Ampliação marcou a Cúpula do BRICS deste outubro | Foto: AFP

Um importante desenvolvimento na Cúpula de Kazan é a aprovação por unanimidade do convite a 13 países da Maioria Global para a participação na condição de países parceiros nos BRICS e seu esforço pela construção de um mundo multipolar mais justo, desenvolvido e seguro, democratização efetiva das relações internacionais e superação da carcomida ordem neocolonial que ainda persiste.

Por ordem alfabética, Argélia, Bielorrússia, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Indonésia, Malásia, Nigéria, Tailândia, Turquia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã.

Uma ampliação de peso, que inclui alguns dos países que mais se empenharam na luta anticolonial e anti-imperialista, a exemplo de Cuba, Argélia e Vietnã; a Indonésia, que ao lado da China e Índia encabeçou a Conferência de Bandung, precursora dos Não Alinhados; Nigéria, o mais populoso país africano, e Uganda; importantes integrantes da Associação dos Países do Sudeste Asiático, como a Malásia e a Tailândia; os ex-soviéticos Bielorrússia, Cazaquistão e Uzbequistão, também da Organização de Cooperação de Xangai; e a Turquia – esta, ao lado da Argélia, Indonésia e Malásia – parte do mundo islâmico.

“O processo de formação de uma ordem mundial multipolar está em curso, é um processo dinâmico e irreversível”, afirmou o presidente anfitrião, Vladimir Putin, na cerimônia de abertura oficial da cúpula.

“Os estados membros da nossa associação têm um potencial político, econômico, científico, tecnológico e humano verdadeiramente enorme. Ao mesmo tempo, estamos unidos por valores e visões de mundo comuns, países soberanos representando diferentes continentes, modelos de desenvolvimento, religiões, civilizações e culturas originais.”

Na reunião do BRICS estendido na quinta-feira, o presidente da Palestina, Mahmoud Abbas, manifestou sua disposição de, o quanto antes, vir a fazer parte dos BRICS, que em sua declaração repudiaram o genocídio de que os palestinos são vítimas em Gaza e pediram a solução dos Dois Estados.

Caberá à Rússia prosseguir nas discussões com esses países convidados, visando a formalização do ingresso no BRICS nessa nova condição, em que, sem serem membros plenos como Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e os recém ingressados Irã, Egito, Etiópia e Emirados Árabes, terão voz em todas as discussões, mas não veto. Todas as decisões no BRICS são por consenso.

Outras instâncias de associação dos países emergentes, como a Organização de Cooperação de Xangai, já têm, além dos membros permanentes, outros com status de associados e observadores.

A Indonésia chegara a ser cogitada na ampliação anterior do BRICS, na cúpula na África do Sul, o que não se concretizou devido ao país estar prestes a realizar na época eleição de novo presidente. A Arábia Saudita, já convidada para ser membro pleno na cúpula passada, ainda não concluiu o processo de integração plena, embora esteja participando de todas as instâncias de discussão. A Turquia expressou sua prontidão a se tornar membro pleno, apesar de ser parte da Otan e candidata há décadas a ingresso na União Europeia.

Em relação aos critérios de ampliação do BRICS, segundo o chanceler brasileiro Vieira duas questões são essenciais: o apoio à reforma do Conselho de Segurança da ONU (para incluir como membros permanentes os países emergentes) e o rechaço das sanções unilaterais, aquelas impostas à revelia da ONU.

A 16ª Cúpula do BRICS se encerrou nesta quinta-feira (24) em Kazan, na Rússia, com a plenária estendida, com a participação de 36 países, da Comunidade de Estados Independentes (CEI), da Organização de Cooperação de Xangai (OSX), do Novo Banco de Desenvolvimento, o banco ligado ao bloco e cuja presidente é Dilma Roussef, e do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres.

O BRICS já é o mais importante bloco do mundo, do ponto de vista econômico e geopolítico, rivalizando com o G7, o consórcio de países ex-coloniais e imperialistas encabeçado por Washington. Em 2023 a parcela da produção do BRICS em relação ao total da produção mundial atingiu 37,4%, enquanto a produção do G7 caiu para 29,3% do PIB mundial.

Quase metade da população mundial é dos países que integram o BRICS, em comparação com o assim chamado “bilhão dourado” do G7. O BRICS já se tornou no novo motor do desenvolvimento global e, nas palavras do presidente Putin, “não somos contra o ocidente, mas não somos como o ocidente. Somos a favor do respeito e do desenvolvimento de seus integrantes”.

