Tarcísio Nascimento / Fotos Públicas

Novo relatório parcial divulgado nesta segunda-feira (2) pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostra que a situação da violência no campo segue grave. Apesar de ter havido redução nas ocorrências, bem como nos casos de trabalho escravo e de vítimas, houve um salto nos casos decorrentes da contaminação por agrotóxicos. 

De acordo com os dados, considerando o primeiro semestre deste ano, houve 1.056 ocorrências de conflitos, contra 1.127 em igual período de 2023. Os casos se dividem em 872 conflitos pela terra — a maioria contra a ocupação e a posse (824) —, frente às 48 ações de resistência, tais como ocupações, retomadas e acampamentos. Outros 125 conflitos foram devido à água e foram ainda registrados 59 casos de trabalho escravo. 

O documento assinala que “a conflitividade continua elevada, somada aos danos sofridos pelas comunidades rurais devido à crise climática e aos incêndios criminosos em seus territórios”. 

O relatório também aponta que as formas de violência como grilagem, invasão, omissão/conivência e pistolagem apresentaram reduções no primeiro semestre de 2024, assim como o número de expulsões concretizadas, que saiu de 15 para nove. 

Contudo, houve aumento das ocorrências de ameaça de expulsão, que passaram de 44, em 2023, para 77, em 2024. “No caso das ocorrências de pistolagem, mesmo com a redução significativa de 150 para 88, este é o segundo maior registro da última década, atrás apenas de 2023, quando ocorreu o número recorde dessa violência”, afirma o levantamento.

No que diz respeito à violência contra a pessoa, também houve queda em relação a 2023. De acordo com o relatório, 417 pessoas foram vítimas de violência em 216ocorrências no primeiro semestre deste ano, contra 306 ações violentas e 840 vítimas em 2023, mais que o dobro deste ano.

As principais violências são as ameaças de morte (114), intimidação (112) e criminalização (70). Os estados com mais registros no primeiro semestre de 2024 foram Pará, Maranhão e Bahia. Ao todo, houve seis assassinatos no primeiro semestre e 11 confirmados até o final de novembro. Destes, quase metade foram cometidos por fazendeiros. 

Os fazendeiros, aliás, estão isolados no topo da lista dos maiores causadores desse conjunto de conflitos pelo segundo ano consecutivo, com 339 casos, seguidos por empresários (137), governos federal (88) e estaduais (44) e grileiros (33).

Vale destacar, ainda, que no primeiro semestre de 2024 houve uma redução significativa no número de casos de trabalho escravo e pessoas resgatadas, após três anos consecutivos de crescimento. Nesse período, foram registrados 59 casos e 441 trabalhadores rurais foram retirados dessas condições, contra 98 e 1.395, respectivamente, em 2023.

Salto nos casos de contaminação 

Um dos dados que mais chama atenção no documento é a violência decorrente da contaminação por agrotóxicos, cujo salto foi de 19 ocorrências em 2023 para 182 em 2024. 

“A maior parte desses casos (156) ocorreu no estado do Maranhão, onde comunidades estão sofrendo severas consequências da pulverização aérea de veneno. Este tipo de violência, em específico, está inserido nos conflitos pela terra, pela água e na violência contra a pessoa”, explica o relatório.

Na avaliação de Valéria Santos, da coordenação nacional da CPT, esse crescimento se deve, sobretudo, ao aumento nas denúncias por parte dos atingidos. Ao Portal Vermelho, ela citou o exemplo das comunidades quilombolas de Cocalinho, em Santa Fé do Araguaia, Tocantins, e Guerreiro, no Cerrado maranhense. 

“Foram encontrados mais de cinco tipos de agrotóxico na água consumida por essas duas comunidades quilombolas, inclusive na água de cacimba, porque as comunidades, para fugir da água contaminada dos córregos, perfuram cacimbas. E mesmo nesses casos, foi encontrado até agrotóxico proibido na União Europeia”, declarou. 

Segundo ela, situações como essas, entre muitas outras envolvendo ataques com o uso de agrotóxicos, vem desencadeando “um processo maior de luta e de denúncia por parte das comunidades, principalmente porque também aumentaram os casos do que a gente chama de ataque químico, via pulverização aérea”. 

Ela salienta que essa situação, que coloca milhares de vidas em risco, tem relação direta com a disputa pela terra. “As lavouras vão se expandindo para cima das comunidades e quando fazem o uso do agrotóxico nas monoculturas, acabam atingindo as comunidades também porque não há um controle efetivo. E, além da pulverização via aeronaves, agora tem também a pulverização via drones. E eles têm  atingido as comunidades de forma proposital”.

Somente no Maranhão, diz, foram mais de 150 casos de denúncias dessa natureza de comunidades tradicionais. “Ou seja, não é que esses casos não existissem no passado, mas a denúncia e a organização das comunidades está dando maior visibilidade para esse processo de violência”. 

Valéria salienta que essas guerras químicas contra as comunidades, “são muito complexas de se combater porque envolvem o poder de mega empresas e setores do agronegócio muito poderosos e que financiam o parlamento brasileiro”. 

Para ela, uma forma de buscar o fim dessas práticas é conscientizar a população em geral, mostrando que o uso dos agrotóxicos não afeta somente quem está lá no campo, mas a sociedade como um todo”.

Além disso, defende ações, como as que já vêm sendo feitas pela CPT, de diálogo e pressão junto aos parlamentos e aos executivos das esferas federal, estadual e municipal para, entre outros pontos, aumentar a fiscalização e garantir a punição dos responsáveis.