Trump ameaça saída da Otan e projeta mudanças em política externa dos EUA
Trump já se reuniu com Zelensky e diz ter sido frutífera a conversa
Em sua primeira entrevista após ser eleito, Donald Trump delineou um programa político marcado por declarações contundentes e promessas radicais. A entrevista ao programa “Meet the Press”, da NBC News, evidenciou as prioridades do futuro governo, incluindo tensões com a Otan, mudanças em políticas de imigração e revisões na ajuda à Ucrânia.
“Pagar para ficar”: A relação com a Otan
Trump voltou a criticar os aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), insistindo que os Estados Unidos podem sair da aliança se outros países não aumentarem suas contribuições financeiras. “Se pagarem as suas contas e nos tratarem de forma justa, ficaremos”, declarou. Essa retórica reflete o ceticismo de longa data do ex-presidente sobre o papel dos EUA na Otan, com foco em um modelo de compartilhamento de custos mais equitativo.
Especialistas interpretam a postura como uma estratégia para pressionar países europeus, particularmente aqueles com menor investimento em defesa, enquanto aumentam as preocupações sobre o impacto geopolítico de uma possível retirada dos EUA do pacto militar.
Trump há anos critica a Otan por, em sua visão, sobrecarregar os EUA com custos desproporcionais enquanto países europeus e o Canadá não cumprem suas metas de gastos militares. A aliança exige que cada membro invista pelo menos 2% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em defesa, uma meta que muitos países não atingiam durante seu primeiro mandato.
No entanto, o panorama mudou desde então. A invasão da Ucrânia pela Rússia provocou um realinhamento estratégico na Europa. Sob a liderança de Joe Biden, a Otan ampliou seus esforços, com a entrada histórica da Finlândia e da Suécia no bloco e um aumento expressivo nos investimentos em defesa. Em 2023, onze países cumpriram a meta de 2%, e espera-se que 23 alcancem esse marco em 2024.
Implicações de uma possível saída
A possibilidade de um rompimento dos EUA com a Otan suscita preocupações profundas sobre a estabilidade da segurança transatlântica ou da hegemonia de EUA e Europa sobre o resto do mundo. A aliança tem sido essencial para sustentar agressões, particularmente no Oriente Médio e África, e desempenhou um papel crítico na resposta ao conflito na Ucrânia.
Ian Kelly, ex-diplomata do Departamento de Estado, alerta que a retirada dos EUA deixaria a Europa mais vulnerável à expansão russa e geraria instabilidade econômica e política. “Isso causaria caos”, afirmou, embora não haja interesse Russo em expansão territorial. Putin alega estar apenas se defendendo da expansão das bases da Otan sobre suas margens de fronteira.
Além disso, a Otan desempenha um papel fundamental para os próprios interesses de segurança dos EUA. A única vez que o Artigo 5, que estabelece a defesa coletiva, foi invocado foi após os ataques de 11 de setembro, demonstrando a interdependência entre a segurança americana e europeia.
Redução de apoio à Ucrânia
Trump indicou que a Ucrânia deve “provavelmente” esperar menos ajuda militar dos Estados Unidos sob sua gestão. Essa declaração sinaliza um afastamento da política do governo Biden, que priorizou o apoio à defesa ucraniana contra a invasão russa. A posição reforça uma estratégia de política externa mais isolacionista, focada em reduzir o envolvimento dos EUA em conflitos internacionais.
Apesar disso, Trump afirmou estar comprometido em buscar uma solução diplomática para a guerra, destacando que esforços nesse sentido serão uma prioridade durante seu mandato.
A estratégia de Trump: barganha ou ruptura?
Os defensores de Trump argumentam que suas ameaças à Otan nunca se concretizaram em ações formais e que se tratam de uma estratégia de barganha para forçar os aliados a aumentar seus investimentos em defesa. Durante seu mandato anterior, Trump conseguiu avanços nesse sentido, pressionando membros da aliança a contribuir com mais de US$ 430 bilhões adicionais.
No entanto, críticos destacam os riscos de que essa abordagem enfraqueça a coesão da Otan e amplifique as tensões entre os membros, especialmente em um momento de realinhamento estratégico causado pela guerra na Ucrânia.
Enquanto Trump mantém encontros com líderes globais, incluindo o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, e o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy, ele tenta consolidar sua visão de um papel mais restrito dos EUA no cenário internacional. Contudo, os próximos meses serão cruciais para definir se suas ameaças se concretizarão ou se servirão apenas como alavanca para fortalecer a posição americana dentro da aliança.
Para analistas, a postura de Trump reflete um dilema entre pragmatismo e idealismo: equilibrar interesses econômicos domésticos com as responsabilidades globais de uma superpotência. Sua administração enfrentará pressões significativas de aliados e opositores para decidir o futuro da presença americana na Otan e sua relação com a segurança transatlântica.
Mudanças drásticas em imigração e justiça criminal
No plano doméstico, o presidente eleito prometeu endurecer as políticas migratórias, incluindo a deportação em massa de imigrantes em situação irregular e a eliminação da cidadania por direito de nascimento, protegida pela 14ª Emenda da Constituição dos EUA. “Será difícil, custoso, mas necessário”, declarou Trump, enfatizando o combate à criminalidade como justificativa.
Além disso, o futuro presidente anunciou que, já no primeiro dia de mandato, concederá perdão aos envolvidos no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Ele criticou o tratamento dado aos manifestantes detidos, classificando-o como “excessivamente severo”.
Economia: tarifas, salário mínimo e aborto
Na economia, Trump reiterou sua intenção de aumentar tarifas de importação sobre produtos de parceiros comerciais, mas admitiu que tal medida pode impactar os consumidores americanos. “Não posso garantir que as famílias não pagarão mais”, afirmou.
Ele também prometeu avaliar um aumento no salário mínimo federal, condicionado a discussões com governadores estaduais, refletindo cautela sobre as implicações econômicas da medida.
Sobre o aborto, Trump adotou uma abordagem descentralizada, indicando que deixará a questão para os legisladores estaduais decidirem, incluindo a regulação de pílulas abortivas.
Reação e cenário político
As declarações de Trump dividem opiniões. Seus apoiadores veem as promessas como uma continuidade de sua plataforma “America First”, enquanto críticos alertam para os riscos de isolamento internacional e erosão de direitos civis.
A postura firme do presidente eleito, combinada com uma base de apoio fortalecida, sugere que seu próximo mandato pode trazer mudanças profundas, tanto nos Estados Unidos quanto no cenário global. Analistas preveem debates acalorados sobre imigração, segurança nacional e o papel dos EUA em uma ordem mundial cada vez mais polarizada.
(por Cezar Xavier)