Abu Mohamed Al Jolani, fichado como terrorista pela Síria, Rússia. ONU e até EUA | Foto: AFP

Nos últimos dias, em meio à marcha a Damasco da organização terrorista Hayat Tahir al Sham (HTS), a mídia ocidental se dedicou a apresentar seu capo, Abu Mohammed al-Jawlani (ou al Jolani, como é também grafado), como um fundamentalista islâmico radical que se modernizou, a ponto de agora ser, conforme a CNN, “um revolucionário de blazer”.

Ainda não está claro que apito exatamente al Jolani toca, mas o conto de fadas sobre a “transformação pessoal” do líder do HTS é paralelo à própria metamorfose da organização terrorista que ele encabeça – desde a Al Qaeda do Iraque (AQI), passando pela Frente Al Nusra, associada ao Estado Islâmico.

O cartaz que oferece US$ 10 milhões por sua cabeça é dessa fase da Al Qaeda/Al Nusra. A Frente Al Nusra e sua sucessora, HTS, foram consideradas organizações terroristas pelo Conselho de Segurança da ONU, condição que persiste.

Em resumo, o emir das decapitações e atentados agora virou “revolucionário de blazer”. Al Jolani é mais uma cria do laboratório de formação de terroristas anexo ao campo de concentração norte-americano Buca, no Iraque, que propiciou “talentos” como Abu Musab al-Zarqawi e Al Bagdadi, que cumpriram um papel todo especial em fornecer o sangue dos inocentes necessário à “Opção Salvador”, o desencadeamento de massacres interconfessionais para dividir a resistência iraquiana à invasão, no caso do primeiro. E, no caso do outro, para a ascensão do califado do Estado Islâmico.

Al Jolani esteve, ainda, na famosa reunião de 2013 do senador norte-americano John McCain com Al Bagdadi e outros “rebeldes moderados”. Aliás, foi Al Bagdadi que o enviou à Síria para criar ali a Al Qaeda, depois Frente Al Nusra, e finalmente Hayat Tahir al-Sham.

A “gestão” de Al Bagdadi na Al Qaeda/Estado Islâmico está mais próxima na lembrança das pessoas, por aquelas cenas de prisioneiros tendo a cabeça cortada, trajados de laranja; as notícias de escravização de mulheres da minoria yazidi; a imposição do niqab, o véu da cabeça aos pés; atentados sanguinolentos; o califado takfiri que se estendia de Mossul, no Iraque, a Raqah, na Síria.

Já Zarqawi, ou como os iraquianos o chamam, ‘Sheikh Al-Dabbah’ (sheik dos degoladores) é recordado pela coordenação de centenas de atentados no Iraque, visando principalmente civis xiitas reunidos em áreas densamente povoadas, como em mesquitas, mercados e até engarrafamentos, na época da invasão norte-americana do Iraque.

Como o de 2006 na favela de Sadr City, em que morreram mais de 200 inocentes. Ou os atentados da Ashura em 2004, que mataram ou feriram centenas de pessoas, à bomba, muitas delas tomando chá e café nos bares de rua de Bagdad.

E, o mais tenebroso de todos, o atentado à mesquita de al-Askari, em fevereiro de 2006, que desencadeou a guerra civil sectária, da qual a nação do Iraque ainda busca se recuperar.

CNN LAVA MAIS BRANCO

De acordo com a CNN, 2016 foi o início da “transformação gradual de Jolani do clássico jihadista antiocidental para um revolucionário mais palatável. Ele disse à PBS em 2021 que não tinha desejo de travar guerra contra nações ocidentais”.

Prossegue a CNN: “Nos anos que se seguiram, Jolani substituiu seu traje camuflado jihadista por um blazer e uma camisa de estilo ocidental, estabeleceu um governo semi-tecnocrático em Idlib, e se promoveu como um parceiro viável em esforços regionais e ocidentais para conter a influência do Irã no Oriente Médio.”

Como demonstração de sua aspiração a mudar, a CNN registra que Al Jolani “conduziu operações contra o Estado Islâmico, incluindo o assassinato em 2023 do líder do Estado Islâmico, Abu Hussein Al-Husseini al-Qurashi”. Bem verdade, quando al-Qurashi já era um morto que perambulava.

