Sholz (e) se despediu do seu ministro das Finanças em meio à estagnação da economia | Foto: Christof Stache/AFP

Entrou em colapso a Coalizão Semáforo com a demissão do ministro das Finanças e líder dos liberal-democratas, Christian Lindner.

Uma coalizão que encabeçou a subordinação mais canina da Alemanha às sanções contra a Rússia e seu gás barato, na esteira da guerra por procuração da Otan na Ucrânia, empurrou o país para uma recessão que já completa dois anos e para o risco de desindustrialização, olhou para o outro lado quando o gasoduto Nord Stream foi explodido.

Além disso se tornou cúmplice tanto dos neonazistas de Kiev, quanto dos genocidas de Israel.

A demissão foi determinada na quarta-feira (6) pelo primeiro-ministro social-democrata Olaf Scholz, após Lindner divulgar um documento de 18 páginas entrando em choque aberto com a estratégia que vinha sendo articulada para conter a crise, que já não tem mais como ser abafada, quando o carro-chefe da máquina exportadora alemã, a indústria automobilística, anuncia, como é o caso da Volkswagen, fechamento de fábricas, demissões em massa e corte de salários. Os verdes continuam no governo.

Entre as principais divergências, estava a recusa de Lindner de prorrogar para o orçamento para 2025 a suspensão do assim chamado “freio da dívida” – que limita seu crescimento a 0,35% do PIB -, além de conclamar a fornecer a Kiev os mísseis de longo alcance que Scholz até aqui não quer fornecer, para evitar o repuxo desde Moscou.

Em última instância, Lindner exigia uma “reviravolta econômica com uma revisão fundamental parcial das principais decisões políticas”, além de querer jogar a crise no colo dos trabalhadores, bem mais do que Scholz achava conveniente para sua sobrevivência. Em si, o documento de 18 páginas era uma espécie de senha para ida para oposição.

Scholz já comunicou sua decisão de proceder a um voto de confiança em janeiro do próximo ano, seguido da antecipação das eleições parlamentares gerais para março, mas o líder dos democratas-cristãos, o ex-executivo-chefe na Alemanha do megafundo norte-americano BlackRock, Friedrich Merz, reivindica para já o desencadeamento do processo sucessório. Lindner foi substituído pelo social-democrata Jorg Kukies.

“Não há motivos para adiarmos isso. O governo acabou”, declarou Merz, pleiteando “duas semanas”. Com a saída de Lindner, o governo Scholz já não tem mais maioria no parlamento. Mas Merz não tem como, mais o recém saído FDP, impor a antecipação do prazo, a não ser que conte com os votos da extrema-direita da Alternativa para a Alemanha.

MINISTRO DEMITIDO

No discurso de Scholz na quarta-feira – aliás, o dia da proclamação da vitória de Trump para a Casa Branca -, o primeiro-ministro asseverou ser possível apoiar a economia em crise com recursos públicos sem cortar ainda mais nas áreas sociais, desde que acionado o freio da dívida, dada também a urgência de manter o financiamento a Kiev.

Scholz, que ganhou fama na Ucrânia de ser “salsicha de fígado ofendida”, atribuiu a Lindner uma “quebra de confiança”, acrescentando que “qualquer pessoa que recuse uma solução ou uma oferta de compromisso numa tal situação está agindo de forma irresponsável” e que ele “não poderia tolerar isso”.

“Ontem, [Scholz] fez uma proposta para disponibilizar mais três bilhões de euros para a Ucrânia. Mas nem três bilhões de euros, dado o volume de fundos disponíveis, fariam a diferença. Eu disse no comitê de coligação do FDP, que se quisermos um apoio diferente e mais forte à Ucrânia, então não serão necessários três bilhões de euros adicionais, então a Alemanha terá de tomar a decisão de equipar a Ucrânia com os sistemas de armas de que os ucranianos precisam para defender a sua liberdade, nomeadamente o sistema de armas Taurus”, provocara Lindner.

