5. Como podemos enquanto força organizada, responsável e consequente, apresentar caminhos para um debate que aponte para mudanças na sociedade?