Lula cumprimenta Lavrov durante a Cúpula do G20 | Foto: AFP

“O Ocidente vê na Carta apenas o princípio da integridade territorial. Ele quer e sonha em devolver à Ucrânia todos os territórios até as fronteiras de 1991 – terras onde o povo russo viveu durante séculos e cujos direitos o regime nazista de Zelensky exterminou legislativamente”, afirmou Lavrov em sua participação no G20.

Os direitos dos russos e dos falantes de russo na Ucrânia no que diz respeito à língua e à religião foram exterminados por lei”, ele sublinhou.

Referindo-se à declaração final aprovada no encontro do G20 no Rio de Janeiro, Lavrov destacou que “há um parágrafo sobre a Ucrânia, com o qual concordamos, porque a ideia principal nele contida é um apelo a uma conversa honesta e razoável sobre a paz em bases realistas. A seção da Declaração exige lidar com os conflitos numa base justa e procurar uma solução pacífica baseada no direito internacional – a Carta das Nações Unidas na sua totalidade. Isto é fundamentalmente importante”, destacou Lavrov.

“Se projetarmos isto na situação ucraniana, então o que vemos é que o Ocidente não quer prestar atenção a isto, embora outra parte da Carta (o primeiro artigo) afirme claramente a necessidade de respeitar os direitos humanos, independentemente da raça, gênero, língua e religião. 

Com base nestas observações, Lavrov destacou que “fracassou a tentativa de Washington e Bruxelas de ‘ucranizar’ a agenda do G20. Nenhum dos países da Maioria Mundial o apoiou. Tanto nós como os nossos colegas do mundo em desenvolvimento insistimos que o texto fosse dedicado à necessidade de resolver todos e cada um dos conflitos que atualmente persistem no mundo, especialmente o conflito no Médio Oriente.”

 “O trágico destino dos palestinos” – disse ainda Lavrov – “é em grande parte o resultado da engenharia social e das intervenções diretas no Médio Oriente praticadas por Washington e aliados”.

“Os países do Sul Global recusaram-se categoricamente a minimizar o fato de que o G20 deveria, em primeiro lugar, prestar atenção à tragédia da Faixa de Gaza. O documento afirma claramente uma rejeição categórica às vítimas civis e aos ataques às infra-estruturas civis”, prosseguiu.

“O número de vítimas civis palestinas (crianças, idosos, mulheres) durante um ano de operação de Israel na Palestina é superior a 40 mil pessoas. Isto é quase o dobro do número de vítimas civis em ambos os lados do conflito na Ucrânia nos 10 anos após o golpe. Isto por si só mostra o que está a acontecer na Palestina e como combatê-lo”.

“O parágrafo geral afirma que é inaceitável causar danos às infra-estruturas civis, quando na Faixa de Gaza, dezenas de hospitais e dezenas de edifícios residenciais são destruídos todos os dias, enquanto o Ocidente freia a reprovação no Conselho de Segurança da ONU”, acrescentou.

A menção à infra-estrutura civil também é interessante, segundo Lavrov, no sentido de que também inclui o Nord Stream. “O que nos ajuda no trabalho prático de buscar uma investigação transparente, por parte da Alemanha, para que a comunidade internacional possa analisá-la”.

Lavrov também denunciou como as sanções unilaterais e ilegais dos EUA e seus satélites contra a Rússia têm repercussões daninhas para a segurança alimentar, dada o peso do país na produção de grãos e de fertilizantes.

“As companhias de seguros elevaram as taxas às alturas. A Lloyd declarou todo o território e todos os portos da Federação Russa uma zona de guerra. Eles simplesmente pegaram e escreveram oficialmente para todos que cooperam com eles. E isso automaticamente duplica, triplica, quadruplica as taxas de seguro.”

“Nossos fertilizantes foram apreendidos. Por outras palavras, bloquearam-nos as formas normais, eficazes e ótimas de exportar os nossos produtos, de que o Sul Global necessita.”

Comentando os vazamentos na mídia dos EUA sobre a suposta autorização da Casa Branca concedida a Kiev para atacar as profundezas do território russo com mísseis de longo alcance de fabricação norte-americana e sua utilização contra a região russa de Bryansk, Lavrov disse que “é um sinal de que os EUA procuram uma escalada”.

