COP29 amplia os desafios do Brasil para liderar a COP30
mbientalistas classificam resultado alcançado em Baku como “desastre”. Foto: RS/Fotos Públicas
A COP29, realizada em Baku, no Azerbaijão, deixou um rastro de insatisfação e dúvidas sobre o futuro do multilateralismo climático. Apesar de alguns avanços, o encontro foi amplamente criticado por ambientalistas, representantes de países em desenvolvimento e especialistas. O Portal entrevistou três deles para sondar sua percepção sobre os resultados e consequências.
Para Inamara Melo, coordenadora-geral de Adaptação à Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente que acabou de retornar de Baku, o evento refletiu os desafios de um cenário geopolítico complexo. “Foi frustrante não alcançar o valor anual de US$ 1,3 trilhão para financiamento climático global, uma meta crucial para os países em desenvolvimento. O fundo de US$ 300 bilhões anuais está longe de atender às necessidades reais”, avaliou.
Para ela, o caminho à frente é claro. “Não podemos esperar que soluções venham de mão beijada dos países desenvolvidos. O esforço para salvar vidas, proteger o planeta e erradicar a pobreza precisa ser construído por nós mesmos. O Brasil está se movendo na direção certa, e a COP30 será um momento crucial para consolidar essa liderança”, concluiu.
Já o professor da UFAM e especialista em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, Eron Bezerra, foi ainda mais incisivo. Ele destacou que a conferência repetiu o padrão de “muita pompa e poucos resultados concretos”. Segundo ele, “os países ricos acumulam riquezas à custa da destruição ambiental, mas se recusam a adotar mudanças estruturais e tentam terceirizar a responsabilidade para as nações emergentes e pobres”.
“O grande objetivo das conferências deveria ser criar mecanismos para cumprir as metas aprovadas. No entanto, o que vemos é uma retórica que não se traduz em ação”, criticou Bezerra. “Isso [os US$ 300 bi] não passa de uma tentativa de endividar ainda mais essas nações pobres para corrigir os problemas criados pelos ricos. É uma solução vergonhosa e ineficaz”, criticou.
O indigenista Gustavo Guerreiro concorda que o financiamento aprovado está muito aquém do necessário e critica a ausência de avanços em questões estruturais. “O acordo sequer menciona a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis, uma lacuna inaceitável. A presidência da COP29 foi considerada incompetente por diversas entidades”, afirmou.
A condução do evento também foi alvo de críticas severas. “A presidência da COP29 foi considerada incompetente por entidades respeitadas, como o Observatório do Clima. A falta de liderança forte comprometeu as negociações, deixando um vazio que precisa ser preenchido urgentemente na COP30”, acrescentou.
Brasil: protagonismo em construção
Apesar das críticas, Inamara Melo destacou o papel relevante do Brasil. “Apresentamos uma Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) ambiciosa, com metas de redução de emissões entre 59% e 67% até 2035. Estamos integrando a agenda climática às políticas públicas de forma estrutural, com instrumentos como o Fundo Clima e os Títulos Soberanos Sustentáveis”, afirmou.
“Essas ferramentas demonstram que estamos integrando a agenda climática às políticas públicas de forma estrutural. É um sinal claro de que o Brasil está disposto a liderar pelo exemplo”, afirmou.
Bezerra também reconhece o potencial do Brasil, mas ressalta a necessidade de um alinhamento estratégico com outros países emergentes, como a China. “Lula e Xi Jinping precisam liderar uma cruzada por um modelo efetivamente sustentável. Nossa matriz energética limpa e a Amazônia como ativo estratégico nos colocam em uma posição privilegiada, mas precisamos de ações mais robustas e menos dependência de soluções paliativas como créditos de carbono.”
“Nossa maior floresta tropical, a Amazônia, é um ativo estratégico para o equilíbrio climático mundial. Além disso, o Brasil já tem experiências práticas em mitigação, como transição energética e reaproveitamento de resíduos. Agora é hora de liderar pelo exemplo”, afirmou.
Gustavo Guerreiro, por sua vez, acredita que a COP30, marcada para ocorrer em Belém, será uma oportunidade única para o Brasil demonstrar liderança global. Apesar do cenário desanimador, ele mantém a esperança de que as negociações futuras possam ser mais produtivas. “A COP30 será um teste crucial para o Brasil e para o processo multilateral como um todo. Precisamos acompanhar de perto como os desdobramentos de Baku vão influenciar as articulações globais daqui para frente”, concluiu.“
Críticas ao multilateralismo e à responsabilidade dos países ricos
Um ponto de consenso entre os entrevistados é a ineficácia do multilateralismo diante das tensões globais. “A resistência dos países desenvolvidos em adotar mudanças estruturais, fica claro que o sistema atual está falhando em resolver a crise climática”, disse Inamara.
Além disso, lacunas em áreas essenciais, como o Programa de Trabalho de Transição Justa e o Balanço Global do Acordo de Paris, reforçaram o sentimento de descrédito no processo multilateral. “Há quem questione se o multilateralismo ainda é eficaz para resolver a crise climática, especialmente diante da volta de Trump à Casa Branca e das tensões globais. A ameaça de abandono da conferência por países vulneráveis quase levou ao colapso das negociações. Foi preciso um trabalho diplomático intenso, muitas vezes madrugada adentro, para salvar a declaração final”, disse ela.
Bezerra reforçou a crítica, apontando que “os países ricos ainda resistem a atualizar suas matrizes energéticas e reflorestar áreas degradadas, enquanto mascaram sua responsabilidade e criam barreiras para produtos de países em desenvolvimento”. Bezerra aponta os países ricos como os principais responsáveis pela crise climática e os maiores obstáculos para uma solução efetiva.
Guerreiro destacou que o Brasil precisa aproveitar a COP30 para reconstruir a confiança no multilateralismo ao assumir uma postura protagonista e trabalhar pela reconstrução da credibilidade internacional. “Será necessário articular melhor os países do Sul Global, pressionar por acordos mais ambiciosos e buscar ampliar significativamente os recursos destinados ao enfrentamento das mudanças climáticas”, explicou.
Expectativas para a COP30
Apesar do ceticismo em relação aos resultados da COP29, os três entrevistados veem na COP30 um momento crucial para redefinir os rumos da agenda climática global.
Ao refletir sobre os resultados da COP29, Inamara reconheceu a frustração de muitos, mas optou por um olhar pragmático. “É verdade que as metas ainda são insuficientes, mas também houve avanços. O Brasil mostrou que é possível conciliar ação climática com desenvolvimento. Precisamos olhar para isso como um copo meio cheio. Se quisermos evitar um colapso climático, não temos alternativa senão agir com urgência e responsabilidade.” Ela concluiu defendendo que o Brasil tem uma tarefa desafiadora, “mas também uma oportunidade histórica de consolidar sua liderança climática e garantir que a transição para um modelo sustentável seja mais equitativa”.
Para Bezerra, o sucesso na luta contra a crise climática depende de uma mudança de postura dos países ricos, enquanto Guerreiro enfatiza que “é preciso transformar discursos em ações concretas”.
Com a COP30 se aproximando, todas as atenções estarão voltadas para Belém, onde o Brasil terá a chance de provar que pode liderar pelo exemplo e inspirar mudanças globais.
(por Cezar Xavier)