“Veto dos EUA ao cessar-fogo é senha para Israel seguir no genocídio”, diz líder palestino na ONU
Majed Bamya, representando a Palestina no Conselho de Segurança da ONU, fez um contundente libelo contra o veto dos EUA, que impediu a aprovação de resolução pelo cessar-fogo imediato. Nós reproduzimos o pronunciamento do palestino logo após o veto norte-americano:
Senhora presidente
Não existe o direito de forçar o deslocamento de pessoas e não existe o direito de anexação. Isso é o que Israel está fazendo em Gaza. Estes são seus objetivos nesta guerra. Isto é o que a ausência de um cessar-fogo está permitindo que continue fazendo.
Este escancarado assalto israelense contra o povo palestino e à terra palestina é sobre tudo menos os reféns, como as próprias famílias dos reféns podem ver.
Como pode alguém nesta sala afirmar o contrário?
Um cessar-fogo vai permitir a salvação de vidas. Vidas de todos.
Isso era verdade um ano atrás e é, ainda mais, verdade hoje.
Um cessar-fogo não resolve tudo, mas é o primeiro passo em direção a resolver qualquer coisa. E qual é a resposta daqueles que ainda persistem não querendo, depois de todo esse morticínio e destruição, não chamar a um cessar-fogo incondicional? É para aceitar que a matança deve continuar até que nós resolvamos tudo, enquanto assistimos a ela, nada ser resolvido?
Ouvimos, uma vez após outra, declarações neste conselho, por todas as formas sem distinção, sobre a proteção de civis, contra o deslocamento forçado de pessoas, sobre a rejeição ao esfomear da população palestina, sobre a rejeição à anexação, sobre a rejeição à destruição deliberada, à escalada na região, todos em torno desta mesa concordaram com estes objetivos, e ainda assim aqui estamos: 44 mil palestinos mortos – e estes são os que foram contabilizados – muitos mais não foram computados e um dia vamos alcançar os corpos em valas comuns, ou sob os escombros e vamos descobrir os números reais deste horror. E haverá muitos que nunca serão recuperados.
A fome que se espraia por todo canto e que é uma dura realidade – em especial no norte de Gaza – dois milhões de pessoas deslocadas e ainda perseguidas, mesmo quando estão abrigadas sob tendas, destruição total de Gaza e de todos os requisitos para a vida nela.
E agora a guerra ao Líbano e seu povo e soberania.
Qual é o sentido que há em proclamar tudo o que nós rejeitamos e depois blindar Israel das consequências de seus atos, portanto, permitindo que eles façam exatamente aquilo que estamos exigindo que pare de fazer.
Senhora presidente
O mundo não deveria se acostumar à morte de palestinos
O que significa proclamar que todo este deslocamento deve parar?
Que a visão de todas estas crianças palestinas passando fome, de mães palestinas carregando seus filhos de um lugar para outro, forçadas ao deslocamento pare?
O mundo não deveria se acostumar a ver jornalistas mortos e agentes humanitários mortos. A ver palestinos serem sequestrados e levados em caminhões para serem torturados abusados sexualmente e violentados. O fato de serem palestinos não torna isso menos chocante, menos ultrajante.
Talvez, para alguns entre nós, temos a nacionalidade errada, a fé errada, a cor da pele errada. Mas nós somos humanos e devemos ser tratados como tais.
Será que existe uma carta da ONU para Israel, que é diferente da carta que todos vocês têm?
Uma lei internacional para todos e uma para Israel? Digam-nos!
Será que eles têm o direito de matar e a nós cabe o único direito de morrer?
Que diabos precisa Israel mais fazer para que este Conselho aja, o que mais podem fazer para que esse Conselho aja sob o capítulo 7 [que estabelece medidas do Conselho da ONU, tratando ações relativas a rupturas da paz, ameaças à paz e atos de agressão] ?
Ou este Conselho será o último lugar no Planeta que não possa reconhecer uma ameaça à Paz quando este ano ela se mostrou de forma tão gritante, tão inegável?
Somos testemunha de uma tentativa de aniquilar uma nação e isto não é sequer escondido, é feito à luz do dia e ainda assim, os instrumentos formatados para responder a estas situações não são utilizados.
Então qual será?
As nossas vidas palestinas não valem para serem salvas?
Ou será que Israel tem uma licença para matar?