Os dois principais representantes dos verdes, o vice-premiê Robert Habeck e a ministra das Relações Exteriores Annalena Baerbock lamentaram o colapso da coalizão Semáforo, o que consideraram “absolutamente trágico num dia como este, quando a Alemanha tem de mostrar unidade e capacidade de agir na Europa”, referindo-se à vitória de Trump.

“PONTE PARA O FUTURO” DE LINDNER

A “Ponte para o Futuro” de Lindner pretendia reduzir pela metade a “sobretaxa de solidariedade”, que está em vigor desde a reunificação alemã em 1991 e agora se aplica apenas a rendas e lucros muito altos, no próximo ano e aboli-la completamente em 2027. O imposto sobre as sociedades, o imposto mais importante sobre os lucros corporativos, também deve ser reduzido em 2% em 2025 e ainda mais nos anos seguintes.

Sob o cínico pretexto de “redução da burocracia”, Lindner queria suspender todas as propostas legislativas que protegem os direitos dos servidores públicos. A título da “mobilização do mercado de trabalho”, propunha um aumento significativo nas horas de trabalho e uma redução substancial no benefício social da “renda do cidadão”, para, ao invés, destinar € 3 bilhões por ano para a agiotagem.

Lindner também sugeriu um corte de € 4,5 bilhões em comparação com o projeto de orçamento já adotado e mecanismos de “aposentadoria genuinamente flexível” para forçar os funcionários a trabalhar até a velhice e aliviar os fundos de pensão de acordo.

Os cortes também já atingiriam o cumprimento das metas climáticas já acordadas.

Mas não dá para confiar nas promessas de Scholz de que os social-democratas não vão repetir a receita de 2010, o choque Schroeder, que perpetrou os cortes sociais mais abrangentes da história da Alemanha do pós-guerra. Ainda mais nesse quadro de estagnação e crise aberta, sob o enorme custo do rearmamento alemão e do financiamento a Kiev e ao genocídio, e intensificação da guerra comercial no mundo.

“HOMEM DOENTE”

A locomotiva alemã tornou-se o “homem doente” da Europa, e seu zero de crescimento em 2024 será o pior resultado previsto pelo FMI para um país membro do G20.

A produção no setor manufatureiro continuou a diminuir, segundo o Serviço Federal de Estatística. Caiu 4,6% em setembro, na comparação com o mesmo mês do ano passado. Os dados de agosto foram revisados para menos 3%.

Ao longo do ano, a produção da indústria automobilística caiu 15%, comparado com uma base já fraca no ano anterior. Os lucros da BMW caíram mais de 80% entre julho e setembro, em relação ao ano passado. “Os lucros dos fabricantes de automóveis alemães estão derretendo como neve ao sol”, disse um especialista à ARD.

De acordo com o jornal Tagesschau, “os fabricantes de automóveis alemães, que já estão em crise” temem agora a “imposição de tarifas punitivas sobre os automóveis sob uma nova administração Trump”.

As indústrias com utilização intensiva de energia, como a indústria química, continuam a ser particularmente afetadas pelo declínio, o que conduz ao encerramento de instalações de produção e à deslocalização da produção para países onde os preços da energia são mais baratos do que na Alemanha.

As expectativas de exportação do Instituto de Investigação Econômica (IFO) caíram novamente, desta vez para menos 6,7% em outubro, face aos menos 6,5 % em setembro. “O período de seca da indústria de exportação continua, portanto”, disse o chefe de pesquisa do instituto, Klaus Wohlrabe.

Mais otimista, o presidente do IFO, Clemens Fuest, disse que a crise industrial alemã “ainda não foi superada, mas a tendência descendente foi interrompida por enquanto”.

O número de falências também reflete a má situação econômica geral. 1.530 em outubro, conforme anunciou na quinta-feira o Instituto Leibniz de Pesquisa Econômica em Halle, o número mais elevado para o mês em 20 anos. Em comparação com a média de Outubro de 2016 a 2019, ou seja, antes da pandemia, as insolvências neste outubro são 66% mais elevadas.

Fonte: Papiro