(Sobre política de organização e organização da política)

 Dedico esse pequeno texto a:

Sérgio Rubens, Lúcia Rocha,

Agamenon Sarinho e Simão Almeida.

Lenin fala, num livro escrito em de 1903 e um século depois ainda atual, o “Que fazer”, da distinção entre organização  revolucionária (cujo foco é a luta política) e a organização da luta de massas (cujo foco é a luta reivindicatória) acerca de um camarada com quem tinha um excelente nível de entendimento, mas que nunca mais conseguiu concordar em questões fundamentais do processo revolucionário quando percebeu que com ele sempre divergia quando se tratava de questões de organização do Partido, então em construção na Rússia czarista.

Chamo atenção, na citação, para: a) o que Lenin chama de “social democrata” é o nome que damos hoje aos comunistas; b) a citação é longa, porém muito didática:

Se, para um social democrata, no conceito de «luta económica contra os patrões e o governo» está englobado o de luta política, é de esperar que o conceito de «organização de revolucionários» está contido no de «organização de operários».

É o que acontecia. De modo que, quando falavámos de organização, tratavamos de coisas diferentes.

Lembro-me de uma conversa que tive um dia com um «economicista» bastante consequente, que eu ainda não conhecia.

A conversa girava em torno de um livro intitulado “Quem Fará a Revolução Política? ”.

Rapidamente coincidimos na opinião de que o defeito principal do livro era o de não tratar a questão da organização. Pensávamos estar de acordo, mas, ao continuar a conversa, vimos que falávamos de coisas diferentes.

O meu interlocutor acusava o autor da obra de não ter em conta as caixas de greve etc.; eu, pelo meu lado, pensava na organização de revolucionários para «fazer» a revolução.

E, a partir de quando esta divergência se revelou, não me recordo de ter estado de acordo com este «economicista» sobre qualquer questão de princípio! “

(LENIN, V. I. Ulianov. Que fazer: problemas candentes de nosso movimento. Lisboa: Avante. 2003, p.63-4, cap. 4, item C: A organização de operários e a organização de revolucionários.

O personagem que Lenin menciona era Alexandr Samoilovitch ou simplesmente Martinov, conhecido reformista e com quem Lenin teve o primeiro contato em 1901. Martínov, nas suas memórias, descreve esse encontro.

Voltando agora ao problema posto por Lenin: por que essa diferenciação leninista entre as formas de organização reivindicatórias do conjunto da sociedade, atividade das amplas massas e a organização do Partido para a luta pela emancipação completa do gênero humano (típica dos comunistas)?

Por que para dar direção a um processo revolucionário (qualquer que seja o caráter dessa revolução), não bastam desejo ou vontade. É preciso uma organização política, o Partido, que dirija não apenas a classe, mas também o conjunto da sociedade.

No Brasil, hoje, essa responsabilidade é nossa.

Falo isso para que superemos qualquer crença no espontâneo. Quando pensamos que as lutas, ao invés da força e da organização coletiva do Partido para dirigi-las, poderia andar “de qualquer jeito” e que a organização coletiva baseada no máximo de democracia, com o máximo de  disciplina e centralismo, (refiro-me ao Partido) pode ser secundarizada, estamos sem nenhuma base na realidade.

Se, na poesia, na música e na arte pode valer a apologia do espontaneismo, na dura luta real iso não só ajuda ao processo como, aliás, o trava.

Faço menção ao que – como poesia – é, artisticamente, belo, mas não pode guiar a ação. Diz o poeta: “timoneiro nunca fui / que eu não sou de velejar / o leme da minha vida / deus é quem faz governar” (Timoneiro. H. B. Carvalho; Paulo Cesar B. Faria, 1996).

Paulo Cesar Batista de Faria foi um comunista organizado e – é de se supor – que sabia distinguir o discurso da obra de arte do discurso ideológico, político e organizativo.

E, no caso, ainda assim cabe – a quem crer – ajudar as divindades para que elas possam nos ajudar, dado que não se pode agir esperando a crença no bem viver substitua a luta necessária para fazer a travessia no mar das tormentas do capitalismo em sua fase mais agressiva e imperialista.