Será que este Conselho pode apenas adotar resoluções e depois testemunhar sua flagrante violação?
A auto-inflicta anulação de poder deste Conselho tem que parar. E, como a Argélia, nós repetimos que as resoluções deste Conselho precisam ser vinculantes; seu papel é ser aplicadas. Seu papel é mudar a realidade, não o de ser mero registro de violações por históricos propósitos e para ter sua violação continuada.
Se os esforços diplomáticos tivessem sucesso não estaríamos aqui. Nós reconhecemos todos os esforços que foram realizados. E ainda assim temos que reconhecer: crianças ainda estão passando fome em Gaza. Famílias estão sendo mortas, comunidades estão sendo obliteradas.
Se estes esforços diplomáticos tivessem sucesso não estaríamos aqui. Mas o que não podemos aceitar é que Israel se beneficie de um veto que bloqueia toda tentativa de pôr um fim a esta guerra, especialmente quando sabemos o verdadeiro propósito.
Senhora Presidente
Muitas pessoas, muitos governos no mundo inteiro estão dizendo coisas certas. E queremos aqui expressar nossa gratidão ao E10 [membros do Conselho de Segurança da OU] por seus incansáveis esforços por mais de um ano agora e nos recentes meses. Todos tínhamos a esperança de que a resolução 2735 levaria a um cessar-fogo e nós podemos discutir quem é o responsável por este cessar-fogo não ter entrado em operação.
Para nós é bastante claro de que Israel nunca teve a intenção de aceitar as resoluções.
O que se disse aqui, repetidamente, é que a liberação dos reféns deve ser incondicional. E parar de matar palestinos deve ser condicionado?
São condições aceitáveis para parar o assassinato em massa de palestinos?
Há 100 israelenses reféns e são dois milhões de palestinos vivendo em Gaza. Dois milhões de palestinos que merecem algo melhor, merecem respeito por suas vidas, por seu sofrimento.
Israel vai sempre argumentar que as condições não foram encontradas porque o plano deles exige continuar esta guerra para anexar a terra e destruir o povo. E, portanto, nós não podemos mais aceitar estas condições.
São 14 meses e nós ainda debatemos se um genocídio deve ser detido. Não há justificativa, não, seja qual for, para vetar uma resolução tentando parar atrocidades.
Não há justificativa para isso.
Senhora presidente
Algum dia, alguns vão desenterrar estes encontros, seus registros e verá a nós pedindo pelas vidas de nosso povo e uma e outra vez e de novo e de novo e verá que nossos chamados não levaram a uma resolução. Eles vão olhar para as pessoas em torno dessa mesa e que falaram e vieram de todo o mundo para pedir a este Conselho que passe a agir. Eles vão ler o que todos aqui disseram e vão se perguntar como um genocídio se desenrolou nas TVs e foi visto pelo mundo inteiro e pôde continuar por tanto tempo.
É porque nos é permitido reclamar, lamentar, mas não podemos agir.
É porque podemos falar das regras, mas não as implementar.
Muitos Estados estão tomando medidas para mudar esta realidade.
Não existe o direito aos assassinatos em massa de civis. Não existe o direito de esfomear toda uma população civil. Não existe o direito de deslocar um povo.
E não existe o direito de anexação. E é isto que Israel está fazendo em Gaza. Estes são seus objetivos de guerra.
Isso é o que a ausência de um cessar-fogo lhe permite continuar fazendo.
Este escancarado genocídio contra o povo palestino e a terra palestina é sobre tudo menos os reféns.
Agradecemos a Guiana pelos esforços de coordenação deste grupo E10. Agradecemos a todos os que votaram em favor desta resolução.
E nós concordamos com Malta e Argélia, este é simplesmente o mínimo que a moralidade, a legalidade, a humanidade demandaria. E mesmo este mínimo foi vetado.
Eu, de verdade, não entendo. Vocês dizem que não devemos nos posicionar por um cessar-fogo incondicional. O que isso significa é estar a favor de premiar os agressores.
Vocês dizem que não devemos defender um cessar-fogo que não inclua a liberação idos reféns.
Esta guerra é para libertar os reféns? Eles estão, ao menos, tentando liberar os reféns?
Então o que isso significa? Que aceitamos uma guerra que está matando reféns e que está matando, mutilando, aterrorizando, destruindo uma nação inteira.
O que vai bastar? Qual é o ponto em que nós diremos não?