O Brasil se fez representar pelo chanceler Mauro Vieira, após um acidente doméstico impedir a viagem do presidente Lula a Kazan por orientação médica. Lula falou no segundo dia da cúpula por videoconferência, em que destacou que o BRICS “foi responsável por parcela significativa do crescimento econômico mundial nas últimas décadas”, mas os fluxos financeiros continuam seguindo para as nações ricas. 

“É um Plano Marshall às avessas, em que as economias emergentes e em desenvolvimento financiam o mundo desenvolvido”, ele denunciou Lula. “As iniciativas e instituições do BRICS rompem com essa lógica”, acrescentou.

O presidente brasileiro também chamou a fortalecer o NBD, por financiar projetos alinhados a prioridades nacionais e sem condicionalidades. Também convocou a “avançar na criação de meios de pagamento alternativos para transações entre nossos países”. E denunciou que Gaza se tornou “o maior cemitério de crianças e mulheres do mundo”, insensatez que “agora se alastra para a Cisjordânia e para o Líbano”,

Por sua vez, Dilma Rousseff advertiu, em referência à proliferação de sanções unilaterais, que “o fato de o dólar ser usado como arma” acaba por afetar “o sistema internacional, a confiança e a sua integridade”.

Ela também defendeu a expansão do NBD, destacando que “novos membros reforçam o papel do banco de ser uma plataforma de cooperação entre os países do Sul Global”.

A amplitude da cúpula do BRICS de Kazan demonstrou o fracasso retumbante da política imperial de tentar isolar a Rússia, por resistir à anexação da Ucrânia pela Otan e à limpeza étnica da minoria russa pelo regime instaurado em Kiev pelo golpe da CIA de 2014.

“É por nossa busca compartilhada e pela tendência abrangente de paz e desenvolvimento que nós, países do BRICS, nos unimos”, afirmou o presidente chinês Xi Jinping, classificando como um grande progresso no desenvolvimento do bloco o convite a mais países para se tornarem parceiros.

“À medida que o mundo entra em um novo período definido por turbulência e transformação, devemos permitir que o mundo desça ao abismo da desordem e do caos, ou devemos nos esforçar para orientá-lo de volta ao caminho da paz e do desenvolvimento?”, ele questionou.

Xi convocou a “trabalhar juntos para transformar o BRICS em um canal primário para fortalecer a solidariedade e a cooperação entre as nações do Sul Global e uma vanguarda para o avanço da reforma da governança global”.

Ele enfatizou o compromisso dos BRICS com a paz e a segurança comum. “Somente abraçando a visão de segurança comum, abrangente, cooperativa e sustentável podemos abrir caminho para a segurança universal.”

Ele se referiu à proposta da China e do Brasil para a crise na Ucrânia. “O objetivo é reunir mais vozes que defendem a paz. Devemos defender os três princípios fundamentais: nenhuma expansão dos campos de batalha; nenhuma escalada das hostilidades; e sem chamas atiçadas, e se esforçam para uma rápida desescalada da situação”.

O líder chinês também cobrou um cessar-fogo imediato e o fim da matança no Oriente Médio e uma “resolução abrangente, justa e duradoura da questão palestina”.

Xi chamou o BRICS a encarar a inovação e o desenvolvimento de alta qualidade, como a IA, e a promover o desenvolvimento e a cooperação verde.

“A reforma da governança global está atrasada há muito tempo. Devemos defender o verdadeiro multilateralismo e aderir à visão de governança global caracterizada por ampla consulta, contribuição conjunta e benefícios compartilhados”, acrescentou.

 “Os desenvolvimentos atuais tornam a reforma da arquitetura financeira internacional ainda mais urgente. Devemos aprofundar a cooperação fiscal e financeira, promover a conectividade de nossa infraestrutura financeira e aplicar altos padrões de segurança financeira.”

Ele concluiu chamando o bloco e os países do Sul Global à cooperação para construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade.

Ao discursar no último dia da cúpula, o ministro das Relações Exteriores da Índia, S. Jaishankar, disse que o reequilíbrio econômico, político e cultural [no mundo] chegou a um ponto “em que podemos contemplar a multipolaridade real.” “O próprio BRICS é uma declaração de quão profundamente a velha ordem está mudando”, sublinhou.

