Foto: PCdoB-RS

Tendo como foco a preparação de seu 16º Congresso, o PCdoB deu a largada, neste final de semana, à série de eventos regionais que vão discutir os principais temas a serem levados à etapa nacional, programada para o final do ano. O encontro do Sul ocorreu em Porto Alegre, nesta sexta (21) e sábado (22), e reuniu 350 militantes do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Lideranças e dirigentes nacionais — como a deputada federal Daiana Santos (RS), as secretárias de Organização, Nádia Campeão, e de Mulheres, Dani Costa, e os secretários de Juventude, Gustavo Petta, e de Relações Institucionais e Políticas Públicas, Márcio Cabreira —, marcaram presença, além de parlamentares, gestores e comunistas que atuam nas frentes sindical, de juventude, negros, mulheres, e LGBTQIA+.

Na abertura do evento, ocorrida na noite de sexta-feira, Nádia Campeão falou sobre aspectos centrais da conjuntura nacional e internacional que estarão em pauta nos debates do processo congressual.

A dirigente iniciou sua fala destacando o ineditismo e a importância do momento atual, marcado pela apresentação, por parte da Procuradoria Geral da República (PGR), de denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 33 pessoas — das quais 24 são militares, sendo quatro generais e um almirante — a partir de uma investigações bem embasadas. Com isso, essa poderá ser a primeira vez em que o Brasil pune golpistas. “Se o golpe se consumasse, o país estaria novamente mergulhado no autoritarismo e no obscurantismo”, salientou Nádia.

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Ao mesmo tempo, seguem as movimentações — ainda que enfraquecidas após a denúncia — da extrema-direita para tentar aprovar um projeto de anistia para os envolvidos no 8 de janeiro, bem como mudar a Lei da Ficha Limpa, iniciativas que visam especialmente livrar Bolsonaro de possível condenação em relação ao golpe, bem como reverter a sua inelegibilidade.

Por isso, a dirigente enfatizou a importância de a militância buscar alertar e mobilizar a população contra essas manobras e não deixar que esse tipo de iniciativa leve à impunidade. “É fundamental a mobilização do povo para garantir julgamento e condenação”, disse Nádia. “Vamos exigir até, o último dia que a justiça seja feita”, ponderou. Ela reforçou que a palavra de ordem “Sem Anistia” precisa ganhar novo significado, sobretudo em relação ao mandante e chefe da quadrilha e que essa também é uma luta para fortalecer a democracia brasileira.

Nádia ressaltou que, diante da gravidade e contundência dos fatos apresentados, resta aos bolsonaristas criar cortinas de fumaça e tentarem desqualificar as investigações.

Por isso, de maneira falaciosa, eles tentam comparar a situação de Bolsonaro à de Lula, que foi completamente diferente. Enquanto o atual processo seguiu os ritos necessários a uma investigação desse tipo, a Lava Jato foi marcada pela parcialidade, pelo direcionamento das apurações e pelo conluio entre juízes e promotores — o que ficou evidente quando vieram à tona as denúncias da “Vaza Jato” —, situação que resultou na anulação da sentença contra o presidente.

Da mesma forma, disse Nádia, o pedido de anistia atual nada tem a ver com a anistia ocorrida na transição entre a ditadura militar de 1964 e a democracia, que ela classificou como um processo legítimo, dadas as condições daquele momento, mas também inconcluso. “Hoje, o Brasil avançou e é possível punir os envolvidos”, declarou.

Neste sentido, Nádia destacou a importância da decisão tomada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, que provocou a Corte a rever os efeitos da lei de 1979 para crimes permanentes, como o desaparecimento forçado e a ocultação de cadáveres. “Até hoje nossos camaradas estão desaparecidos”, disse Nádia, salientando que “o PCdoB tem de encabeçar a luta contra a anistia a golpistas”.

Governo Lula

Dando continuidade à análise nacional, Nádia Campeão apontou que o Brasil busca, atualmente, reverter os retrocessos iniciados em 2013. “Hoje, temos duas batalhas centrais: além do fortalecimento da democracia, a luta pelo desenvolvimento nacional e social, para rompermos com as amarras do neoliberalismo, da financeirização, que querem lucrar em cima do corte de direitos do povo”.

Embora haja aspectos que precisam ser enfrentados e melhorados, Nádia ressaltou que nesses dois anos de governo Lula o país experimentou avanços importantes, como a volta da política de valorização do salário mínimo; o aumento da massa salarial; o crescimento do PIB; a queda no desemprego; a retomada e o lançamento de programas sociais como o Bolsa Família, o Farmácia Popular e o Pé de Meia; o retorno das obras do PAC; a volta do país ao cenário internacional; a política de retomada da indústria; as ações ambientais e a futura realização da COP 30, entre outros avanços.

