Uma importante – e auspiciosa – novidade trazida pelo projeto de Resoluções do 16º Congresso do PCdoB é o resgate da concepção de que a atuação partidária deve se desenvolver de forma articulada nas três frentes de acumulação de forças: a luta de massas, a frente institucional e a luta de ideias. Nenhuma delas deve se sobrepor às demais. Todas devem contribuir, de forma integrada e sinérgica, para o fortalecimento do Partido e de seu projeto político.

Trata-se de uma retomada relevante porque, embora essa formulação esteja presente há tempos na teoria partidária, sua aplicação prática foi, em boa medida, abandonada nos últimos anos. Prevaleceu uma compreensão de que a frente institucional – especialmente a participação nas eleições – deveria ocupar lugar prioritário. Essa distorção gerou prejuízos significativos, inclusive à própria frente institucional, pois o acúmulo eleitoral de uma legenda como o PCdoB está diretamente vinculado à sua capacidade de mobilização social e intervenção ideológica. Ou seja, o voto comunista nasce, em grande parte, da força política cultivada nas lutas de massas e na disputa de ideias. Quando nossa atuação é frágil nessas frentes, a votação tende a declinar – como de fato ocorreu.

Nos anos seguintes à conquista da legalidade em 1985, o Partido chegou a subestimar a importância das eleições, especialmente as majoritárias, sob o argumento de que não caberia aos comunistas “administrar o capitalismo”. Ainda que esse raciocínio partisse de uma crítica válida, revelou-se inadequado diante das condições concretas do país. Mais adiante, o próprio Partido fez autocrítica sobre esse atraso.

A verdade é que não são os comunistas que escolhem o terreno principal da luta – especialmente enquanto força minoritária. São as condições históricas que o determinam. Durante a ditadura civil- militar (1964-1985), por exemplo, o PCdoB optou pela luta armada e protagonizou a heroica Guerrilha do Araguaia, não por romantismo, mas por imposição daquele contexto. De modo semelhante, no tempo presente, as disputas institucionais e eleitorais se impõem como uma arena fundamental para a luta política. Não se trata de gostar ou não desse campo de luta – os comunistas não fazem juízo de valor sobre a história – mas de atuar nele sem perder o horizonte revolucionário.

É inegável que, hoje, a força política de uma organização é medida, em grande parte, por seu desempenho eleitoral. Isso não significa aderir ao eleitoralismo ou fetichizar as urnas, mas sim compreender que, nas condições atuais, a presença nas eleições e nos governos constitui uma trincheira legítima e necessária de combate. Eleger comunistas para os mais diversos cargos, participar de administrações comprometidas com um programa popular e democrático, são tarefas das quais o PCdoB não pode se furtar. É possível que, no futuro, as condições da luta mudem – mas hoje é nosso dever nos empenhar por bons resultados eleitorais.

O equívoco não está, portanto, em reconhecer a importância das eleições, mas na maneira como essa constatação foi aplicada. Em geral – ressalvadas as exceções – o “projeto eleitoral” passou a ocupar o

centro das preocupações das direções partidárias (às vezes de modo exclusivo), ofuscando outras dimensões da vida orgânica. A frente institucional acabou assumindo um peso desproporcional. Essa desarticulação prejudicou nossa influência entre o povo, afetou a capacidade de mobilização da militância e contribuiu para a perda de base social e de votos.

Restabelecer o equilíbrio entre as frentes não significa apenas distribuir melhor os esforços, mas integrá-los. As frentes são partes de um mesmo corpo e devem operar de forma articulada. A participação eleitoral deve ser vista como parte de uma estratégia mais ampla de transformação revolucionária, que também exige o enraizamento nas lutas populares e a difusão do pensamento socialista. Nenhuma frente deve estar “a serviço” de outra; todas devem dialogar entre si e contribuir, dialeticamente, para a realização do programa comunista.

Para isso, é fundamental investir na formação teórica da militância. Uma formação sólida e atualizada, que por sua vez deve estar entrelaçada diretamente com a política de quadros (que precisa ser atualizada e relançada). Na frente de massas, o Partido deve intensificar sua presença e iniciativa nos movimentos sociais, atuando junto à classe trabalhadora e ao povo nas diversas lutas. As direções partidárias, em todos os níveis, devem realizar reuniões específicas sobre o acompanhamento dos movimentos sociais. Nesse sentido, é muito bem-vindo o indicativo de convocação da 19 Conferência Nacional de Movimentos Populares, apontado pelo projeto de Resoluções.

Na frente de ideias, o desafio é tornar o pensamento socialista acessível e atraente, dialogando com as contradições do presente. Há iniciativas importantes em curso, como as promovidas pela Fundação Maurício Grabois e pela Escola Nacional João Amazonas, que devem ser fortalecidas, ampliadas e modernizadas.

Já na frente institucional e eleitoral, é preciso atenção redobrada com os vícios que rebaixam o caráter do Partido. As alianças devem ser construídas com base em compromissos programáticos claros e voltados para a promoção de avanços concretos para o povo. É preciso rejeitar o pragmatismo despolitizado e reafirmar a identidade ideológica comunista. Devemos buscar eleger o maior número possível de mandatos, e ocupar postos em governos comprometidos com as lutas populares. Mas não se trata de qualquer mandato, nem de qualquer espaço. Os mandatos devem estar vinculados ao Partido e ao povo; os cargos em governos devem servir ao campo democrático-popular e, caso as alianças deixem de representar os interesses avançados, o Partido deve ter coragem para rompê-las.

O 16º Congresso aponta um caminho correto e necessário. Se suas resoluções forem plenamente compreendidas e aplicadas pelo coletivo partidário, podem pavimentar uma nova etapa de acumulação de forças, com mais organicidade, base social ativa, militância engajada e capacidade política renovada. É hora de retomar a trilha do crescimento, fortalecer o PCdoB e impulsionar a luta pelo socialismo em nosso tempo.

*Economista. Membro do Comitê Central; Secretário de Movimentos Sociais do Comitê Estadual da Bahia.