Ele advertiu que “muitas desigualdades do passado também continuam” e que os benefícios da globalização têm sido “muito desiguais”.

Para mudar isso, o ministro sugeriu que as plataformas “de natureza independente” devem ser fortalecidas e expandidas e as instituições e mecanismos de governança global devem ser reformados. “É aqui que o BRICS pode fazer a diferença para o Sul Global”, destacou.

Jaishankar também apontou a necessidade de democratizar a economia global “criando mais centros de produção”. “A experiência da Covid é um lembrete nítido da necessidade de cadeias de suprimentos mais resilientes, redundantes e mais curtas. Para necessidades essenciais, cada região aspira legitimamente a criar suas próprias capacidades de produção”.

O chanceler indiano também apontou a necessidade de corrigir “distorções na infraestrutura global que são um legado da era colonial”, afirmando que o mundo precisa de mais opções de conectividade para o bem comum.

O primeiro-ministro Narendra Modi participou dos dois primeiros dias da cúpula. Outra conquista da cúpula foi a formalização, na véspera de sua realização, de acordo China-Índia de superação da crise na fronteira, que já durava cinco anos.

Em Kazan, o presidente sul-africano Ramaphosa denunciou o genocídio perpetrado por Israel em Gaza e agora estendido à Cisjordânia e ao Líbano, e condenou o Conselho de Segurança da ONU por não cumprir seu dever de impedir o morticínio, apesar da decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ). Na próxima semana, a África do Sul irá entregar à corte seu memorando de evidências.

Ele disse que o financiamento contínuo de Israel por países que fazem parte do conselho de segurança era preocupante, pois “os países do mundo têm a responsabilidade de não financiar ou facilitar as ações genocidas de Israel”.

Ramaphosa afirmou que o Conselho de Segurança da ONU não era inclusivo e não representava os interesses da comunidade global. Ele tem pressionado pela reforma do Conselho de Segurança da ONU, argumentando que a África deve ter um assento permanente e desfrutar dos mesmos poderes de veto que os cinco principais países do conselho.

Washington anunciou recentemente que admite assento para a África no CS, mas sem poder de veto. O que foi amplamente rejeitado pelo governo liderado por Ramaphosa, com diplomatas considerando tal proposta como um insulto ao que a União Africana decidiu no Acordo de Ezulwini. A África do Sul ingressou, em caráter pleno, nos BRICS em 2010.

Na quarta-feira, os BRICS aprovaram um comunicado conjunto que pede a promoção de uma ordem mundial multipolar – mais equitativa, justa, democrática e equilibrada – em que todas as nações tenham voz igual nos assuntos globais. O que pressupõe uma maior representação de países emergentes e em desenvolvimento – isto é, da Maioria Global – nas instituições internacionais. A cúpula transcorreu sob o tema: “Fortalecendo o multilateralismo para o desenvolvimento e a segurança globais justos”.

“Reafirmamos nosso compromisso com o espírito do BRICS de respeito e compreensão mútuos, igualdade soberana, solidariedade, democracia, abertura, inclusão, colaboração e consenso. Tomando por base as Cúpulas do BRICS nos últimos 16 anos, estendemos o compromisso de fortalecer a cooperação no BRICS expandido sob os três pilares de cooperação, política de segurança, econômica e financeira e cultural e interpessoal, bem como a aprimorar nossa parceria estratégica em benefício de nossos povos por meio da promoção da paz, de uma ordem internacional mais representativa e justa, de um sistema multilateral revigorado e reformado, do desenvolvimento sustentável e do crescimento inclusivo”, afirma o prólogo da Declaração de Kazan.

A Declaração reiterou ainda o compromisso dos BRICS com a Carta da ONU, o direito internacional, a democracia, combate ao racismo e xenofobia e rechaço do nazismo, a justiça e a preservação do meio ambiente.

Também abriu caminho para reforçar o uso das moedas nacionais no comércio intrabloco, para a formalização de mecanismos de pagamento internacionais que não estejam submetidos ao arbítrio de ninguém e para o fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento e do Acordo Contingente de Reservas.

Os documentos também condenaram sanções e medidas coercitivas unilaterais que “interrompem deliberadamente as cadeias globais de suprimentos e produção e distorcem a concorrência”.

Em 2025, a presidência rotativa do BRICS caberá ao Brasil, que sediará a 17ª conferência anual do BRICS.

Fonte: Papiro