Manifestantes retomam em Quito: "nos cortam a luz, acendemos as ruas. Fora Noboa!" | Foyo: El Universo

Em Quito e em várias cidades do Equador, onde os apagões têm durado 14 horas, manifestantes entoaram “Noboa, escuta, o povo está na luta!”. “Não há eletricidade, não há educação e você tem coragem de pedir reeleição”, condenaram.

Milhares de manifestantes voltaram às ruas da capital, Quito, e de todo o Equador na última sexta-feira (15) para protestar contra os prolongados apagões, a crescente violência e a brutal crise econômica em que foram mergulhados pelo governo de Daniel Noboa, com a disparada do desemprego e do arrocho.

“Apagam nossa luz, acendemos nossas ruas”, entoou a multidão, convocada pela Federação Unida dos Trabalhadores (FUT), Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) e entidades universitárias, alertando para os graves prejuízos que os cortes de até 14 horas têm trazido.

“Esta marcha é para demonstrar o descontentamento e a rejeição a um governo que não resolveu os problemas do país e que se tornou um ditador. Não vamos permitir isso”, afirmou o presidente da FUT, José Villavicencio, alertando que além da crise econômica que o país atravessa devido à recessão declarada, “há também a dura situação elétrica com custosos apagões, que já afetaram o emprego”. 

Da mesma forma, Villavicencio apontou para a grave crise de segurança que assola o país devido à atuação das gangues do crime organizado que têm gerado um ambiente de violência e criminalidade em todo o país.

Conforme o Boletim de Homicídios Intencionais do Observatório Equatoriano do Crime Organizado (OECO), o país deixou de ser o segundo mais seguro da América Latina, para enfrentar uma brutal disparada. As mortes violentas saltaram de seis por 100.000 habitantes em 2018 para 47 por 100.000 habitantes em 2023, colocando o país na lista dos dez mais violentos, com o avanço do narcotráfico tendo fator preponderando.

“Estamos diante de um governo incompetente e bandido de Daniel Noboa, que em vez de agir, espera por soluções naturais como a chuva, negligenciando a manutenção essencial e o investimento em infraestruturas críticas”, denunciou a Conaie.

Seguidos de perto pela enorme repressão policial, os manifestantes responderam “Não temos medo”, “Não há eletricidade, não há educação e você tem coragem de pedir reeleição”, condenando a tentativa de Noboa de continuar desmontando o país.

O Comitê Empresarial do Equador informou que os apagões já provocaram um prejuízo de quatro bilhões de dólares e que cada hora sem energia significa uma perda de 12 milhões de dólares para o país.

Em Quito a marcha iniciou no parque El Ejido, avançando rumo ao centro histórico em direção ao palácio presidencial, sendo impedida pelo enorme aparato policial de se aproximar da Praça Grande, onde está localizada a sede do governo.

As agressões da polícia e as confrontações contra os manifestantes foram denunciadas pela mídia digital que reproduziu imagens com guardas arrastando um participante. Também foram vistos pneus e imagens do presidente sendo queimadas em meio a palavras de ordem “Fora Noboa!”.

Em Guayaquil, a comemoração dos 102 anos do massacre dos trabalhadores em 15 de novembro de 1922, reforçou o repúdio ao governo, declarou Virginia Pinela, da FUT, denunciando os cortes no orçamento para as áreas sociais. Assegurou que também se mobilizaram na rejeição da política do presidente Noboa, dos apagões e da falta de “orçamento adequado para a educação e a saúde”.

Na cidade andina de Latacunga, a 80 quilômetros da capital, milhares de indígenas liderados pelo presidente da Conaie, Leonidas Iza somaram suas vozes: “mais apagões e mais pobreza, a gente não tem mais nada na mesa”. Faixas e cartazes estampavam: “apagões igual à pobreza” e davam “vivas à luta popular”.

Em 2024, soou o alarme sobre uma seca prolongada associada às alterações climáticas, que causou racionamento de água e energia, além de incêndios florestais, sem que o governo respondesse às reivindicações da sociedade. O Equador necessita de cerca de 4.600 MW e enfrenta um déficit de pelo menos 1.600 MW na geração de energia.

Na avaliação do economista equatoriano e pós-doutor na Universidade Andina, Pablo Davalos Aguillar, a crise energética que explodiu no final de 2023 foi provocada com a intenção de transferir o setor estratégico – o que é barrado pela Constituição – para o “mercado”, dominado pelas companhias estrangeiras. Entre os vários mecanismos para driblar a legislação vigente estaria a implementação das “zonas francas elétricas”, “com a reforma do artigo 33 do Regulamento Geral da Lei Orgânica do Serviço Público de Energia, contida no Decreto Executivo 540, a desregulamentação pela desinstitucionalização do setor elétrico, entre outros”. No entanto, esclareceu, “a pouca margem de manobra de governo e o afastamento recente de Guillermo Lasso puseram em stand by os processos de privatização”.

Como reitera o especialista, a Constituição considera que “em todas as suas formas a energia” é um setor estratégico e define que o Estado será o “responsável dos serviços públicos de energia elétrica”, onde os preços e tarifas sejam “equitativos” e submetidos a controle e regulação. Mesmo assim a Constituição estabelece que serão conformadas empresas públicas para a gestão e a administração dos setores estratégicos e a delegação será dada a empresas mistas nas quais o Estado tenha maioria acionária. Somente de forma excepcional, alertou Pablo Davalos, se pode delegar à iniciativa privada o exercício das atividades de prestação de serviços públicos.

“Contudo, a exceção, num regime neoliberal, torna-se a norma. A proposta urgente de lei econômica de Daniel Noboa altera a norma jurídica não para fortalecer o Estado, mas para enfraquecê-lo e conseguir o funcionamento e implementação do mercado energético no país. Um mercado com demanda cativa e absolutamente essencial para residências, indústrias e negócios. Por isso, as regras são alteradas para que nelas caiba a lógica do mercado. O problema é que estas lógicas enfraquecem o Estado e sobrecarregam de responsabilidades os clientes que verão no futuro, e se esta lei for aprovada, como as suas contas de eletricidade aumentam, seja de forma repentina ou gradual, sem que seja resolvida, de forma alguma, a soberania energética do país”.

No início de outubro um novo projeto foi enviado por Noboa para que pessoas jurídicas dedicadas à distribuição e comercialização de energia estejam autorizadas para subscrever Acordos de Compra de Energia de longo prazo com empresas privadas. O projeto estabelece que os contratos poderão ser respaldados por garantias emitidas pelo Estado e as transações devem incluir diferentes tecnologias de geração, tais como hidráulica, geotérmica, solar, eólica, térmica ou outras.

A nova investida presidencial foi enviada como “iniciativa econômica urgente”, o que implica que o Legislativo tem 30 dias para tratá-la, aprová-la ou negá-la. Se decorrido o prazo não houver resposta dos membros da assembleia, a lei entrará imediatamente em vigor tal como foi inicialmente apresentada.

Fonte: Papiro