“O fato de os mísseis Atacms terem sido usados repetidamente esta noite [18-19 de novembro] na região russa de Bryansk é, obviamente, um sinal de que [os EUA] querem uma escalada. É impossível usar esses mísseis de alta tecnologia sem os americanos, [russo]. O presidente Vladimir Putin já disse isso muitas vezes”, explicou.

Lavrov alertou que Moscou responderá adequadamente à decisão dos EUA de permitir que Kiev lance ataques dentro da Rússia.

“Se mísseis de longo alcance forem usados da Ucrânia em território russo, isso significará que serão operados por especialistas militares americanos, e perceberemos isso como uma fase qualitativamente nova da guerra ocidental contra a Rússia, e reagiremos adequadamente.” ele disse.

O chefe da diplomacia russa também abordou a recente atualização da doutrina de guerra nuclear, discutida e sancionada após os insistentes rumores desde dezembro de que o regime de Kiev iria ser autorizado a usar mísseis da Otan – e que só podem ser operados por pessoal especializado da Otan – contra ataques dentro do território internacionalmente reconhecido da Rússia.

Ao mesmo tempo, Lavrov reiterou que Moscou defende a prevenção de uma guerra nuclear, que é a sua posição tradicional desde a época da União Soviética.

“Falamos abertamente para evitar que ocorra uma guerra nuclear. Já nos tempos da União Soviética (…) [Mikhail] Gorbachev e [Ronald] Reagan declararam juntos que numa guerra nuclear ninguém ganha e que nunca deveria ser liberada”, declarou.

Neste contexto, Lavrov qualificou de “irresponsável” a posição do chanceler alemão, Olaf Scholz, ao recusar fornecer mísseis Taurus a Kiev.

Da mesma forma, o ministro russo espera que o Ocidente examine de perto a doutrina nuclear atualizada da Rússia. “Hoje [19 de novembro] foram publicados oficialmente os fundamentos da doutrina nuclear. Lá tudo o que o presidente [Putin] anunciou publicamente há pouco mais de um mês foi confirmado e consagrado em lei e espero que lá [no Ocidente] leia a doutrina em sua totalidade”, disse Lavrov no final da Cúpula do G20.

O ministro do Exterior da Rússia também saudou os “resultados positivos” e os acordos “significativos” alcançados na cúpula do G20 do Rio de Janeiro, apontando que o documento final tem um caráter abrangente e “o principal é que reconhece as realidades modernas e se orienta (…) pela tarefa central de construir relações internacionais baseadas no multilateralismo, no pluralismo e na eliminação de todas as formas de desigualdade, tanto entre Estados como dentro dos Estados.”

Sobre a importância da cúpula no momento atual, Lavrov disse que ficou confirmada “a nossa posição de princípio de que o G20 é, antes de mais, um fórum econômico. Foi para isso que foi criado”.

O seu objetivo – acrescentou – era um diálogo econômico substantivo entre economias ‘desenvolvidas’ e ‘em desenvolvimento’, a fim de encontrar formas ótimas de desenvolver a economia mundial no interesse de todos – superando a pobreza, a desigualdade, assegurando o funcionamento mais eficiente de todas as instituições multilaterais.

“O G20 deve basear-se nos princípios da Carta das Nações Unidas. E acima de tudo, no princípio da igualdade soberana do Estado”, enfatizou o chanceler russo. “Isso nunca aconteceu na política ocidental. [O Ocidente] nunca respeitou a igualdade soberana. Agora a vida isso torna isso necessário, dado que os países BRICS e outros estados que cooperam com a associação estão crescendo a um ritmo muito mais rápido.”

“Estas formas de desigualdade na arena internacional são o resultado das práticas coloniais e neocoloniais dos nossos ‘colegas’ ocidentais e, em geral, do domínio do Ocidente, que durou vários séculos”, sublinhou Lavrov.

A Carta das Nações Unidas – ele destacou – “é a base de toda a cooperação internacional em todos os domínios. É necessário aplicar os seus princípios, não escolhendo a partir de um “menu”, como o Ocidente gosta de fazer, mas na sua totalidade e interligação.”

Muitos notaram (incluindo nós) – acrescentou – que a desigualdade e os desafios de eliminar a fome e a pobreza estão cada vez mais relacionados com os países desenvolvidos, “onde o número de pessoas que vivem abaixo do limiar da pobreza está aumentando”.

