Polícia agride estudantes enquanto Tarcísio privatiza escolas de São Paulo
O governo de São Paulo deu mais um passo na entrega de escolas públicas para a gestão privada com a vitória do Consórcio SP+Escolas em um novo leilão. Do lado de fora da Bolsa de Valores, no centro de São Paulo, onde ocorreu a disputa, estudantes, professores e representantes da educação enfrentaram uma violenta repressão policial ao protestarem contra a privatização do lote de 16 escolas por um valor de R$ 3,5 bilhões.
Novamente a PM criou bloqueios nas ruas do centro da cidade para impedir que os manifestantes se aproximassem do local do leilão. A resposta autoritária do governo foi a repressão com bombas de gás lacrimogêneo e golpes de cassetete que foram lançados sobre os estudantes, numa ação truculenta e desmedida da que demonstra uma tentativa de calar qualquer resistência à privatização da educação pública.
A Força Tática foi acionada, intensificando o ataque contra cerca de 200 manifestantes, compostos por alunos, professores e representantes da sociedade civil, que levavam cartazes e gritavam palavras de ordem como “Educação não é mercadoria” e “Nossas escolas não estão à venda”.
O projeto do governo prevê que as empresas privadas assumam a construção e manutenção das escolas, incluindo serviços de limpeza, segurança e alimentação, enquanto as questões pedagógicas permaneceriam sob responsabilidade de professores e diretores. Segundo o governador, o objetivo seria “modernizar” as escolas e liberar a equipe pedagógica das “tarefas burocráticas”. No entanto, a privatização dos serviços básicos da escola prejudica a gestão democrática e pública da educação, além de colocar a escola no serviço de interesses financeiros, em vez de focar no desenvolvimento dos alunos.
O contrato com o Consórcio SP+Escolas, vencedor da concessão do Lote Leste, terá duração de 25 anos, com o repasse pelo governo estadual mensal de R$ 11,5 milhões assim que as escolas começarem a operar. O grupo, voltado ao setor de rodovias, cuja experiência na área educacional é zero, deverá construir 16 escolas em 16 municípios paulistas, com uma primeira metade das unidades sendo entregue em 2026 e a outra parte em 2027. O custo total desse contrato está estimado em R$ 3,25 bilhões.
As escolas do lote leste serão construídas em 16 municípios, terão 17,6 mil vagas para alunos e 476 salas de aula. As cidades que receberão como unidades de ensino são: Aguaí, Arujá, Atibaia, Campinas, Carapicuíba, Diadema, Guarulhos, Itapetininga, Leme, Limeira, Peruíbe, Salto de Pirapora, São João da Boa Vista, São José dos Campos, Sorocaba e Susano.
Tarcísio já havia privatizado o primeiro lote, com 17 escolas, também entregue a uma empresa sem qualquer relação com a Educação. Na terça-feira, 29 de outubro, o consórcio Novas Escolas Oeste SP saiu vencedor e receberá R$ 3,38 bilhões. O consórcio tem como empresa líder a Engeform Engenharia LTDA, que é sócia da Consolare, empresa que administra sete cemitérios na capital paulista.
Especialistas e representantes da educação pública destacam que entregar a gestão de escolas ao setor privado coloca em risco a qualidade do ensino e abre brechas para uma privatização gradual do sistema educacional. Um exemplo recente desse tipo de expansão é o estado do Paraná, onde as empresas têm reforçado um papel cada vez mais central nas escolas após a aprovação de um projeto de lei que amplia suas responsabilidades na educação.
O atual secretário de Educação paulista, Renato Feder, já chefiou a pasta paranaense.
Para especialistas e defensores da educação pública, o modelo de privatização imposto pelo governo paulista ameaça transformar a educação em uma mercadoria. Com a entrega da infraestrutura escolar ao setor privado, a autonomia e o caráter público da escola ficam comprometidos, enfraquecendo um dos direitos mais básicos da sociedade.