Nós queremos deixar claro. É preciso um cessar-fogo já.
Nós não vamos permitir que vocês deixam de ouvir, que nos ignorem, que nos insultem, que joguem conosco.
Esta resolução está tentando restabelecer a vida, salvar vidas. Não se trata de uma mensagem perigosa.
O veto é uma mensagem perigosa a Israel de que pode continuar executando seus planos. Os mesmos planos aos quais vocês dizem se opor.
E as mensagens que nós enviamos importam. E este é o pior momento possível.
Israel é responsável pelos civis palestinos que matam. Não pode ser absolvido dessa responsabilidade. Está matando estes civis propositalmente, deliberadamente, repetidamente, massivamente.
Os está esfomeando de propósito, ninguém pode negar. Sentamos nesta sala, ouvimos todos os testemunhos, todas as agências da ONU, todas as organizações, os palestinos, israelenses, personalidades internacionais, todos dizendo as mesmas coisas.
Isto é planificado.
Conclamamos a todas as pessoas a se erguerem pela vida, pela liberdade, pela paz. Não há mais tempo.
O que significa que a liberação dos reféns deve ser incondicional. É isto que esse conselho tem dito há já um ano. A liberação dos reféns deveria ser incondicional. Nós repetimos, nós somos contra o dano a civis, quaisquer civis. E nós temos nossa parte no luto.
Nós poderíamos sentar aqui e tentar justificar danos de civis. Nunca o fizemos. Nem um dia. E ainda estamos sentados aqui, depois dezenas de milhares de nossas pessoas terem sido mortas, muitos aqui foram presos, todos foram traumatizados, todos foram deslocados.
Temos muitas razões para dizer e nos posicionar de outra forma, ainda assim nós nos mantemos firmes. Não há razão para danificar civis.
Independentemente de sua nacionalidade, sua origem, independente das circunstâncias.
Mas, e os nossos civis? O que será dos nossos civis? Eles merecem proteção. Suas vidas deveriam ser salvas! As pessoas não podem sentar e exigir pacifismo de palestinos sob quaisquer e todas as circunstâncias e permitir o militarismo israelense.
Isso não pode ser feito. Ou vocês acreditam que a violência cria impasses, acreditam que não há solução militar e depois agem para as soluções pacíficas e rejeitam as militares, ou deixam que siga o militarismo.
Nós defendemos um caminho pacífico. Mesmo depois de tudo o que aconteceu, somos por um caminho pacífico. Nos ajudem a fechar o caminho militarista, não bloqueiem o nosso caminho. Parem-nos. Ajudem-nos. Vocês estariam ajudando palestinos e israelenses em nossa região e no mundo.
Então, Senhora presidente, há um mundo lá fora onde as crianças palestinas possam crescer. Nós não nascemos para sermos ocupados, mortos e deslocados.
Não é este o nosso destino, nossa sina. Existe um mundo onde deveríamos poder viver, criar nossos filhos e vê-los crescer sem ocupação, sem bombas, sem tendas, sem colonização alheia, sem postos de controle militares, sem prisões, sem humilhação constante, sem casas demolidas, sem opressão, sem amputação, sem dor, sem agonia.
Esse mundo poderia existir hoje se nós nos puséssemos a agir.
E o fato de não o fazermos significa que muitos, muitos mais palestinos vão sofrer e outros vão sofrer.
Estamos tentando chegar lá. Estamos tentando um caminho nos leve à liberdade, à vida, à paz. Este deveria ser o nosso objetivo.
Que exista um mundo onde não haja guerra no Oriente Médio, onde civis palestinos e israelenses procurem viver suas vidas, onde talvez eles possam olhar com confiança no futuro e até visualizem mais pontes entre eles. Onde nossa região deslanche seu verdadeiro e pleno potencial, em benefício de todos os Estados e todos os povos.
É este futuro que está sendo destruído diante dos nossos próprios olhos. E uma inteira população civil palestina é a principal vítima.
Senhora presidente,
Conclamamos a Assembleia Geral a assumir as responsabilidades que este Conselho falhou em assumir devido ao veto dos Estados Unidos.
Conclamamos todos os Estados a utilizarem todos os instrumentos em suas mãos para sustar os massacres.
O que esta resolução chama é por um fim incondicional aos massacres e isso sempre vale a pena apoiar.
Fonte: Papiro