Claudia faz juramento durante posse, ao lado de Obrador. Foto: reprodução/redes sociais

Numa histórica cerimônia realizada nesta terça-feira (1º) no Congresso de La Union — o poder legislativo central do México —, tomou posse a primeira mulher a ocupar a presidência na história do país, Claudia Sheinbaum. Feminista e sucessora de López Obrador, ela destacou que este é um “tempo de transformação e tempo das mulheres”. 

Diversos chefes de Estado e delegações internacionais estiveram presentes, entre eles, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que já havia se reunido com Cláudia na véspera da posse. 

Ao iniciar seu discurso, Cláudia homenageou o presidente Andrés Manuel López Obrador, lembrando que há exatos 19 anos ele proferiu um discurso que “semeou, para sempre, a luta pela democracia” diante de um julgamento de impeachment “cujo único objetivo foi a tentativa de uma fraude antecipada”. 

A nova presidente lembrou que naquele momento, Obrador disse aos parlamentares: “‘vocês vão me julgar, mas não esqueçam de que a história ainda precisa julgar a vocês e a mim’”. Hoje, completou, “dizemos, com certeza e sem medo de errar, que a história e o povo o julgaram. Andrés Manuel López Obrador é um dos grandes, o mais importante líder político e lutador social da história moderna, o presidente mais querido, só comparável a Lázaro Cárdenas”. 

A nova presidenta também se referiu ao legado dos povos originários mexicanos, dizendo que “a grandeza cultural do México reside nas grandes civilizações que viveram nesta terra séculos antes da invasão espanhola”. 

Nesse sentido, destacou: “não é uma coincidência, mas uma harmonia da história, que ontem a reforma da Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos tenha sido publicada no Diário Oficial da Federação, concedendo plenos direitos aos povos indígenas e afro-mexicanos”. 

A hora das mulheres

Foto: reprodução/redes sociais

“No dia 2 de junho deste ano, o povo do México, de forma democrática e pacífica, disse em voz alta que e é hora de transformação e é hora das mulheres. E hoje, 1º de outubro de 2024, começa a segunda etapa da quarta transformação da vida pública no México”, continuou Claudia Sheinbaum. 

Ela também salientou que “depois de 200 anos de República e 300 anos de colônia — porque antes disso não temos registros claros —, ou seja, após pelo menos 503 anos, pela primeira vez as mulheres passam a liderar os destinos da nossa nação. E eu digo que ‘chegamos’ porque eu não chego sozinha, chegamos todas”. 

Ao traçar um panorama da nação mexicana, seus símbolos e história — em especial a de seus povos originários e de mulheres que lutaram para a construção do país —, a presidenta empossada afirmou: “o México é o dos constitucionalistas de 1917, de Lázaro Cárdenas que distribuiu as terras e expropriou o petróleo; de Margarita Maza, de Adela Velarde que comandou as Adelitas na revolução, de Dolores Jiménez Muro, de Elvia Carrillo Puerto e das sufragistas, de Frida Kahlo e Enriqueta González Bas, a primeira mulher matemática”.

E completou: “o México pertence às mulheres e aos homens livres que ao longo do século 20 lutaram pela democracia, pelas liberdades, pela justiça, aos estudantes de 1968, às centenas de homens e mulheres que não estão aqui hoje, mas dos quais somos herdeiros orgulhosos”.

Cláudia também se referiu aos milhões de concidadãos que vivem nos Estados Unidos. “O México é um país maravilhoso por causa do nosso mosaico cultural, por causa da nossa biodiversidade. O México é maravilhoso graças aos nossos compatriotas, heróis e heroínas que vivem nos Estados Unidos e que, por amor à sua família e ao país, enviam o seu apoio todos os meses”. 

A presidente voltou a reafirmar a força feminina ao dizer que “o México é um país maravilhoso por causa de seu povo generoso, solidário, feliz, resistente, rebelde, sábio e hoje empoderado”. 

Humanismo mexicano

Convidando os presentes à reflexão, Claudia Sheinbaum enumerou algumas das principais conquistas obtidas nos últimos anos, questionando, de maneira retórica: “Como é que 9,5 milhões de mexicanos e mexicanas, segundo o Banco Mundial, saíram da pobreza em apenas seis anos? Como é que, sem aumentar os impostos, as desigualdades foram reduzidas? Como é que somos um dos países menos endividados e com moeda mais forte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico? Como é que somos um dos países com menos desemprego?”. 

A resposta, explicou, “é que mudou o modelo de desenvolvimento do país, do modelo neoliberal fracassado e do regime de corrupção e privilégios, para um modelo que emergiu da história fértil, do amor ao povo e da honestidade do México. Chamamos isso de humanismo mexicano e é por isso que falamos de uma transformação profunda. Com esse pensamento e sua implementação, muitos mitos e enganos do passado caíram”. 

Para exemplificar, pontuou: “durante o período neoliberal, que tanto custou ao povo do México e que marcou a nossa história durante 36 longos anos, dizia-se que o Estado deveria ser diluído ou subordinado às forças de mercado, que se a economia fosse regada de cima, iria atingir os que estão abaixo; que se o salário mínimo aumentasse haveria inflação e não haveria investimento estrangeiro; que se o Estado participasse da economia haveria uma crise econômica e desvalorização; que a corrupção era inerente ao governo; que a liberdade só existe no mercado e que a educação, a saúde, a habitação e os salários justos eram mercadorias e não direitos. Tudo mostrou-se falso. Portanto, para o bem do México, de todos, continuaremos com o humanismo mexicano”. 

Na sequência, ela resumiu os princípios que vêm norteando esse processo de transformação. “Um: para que haja prosperidade, esta deve ser compartilhada, ou seja, para o bem de todos, primeiro o pobres. Segundo, não pode haver governo rico com pessoas pobres”. 

Ela acrescentou que os governantes devem viver sem privilégios, nem podem ser um fardo para o povo. “A isso chamamos austeridade republicana”, destacou, acrescentando ainda que os governantes devem ser honrados e honestos. 

Também pontuou que o princípio máximo democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo. Disse, ainda, que o desenvolvimento e o bem-estar  “só podem ser fortalecidos com o cuidado ao meio ambiente e aos recursos naturais”. 

A presidenta reafirmou a soberania da nação mexicana, acrescentou que a política deve ser feita com amor e não com o ódio e condenou o elitismo, o racismo, o machismo, bem como qualquer forma de descriminação. “Não se trata apenas de uma questão de tolerância, trata-se do reconhecimento de que o aprofundamento das desigualdades conduzirá sempre à injustiça. Irmandade significa ver-nos como iguais”, completou. 

Com relação à política exterior, salientou que seguirá os princípios constitucionais da autodeterminação dos povos, da não intervenção e da resolução pacífica de conflitos. Também disse que “continuaremos a fortalecer a nossa relação econômica e cultural com os países da América Latina e do Caribe. A história e o compromisso nos unem, assim como com os diferentes países e regiões do mundo”. 

Após falar sobre algumas de suas metas de governo, Claudia concluiu seu discurso voltando à questão feminina. Disse que gostaria de salientar o papel não apenas das heroínas conhecidas da nação, mas também das “heroínas anônimas, invisíveis”, as “mulheres indígenas, as trabalhadoras domésticas que saem de suas cidades para nos apoiar”, as bisavós “que não aprenderam a ler e a escrever porque a escola não era para as meninas”, enfim, a todas as “mulheres, heroínas anônimas que em casa, nas ruas ou nos locais de trabalho lutaram para ver este momento”.