Após a queda de Damasco sem um tiro, o HTS pela primeira vez revelou o verdadeiro nome de seu califa: Ahmed Al Sharaa, filho de pais sírios das Colinas de Golã ocupadas por Israel, hoje com 42 anos.

A emissora que, na época da invasão do Iraque, fazia questão de se apresentar como “o Departamento de Estado no ar”, se esmera na descrição de Al Jolani: “de fala mansa e barba bem cuidada” e “envergando uniforme militar verde”.

“Ele exalou confiança e tentou apresentar uma visão de mundo moderada durante a entrevista, evitando referências à jihad e apresentando repetidamente sua luta como uma ‘revolução’ para libertar a Síria da opressão de Assad”, não se contém o jornalista. Embora admita que Al Jolani perseguiu e eliminou “rivais”, reprimiu protestos e “torturou e abusou de dissidentes” em Idlib.

DIA 1 EM DAMASCO

Na segunda-feira (9), a Síria viveu seu primeiro dia de novo regime, em meio a confrontos de milicianos ligados à Turquia contra curdos associados à ocupação norte-americana no leste do país. No Golã, as tropas de Netanyahu invadiram a zona tampão síria, sob responsabilidade das forças de paz da ONU, com o premiê genocida declarando revogado o acordo de 1974, sancionado pelo Conselho de Segurança da ONU, em nova afronta ao direito internacional. Israel também bombardeou, 150 vezes em 24 horas, instalações militares sírias.

Aliás Netanyahu já se encarregou de dizer que o território sírio recém-ocupado “é para a eternidade”, seus ministros disseram que o intuito israelense é destruir todo tipo de armamento pesado que “possa ser usado contra Israel”, desde helicópteros a bases de artilharia anti-aérea. A agência libanesa Al Mayadeein diz que há tanques israelenses estacionados a 24 quilômetros de Damasco.

O Conselho de Segurança da ONU se reuniu a portas fechadas para discutir a crise síria. O futuro da Síria é uma questão a ser determinada pelos sírios e a ONU “trabalhará com eles para esse objetivo”, disse o secretário-geral, Antonio Guterres.

Já a milícia terrorista que tomou o poder em Damasco anunciou a intenção de submeter todas as forças ditas “rebeldes” a um comando unificado e se comprometeu com a garantia às representações diplomáticas estrangeiras e às bases russas.

Em Moscou, foi anunciado que o governo russo concedeu asilo ao presidente deposto Bashar Al Assad e sua família por razões humanitárias, e que eles já estão em solo russo.

A Rússia e os países árabes pediram o respeito à soberania, unidade e integridade territorial da Síria, e uma negociação política entre todos os setores da sociedade síria, nos termos da resolução 2254 da ONU. 

Analistas advertem que o país corre o risco de ser transformado em um ou vários bantustões fundamentalistas ou de se fragmentar segundo linhas étnico-confessionais. Segundo o ex-embaixador britânico Craig Murray, o pluralismo e secularismo estão sob ameaça de destruição e sua substituição pelo supremacismo takfiri.

“Quando toda a mídia corporativa e estatal no Ocidente divulga uma narrativa unificada de que os sírios estão muito felizes por serem libertados pelo HTS da tirania do regime de Assad – e não diz nada sobre a tortura e execução de xiitas e a destruição de decorações e ícones de Natal – deveria ser óbvio para todos onde isso está indo”.

“Nunca fui fã do regime de Assad. Mas inegavelmente ele manteve um estado pluralista onde as mais incríveis tradições históricas, religiosas e comunitárias – incluindo sunitas (e muitos sunitas apoiam Assad), xiitas, alauitas, descendentes dos primeiros cristãos e falantes de aramaico, a língua de Jesus – foram todos capazes de coexistir”. O mesmo – acrescenta – vale para o Líbano.

De qualquer forma, a mídia norte-americana e seus satélites não tiveram como esconder as primeiras cenas da a prevalência da barbárie cevada pelos EUA, agora no poder em Damasco: Palácio Presidencial, residência da família Assad saqueados, embaixada do Irã em Damasco vandalizada e há rumores de que dois primos de Bashar foram assassinados.

Fonte: Papiro