“Não à toa, no final de 2024, veio a grande ofensiva do capital, dos agentes do mercado e outros setores, para tentar criar um cenário de caos”, argumentou, lembrando da alta do dólar, usada para chantagear o governo.

Da mesma forma, destacou a pressão feita para a elevação dos juros, mesmo com a inflação controlada. “Cada vez que a Selic sobe, o Brasil sangra para pagar juros da dívida que, no ano passado, foram de R$ 950 bilhões (8% do PIB), beneficiando justamente esses setores que jogam contra o país”, opinou. Esse conjunto de constrangimentos foi forçando o governo a apresentar o pacote de corte de gastos, em detrimento dos reais interesses do país.

Somam-se a isso erros do governo no âmbito da comunicação e na questão do Pix que, no mérito, era uma medida importante, mas que acabou virando elemento de ataque usado pela extrema-direita, juntamente com o aumento nos preços de parte dos alimentos.

Nádia também abordou as dificuldades enfrentadas no Congresso Nacional e o descolamento da maioria de seus parlamentares da realidade do povo, ocupando-se de pautas que não respondem aos anseios populares.

Para lidar com o quadro atual, a dirigente defendeu a necessidade de ampliar a interlocução entre governo e Congresso e construir maioria política, bem como conquistar maioria social. Isso demanda maior diálogo direto com a população, mostrando as melhorias ocorridas nos últimos anos e como o cenário atual é superior ao período Bolsonaro.

Como forma de estimular a mobilização popular para fortalecer o governo e isolar a extrema-direita, Nádia chamou atenção para as principais bandeiras deste momento: o fim da escala 6×1 e a redução da jornada de trabalho; a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil, juntamente com a taxação dos mais ricos. “Estas são lutas que interessam ao povo, aos trabalhadores e são mobilizadoras”, completou.

Contexto internacional

Do ponto de vista internacional, dentre os temas a serem enfrentados no 16º Congresso e trazidos por Nádia Campeão, está o significado do governo de Donald Trump e sua relação com o declínio do império estadunidense, bem como o papel de outros países, como China, nesse novo mundo multipolar.

“A volta de Trump à Casa Branca é um passo a mais na ascensão do fascismo”, alertou Nádia. Ela citou como sinalizações neste sentido as medidas tomadas contra imigrantes e a população LGBTQIA+, além das provocações e ataques à soberania de outros países, como nos episódios envolvendo o Canadá, a Groenlândia, o México e o Panamá.

Ela também pontuou a nova postura dos EUA de buscar acordo com a Rússia para acabar com a guerra, escanteando a Ucrânia a Europa, e acrescentou que Trump também vem abandonando e atacando organismos multilaterais e relações resultantes dos pactos fechados na Segunda Guerra.

Nádia salientou que o maior alvo das movimentações geopolíticas de Trump é a China. Ela lembrou que no 15º Congresso, o partido tratou do declínio relativo dos EUA e do fortalecimento da multipolaridade, com destaque para o país asiático. “Neste 16º Congresso, esses movimentos estão muito mais claros e estabelecidos. O declínio dos EUA e a ascensão da China é algo próprio do nosso século, estamos vendo a história sendo feita”, colocou.

A dirigente criticou analistas que tentam colocar a China no mesmo patamar de um país capitalista. Como diferença central, apontou: “A China socialista tem hegemonia do poder político do povo chinês, exercido pelo Partido Comunista”.

Nádia lembrou que o PCdoB não se guia mais por um modelo único de socialismo e reafirmou: “defendemos um socialismo com a cara do Brasil, mas temos de observar como a China chegou onde chegou”. E, rechaçando quem pregou o fim da alternativa socialista, sustentou: “o socialismo não acabou, muito pelo contrário”.

Para ela, se de um lado o cenário atual está eivado de crises impostas pela exacerbação neoliberal e o resultante crescimento da extrema direita — entre as quais estão as crises sociais e ambiental —, por outro as dificuldades decorrentes desse quadro criam novas possibilidades para a esquerda. “Temos terreno de crescimento e temos o que apresentar como alternativa”, disse.

Ao fazer uso da palavra, o secretário de Juventude, Gustavo Petta, reforçou pontos colocados por Nádia e salientou a premência de fortalecer o PCdoB diante dos atuais desafios. “Nosso partido é indispensável à construção do socialismo”, declarou, acrescentando, no entanto, que é preciso ampliar a relevância do partido. “Afinal, não queremos ser um grupo de estudos; queremos ser mais influentes, fortes, com protagonismo, mas sem rebaixar o nosso horizonte estratégico”.

Acompanhe no site do PCdoB a continuidade da cobertura do encontro da Região Sul.