Kazan se prepara para encontro multilateral dos países BRICS em meio a escalada de guerras e intransigências de potências ocidentais. Foto: Alexei Danichev para Agência Photohost brics-russia2024.ru

O encontro anual do BRICS, que será realizado entre os dias 22 e 24 de outubro de 2024, em Kazan, Rússia, traz à tona discussões críticas sobre o papel do bloco fundado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul na nova ordem mundial. Com o tema “Fortalecendo o Multilateralismo para o Desenvolvimento e Segurança Global Equitativa”, o evento acontece em um momento de tensões geopolíticas exacerbadas, especialmente pela guerra na Ucrânia e o conflito entre Israel e Palestina, além de desafios econômicos globais que ainda ressoam da pandemia.

Segundo o professor Augusto Leal Rinaldi, cientista político e especialista em BRICS, o encontro deste ano é de suma importância por marcar a entrada oficial de novos membros ao bloco: Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito e Etiópia. Para ele, essa expansão pode modificar significativamente o perfil do BRICS, incluindo potências regionais com interesses econômicos e estratégicos próprios, particularmente no Oriente Médio e na África. “A entrada de países como Irã e Arábia Saudita traz suas rivalidades e questões energéticas ao centro das discussões. A expectativa é que, com essas adições, o BRICS amplie sua voz em temas como segurança, energia e desenvolvimento econômico global”, avalia o especialista em entrevista.

BRICS como plataforma multilateral alternativa

Augusto Leal Rinaldi

Com a intensificação da rivalidade estratégica entre Estados Unidos e China, o BRICS pode assumir um papel crescente como uma alternativa à ordem internacional liderada pelos EUA. Rinaldi ressalta que o bloco, agora ampliado, tem o potencial de promover um desenvolvimento global mais equitativo, desafiando a narrativa ocidental de uma “ordem baseada em regras”. Essa crítica à hegemonia ocidental poderá ser central nas discussões de Kazan, sobretudo no que se refere à recuperação econômica global pós-pandemia.

Além disso, o professor acredita que a guerra na Ucrânia e seus impactos sobre a Rússia estarão no topo da agenda. “Com o conflito ainda em curso, a Rússia buscará apoio ou, ao menos, neutralidade dos novos membros do BRICS em seus esforços diplomáticos. O bloco pode servir como um fórum para negociações multilaterais que envolvam a guerra”, afirma Rinaldi.

Outro foco importante das discussões será a questão do Oriente Médio, exacerbada pelos ataques recentes de Israel à Faixa de Gaza e ao Líbano. “A presença do Irã, que apoia a causa palestina e se envolve diretamente no financiamento ao Hezbollah, colocará o tema do conflito Israel-Palestina no centro das atenções. Isso exigirá que o BRICS encontre um equilíbrio em meio às pressões internacionais.”

A “desdolarização” e os mecanismos econômicos do BRICS

Entre os temas econômicos, a crescente tendência à “desdolarização” ganha destaque. Embora o termo possa ser considerado prematuro, Rinaldi destaca que o uso de moedas locais nas transações comerciais dentro do BRICS vem se intensificando, particularmente entre países como Rússia e Irã. “Há uma expectativa de se criar mecanismos financeiros, talvez até algo semelhante a um ‘BRICS Pay’, que favoreça o intercâmbio entre as nações sem a necessidade do dólar americano”, comenta. No entanto, ele alerta que esse movimento ainda está em fase inicial.

Outro ponto importante será a definição de critérios mais claros para a entrada de novos membros. Embora não se espere uma nova expansão imediata, há a possibilidade de criação de um status de “parceiro”, que permitiria a países interessados se aproximarem do bloco antes de uma eventual adesão.

O papel do Brasil sob a liderança de Lula

O Brasil, com Lula à frente, pode adotar uma postura de mediador nesse cenário complexo. Tradicionalmente, a política externa brasileira busca equilibrar suas relações com diferentes potências, e o país possui interesses tanto no fortalecimento do BRICS quanto na manutenção de boas relações com os EUA e a União Europeia. “O Brasil tem o potencial de ser um facilitador de diálogos multilaterais, propondo soluções diplomáticas que ajudem a resolver os problemas globais, seja em questões militares, econômicas ou políticas”, diz Rinaldi.

Para o presidente Vladimir Putin, o encontro do BRICS em Kazan oferece uma oportunidade de reafirmar que a Rússia não está isolada da comunidade internacional, e que o BRICS, com sua crescente relevância, pode se consolidar como uma força política no cenário das relações internacionais contemporâneas.

O encontro do BRICS em 2024 será um marco importante para o bloco, à medida que os novos membros trazem novos desafios e oportunidades. Com uma agenda repleta de questões cruciais, desde segurança energética até a guerra na Ucrânia e a crise no Oriente Médio, o BRICS pode se consolidar como um importante fórum para o multilateralismo, promovendo uma ordem mundial mais justa e equilibrada.

(por Cezar Xavier)