Por isso, a crença de que um outro mundo é possível há que ser agregada a luta organizada para que tal mundo seja concretizado pois a práxis é – também – uma teoria da previsão como apontara Paulo de Tarso, o primeiro grande filósofo dessa tradição “em parte conhecemos e em parte prevemos”.

1 FEITOSA, Enoque. O discurso jurídico como justificação: uma análise marxista do direito. Recife: EDUFPE, 2009, p. 173, onde comento uma das epístolas paulinas.

Marx, Engels, Lenin e Gramsci, delineiam a práxis – prática refletida, consciente e também análise de conjuntura, previsão e como consciência de tendências, inclusive opostas entre si.Mas é possível também animar a luta e cumprir nossas tarefas movido pela forma racionalista e laica daquele a quem Marx admirava – Bento de Espinosa, para quem a divindade é compreendida como a natureza. Espinosa lutou e fez ciência movido por esses ideais e até – não se espantem – movido pelo mais elementar e básico sentimento humano, pois como disse o Che, as revoluções são movidas também por atos de amor2.

Portanto, organizar, organizar e organizar – e refiro-me ao organizar para a luta política – não é e nunca será nunca e nem apenas um problema burocrático, embora, no Brasil, se tornou também e concomitantemente problema dessa natureza, vez que – como assinala uma camarada – “as restrições das legislações tentam a todo momento enfraquecer organizações de viés popular, especialmente o seu Partido”.3

O ponto central para enfrentar isso deve ser buscado naquilo que Lenin chamava em “Um passo adiante, dois passos atrás” de “análise concreta de uma situação concreta” (Ver: LENIN – Colletcted Works, vol. 7 (Sept. 1903 – Dec. 1904). Moscow: Progress Publishers, 1977, p. 201ss, especialmente, 377, 409-411, 476) para superarem-se os obstáculos e forjarmos cada vez mais uma organização que corresponda aos seus próprios anseios e de nosso povo.

E isso é questão central, estratégica para a revolução, vez que não é problema para quem quer realizar a revolução tê-la sempre a vista. O problema grave é perder a revolução de vista. Como nos lembrava Cláudio Campos e como nos ensinou as duras lições da experiência histórica da luta pelo socialismo, especialmente a partir dos acontecimentos do fatídico 1989.

É esse o tamanho de nosso desafio. Ele segue atual desde o “Que Fazer”. Prosseguiu com o magistral capítulo sobre o Partido, em “Os Fundamentos do Leninismo”, de Stalin. E seguiu com Amazonas, Renato Rabelo, Cláudio Campos, Luciana Santos e Sérgio Rubens.

Ninguém nos impôs enfrentar tais desafios. Foi escolha nossa. Façamo-lo com o zelo e denodo que nosso povo, o momento presente e o Partido espera de nós. A nossa agremiação e os guerreiros e guerreiras do passado e do presente seguem atuais e necessários e é isso que esperam/esperariam de nós, vez que a não pode haver tática e estratégia correta que possam ser viabilizadas sem uma política correta e sem um Partido com unidade política e ideológica férreas e democraticamente centralizado, única maneira de se ser radical e amplo.

Enoque. O discurso jurídico como justificação. Recife: EDUFPE, 2008, p. 52 (Tese de Doutorado em Direito).

2 GUEVARA, Ernesto (Che). El socialismo y el hombre en Cuba. La Habana: Ocean Sur [1965], 2011, p. 20. Este artigo foi escrito em forma de carta dirigida a Carlos Quijano, editor do semanário “Marcha”, publicado em Montevidéu (Uruguai) em 12/03/1965.

33. Aqui, tomo emprestado esse argumento de uma fala da camarada Gregória Benário.

*Vice-Presidente PCdoB/PB. Professor Titular/UFPB, advogado licenciado em razão do regime de trabalho com dedicação exclusiva ao ensino e pesquisa. Doutor em Direito e em Filosofia, lecionando na Graduação em Direto e nos Mestrado e Doutorado em Direito e em Filosofia).