A deputada estadual Bebel Noronha (PT) e representantes da Apeoesp alertaram para os riscos de entregar as escolas para consórcios cujo foco está no lucro, não no aprendizado dos alunos. “Esse modelo compromete a natureza democrática da escola pública, que deve ser acessível, gratuita e de qualidade para todos. O governo de São Paulo, que já avançou com a privatização em setores como saneamento e transportes, agora mira a educação, seguindo uma lógica que coloca os interesses financeiros acima do direito da população”.
Um dia após o primeiro leilão das escolas, na terça (29), a Apeoesp conseguiu uma liminar que suspendeu o pregão. O juiz também determinou o impedimento do leilão de hoje. O entendimento foi de que a gestão democrática das escolas vai além do que ocorre na sala de aula.
No dia seguinte, entretanto, Tarcísio conseguiu suspender a liminar e saiu vitorioso. O presidente do Tribunal da Justiça, Fernando Antônio Torres Garcia, acolheu o recurso e afirmou que a suspensão dos leilões afetava o “cronograma de implementação de obras e serviços essenciais”.
A privatização das escolas ocorre em meio a um corte de R$ 10 bilhões que o governo Tarcísio pretende realizar no orçamento, ampliando ainda mais o desmonte da área em São Paulo e o repasse milionário às empresas privadas deve agravar ainda mais a crise da educação paulista. Os grupos privados contarão com mais de R$ 22 milhões ao mês para administrarem 33 escolas. Valor muito superior ao que é repassado para as escolas regulares para a manutenção e gestão.
“Essa justificativa de separar, é um núcleo administrativo, que vai ter um gerente, talvez, um coordenador, e o diretor. Quer dizer, o diretor já não é mais diretor da escola. Ele será diretor de uma parte da escola. E quando tiver um problema?”, questiona Fábio de Moraes, primeiro presidente da APEOESP em conversa com o HP.
“Eles (governo) querem se desresponsabilizar (do papel de gerir a Educação). E para mim isso é muito sério: quando o Estado mais rico do país diz que precisa do setor privado para fazer 33 escolas, numa rede de milhões de alunos! Ah, por favor!”, continua Fábio.
“Esse consórcio vai ter muito mais dinheiro para fazer o que o Estado é obrigado a fazer nas outras escolas. No valor mensal que o consórcio adquiriu essas 17 escolas, ele vai receber R$ 11 milhões e 900 mil reais por mês. Por ano dá R$ 142 milhões e 800 mil reais”. Ou seja, por mês cada escola vai receber R$ 8 milhões e 400 mil por ano, explica o sindicalista.
“A Educação”, explica Fábio, “envolve um valor monumental – porque é grande – e aliás faltam recursos, mas o valor do FUNDEB 2024, foi quase R$ 20 bilhões”, ressalta. O que dá, segundo ele, uma média por aluno em torno de R$ 560. No caso da empresa privada, a faixa de custo por estudante será de R$ 700 – quase 20% acima do que o Estado investe.
“Mas onde é que fica o lucro? Nesse valor do per capita, está o valor do pagamento do quadro do Magistério, que é a parte mais substancial, porque é onde está a maioria dos trabalhadores e é a natureza da Educação. Se você pegar aí desses R$ 20 bi aí (orçamento do FUNDEB), em torno de 80% foi de salário”, denuncia o dirigente sindical.
“Essa despesa continuará sendo do governo. Nessas 17 escolas, eles (consórcio) vão ficar com o dinheiro – bruto – certo? E o Estado vai continuar pagando a parte mais pesada, que são os professores. É o filé para lá, e aí eu seguro a despesa para agradar o setor privado”, completa Fábio de Moraes.
O governo de São Paulo já anunciou que pretende privatizar outras 143 escolas já construídas. O plano foi apresentado nesta terça-feira (29) pelo secretário da Educação, Renato Feder, ocorreu após o leilão do primeiro lote de privatização.
Rafael Benini, secretário de Parcerias e Investimentos (SPI), detalhou que o novo projeto focará em unidades já existentes, com reforma, novas salas e manutenção.
Fonte: Página 8