Antes de Trump, Bolsonaro buscou outros apoios na extrema direita internacional
A revelação de que Jair Bolsonaro (PL) planejou um pedido de asilo político ao presidente da Argentina, Javier Milei, é a mais grave das acusações feitas nesta quarta-feira (20) pela Polícia Federal (PF) contra o ex-presidente brasileiro. O documento de 33 páginas que detalha o plano foi encontrado num dos telefones celulares apreendidos numa operação da própria PF.
“De início, devo dizer que sou, em meu país de origem, perseguido por motivos e por delitos essencialmente políticos. No âmbito de tal perseguição, recentemente, fui alvo de diversas medidas cautelares”, registrou Bolsonaro.
Escrito em primeira pessoa, o texto não é assinado nem contém data, mas apresenta a narrativa de Bolsonaro. Tanto a linguagem jurídica quanto a abundância de expressões formais sugerem tratar-se para um requerimento avançado, que atendesse aos pré-requisitos para o asilamento.
De acordo com a Polícia Federal, “seu teor revela que o réu, desde a deflagração da operação Tempus Veritatis, planejou atos para fugir do país, com o objetivo de impedir a aplicação de lei penal”. O governo argentino negou ter recebido qualquer solicitação do gênero. Porém, o destinatário explícito da carta era Javier Milei, que estava à frente da Casa Rosada havia apenas 50 dias, conforme este trecho divulgado à imprensa:
“Eu, Jair Messias Bolsonaro, solicito à Vossa Excelência asilo político na República da Argentina, em regime de urgência, por eu me encontrar na situação de perseguido político no Brasil, por temer por minha vida, vindo a sofrer novo atentado político, uma vez que não possuo hoje a proteção necessária que se deve dar a um ex-chefe de Estado, bem como por estar na iminência de ter minha prisão decretada, de forma injusta, ilegal, arbitrária e inconstitucional pelas próprias autoridades públicas que promovem a perseguição contra mim, diretamente da mais alta Corte do Poder Judiciário brasileiro, e por preencher todos os requisitos legais, conforme exaustivamente demonstrado ao longo desse requerimento.”
Segundo a PF, o longo documento foi criado por Fernanda Bolsonaro, nora do ex-presidente e esposa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Não se sabe se Fernanda é a autora do texto ou se o arquivo foi apenas salvo originalmente em um dispositivo da nora.
A PF diz não ter dúvidas do objetivo de Bolsonaro. Na visão do órgão, o documento “viabilizaria sua evasão do Brasil em direção à República Argentina, notadamente após a deflagração de investigação pela Polícia Federal com a identificação de materialidade e autoridade delitiva quanto aos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito por organização criminosa”.
Bolsonaro baixou o arquivo em seu próprio celular em 10 de fevereiro de 2024. Na ocasião, o bolsonarismo não contava com o apoio da Casa Branca, já que Joe Biden era o presidente dos Estados Unidos e mantinha sólidas relações institucionais e diplomáticas com o governo Lula.
Ainda sem Donald Trump para bancar seus ataques contra o Brasil, Bolsonaro buscou outros aliados na extrema direita internacional. Ele esteve presente na posse presidencial de Milei, numa cerimônia na capital Buenos Aires, em 10 de dezembro de 2023. O pedido de asilo ficaria pronto dois meses depois.
Enquanto cogitava essa possibilidade, com a minuta do documento adiantada, Bolsonaro fez sua controversa estada de dois dias – entre 12 e 14 de fevereiro de 2024 – na Embaixada da Hungria, em Brasília. A informação veio a público mais de um mês depois, em 25 de março, numa matéria exclusiva do jornal norte-americano The New York Times (NYT).
Como seus passaportes estavam confiscados em virtude de uma operação da PF, Bolsonaro tentou apoio do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán. Conforme o NYT, sobressaia a “aparente tentativa de pedir asilo político”. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), chegou a afirmar, à época, que a permanência de Bolsonaro na embaixada não configurava “desrespeito às medidas cautelares”, como a proibição de sair do Brasil.
Desta vez, porém, a situação se complicou para o ex-presidente. Moraes deu um prazo de 48 horas para a defesa de Bolsonaro prestar esclarecimentos sobre o pedido de asilo. A decisão do ministro menciona os “os reiterados descumprimentos das medidas cautelares impostas, a reiteração das condutas ilícitas e a existência de comprovado risco de fuga.”
Até o momento, não se sabe se outros chefes de Estado ultradireitistas, como a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, e o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, foram acionados pelo ex-presidente do Brasil. Mas está clara a estratégia bolsonarista de privilegiar líderes com afinidade ideológica para se socorrer. Por ora, os efeitos dessas manobras têm sido extremante desfavoráveis para Bolsonaro.