Voltando-se aos problemas globais, disse que “a questão principal (além da luta contra a fome, a pobreza e a desigualdade) é a reforma das instituições globais”.

“A maioria das delegações do Sul Global notou o domínio dos intervenientes ocidentais nestas estruturas, que não podem reivindicar a sua exclusividade, em primeiro lugar, por razões morais e, em segundo lugar, por razões das realidades modernas.”

“O mundo está mudando dramaticamente. Nas últimas décadas, adquiriu uma nova cara. Os BRICS representam 37% da economia mundial, enquanto o G7 caiu para menos de 30%. Esta lacuna continua a crescer. Porque a taxa de crescimento dos países BRICS é atualmente em média de 4%, e a taxa média de crescimento dos países do G7 é metade disso”.

Lavrov se referiu à histórica cúpula dos BRICS de outubro, em Kazan, na Rússia, e que foi mencionada na maioria dos discursos de países do Sul Global. “De acordo com as avaliações aqui feitas, [Kazan] demonstrou que a unificação amadureceu para a formação de um conjunto de ferramentas independente que não dependeria do Ocidente. Refere-se a pagamentos, liquidação, compensação, investimento, câmbio e outros mecanismos. Este trabalho começou. Foi mencionado hoje.”

Lavrov afirmou que “ninguém quer fechar os “instrumentos” que operam na ordem mundial do pós-guerra – as instituições de Bretton Woods, a Organização Mundial do Comércio”. Mas, dados os grandes problemas associados ao fato de o Ocidente, que os controla, abusar das suas posições, ele sublinhou, “a criação paralela das ferramentas de que falei faz todo o sentido”.

Os países BRICS no G20 estão aumentando o seu papel e influência. Isto ficou visível tanto na cimeira de Deli em 2023 como na Indonésia em 2022. “Aqui ficou especialmente claro. O fortalecimento da posição do BRICS foi facilitado pelo fato de, na sequência da decisão da cimeira do ano passado, a União Africana ter aderido ao G20 como membro de pleno direito”.

Desta vez, registrou o chefe da diplomacia russa, a presidência brasileira convidou, entre outros participantes da cúpula, o presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, criado por iniciativa dos BRICS, e a liderança da Liga dos Estados Árabes.

“A Declaração confirmou que é necessário levantar e reforçar a voz dos países da Maioria Mundial em todos os principais órgãos políticos e econômicos – desde o Conselho de Segurança da ONU ao Fundo Monetário Internacional, ao Banco Mundial, e reavivar de pleno direito as atividades da Organização Mundial do Comércio, onde o órgão de solução de controvérsias (principal órgão da OMC) está bloqueado e não pode exercer suas funções porque os norte-americanos o fizeram refém através de artimanhas processuais.”

Há mais de um ano que os países do Sul Global, com o apoio da Federação Russa, procuram aumentar a sua participação na distribuição de quotas e votos para que reflitam o seu peso real na economia mundial, disse Lavrov. “Mais uma vez anotamos este slogan na declaração do G20. Todas as nossas tentativas anteriores de aceitar apelos relevantes terminaram em vão, porque o Ocidente, tendo subscrito esta justa tese, em termos práticos está fazendo tudo para garantir que permaneça apenas no papel.”

Entre os avanços da cúpula, Lavrov registrou a Aliança Global de Combate à Fome e à Pobreza, observando se tratar de uma iniciativa pessoal do presidente Lula, com objetivo de acelerar o progresso no sentido da erradicação completa da fome. Conforme, aliás, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – há muito aprovados, mas praticamente não implementados, embora isso deva ser feito antes de 2030. “Espero (e posso dizer com alguma confiança) que a criação dessa aliança permitirá melhorar o desempenho nesta área de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.”

A Rússia – ele anunciou – aderiu a este mecanismo e já está apresentando ao pacote de projetos que serão implementados sob os auspícios da aliança os nossos desenvolvimentos avançados, concretizados em programas de assistência aos países em desenvolvimento. “São chamados a transferir para os países em desenvolvimento as tecnologias, a experiência e a metodologia adequadas, permitindo-lhes confiar mais nas suas próprias forças.”

Fonte: Papiro