Prédio em Beirute reduzido a escombros por bombardeio israelense | Foto: MEE

Depois de dois dias de ataques indisfarçavelmente terroristas – explodindo remotamente bipes e walkie-talkies – que mataram 37 pessoas – inclusive duas crianças e quatro paramédicos – e mutilaram ou feriram milhares no Líbano, o regime Netanyahu bombardeou na sexta-feira (20) o sul de Beirute, arrasando até o solo um prédio residencial de oito andares, no esforço para incendiar todo o Oriente Médio, sabotar qualquer perspectiva de um acordo de cessar-fogo e ainda estender à Cisjordânia o genocídio em curso em Gaza.

E claro, tentar desviar a própria opinião pública israelense, que clama nas ruas pela volta com vida dos cativos em Gaza – acordo de cessar-fogo que só não fecha porque Netanyahu não admite um fim permanente dos combates.

Tudo isso, em última instância para o corrupto premiê escapulir da prisão, em companhia de seus comparsas de crimes, Gvir e Smotrich, e tentar deixar intacto o apartheid israelense, ainda que ao preço de tornar, aos olhos do mundo, Israel em um Estado pária, como era a África do Sul nos anos 1980.

No ataque ao subúrbio de Beirute, 12 pessoas foram mortas – inclusive crianças – e 66 ficaram feridas, segundo o Ministério da Saúde do Líbano. Em resposta ao ataque, a resistência libanesa alvejou a principal sede de inteligência no norte de Israel com foguetes, responsabilizando-a pelas mortes.

A escalada ocorre em paralelo à reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU sobre os ataques terroristas perpetrados por Israel e logo após a Assembleia Geral da ONU, por larga margem, ter aprovado resolução determinando que Israel, nos termos da recente decisão da Corte de Haia, se retire em 12 meses dos territórios ocupados, um passo inadiável para a solução dos Dois Estados. Na AGNU, pela primeira vez a Palestina assumiu seu assento.

Sem dúvida, ataques israelenses, fazendo uso de dispositivos de uso civil, que foram transformados em armas e acionados indiscriminadamente por meio remoto, explodindo em meio ao trânsito, em supermercados e até ambulância, violam as Convenções de Guerra de Genebra e banalizam o mal a novos extremos. Como denunciado pelo chefe de Direitos Humanos da ONU, Volker Türk, que exigiu uma “investigação independente, completa e transparente”.

“O ataque simultâneo a milhares de indivíduos, sejam civis ou membros de grupos armados, sem conhecimento de quem estava de posse dos dispositivos visados, sua localização e seus arredores no momento do ataque, viola, na medida aplicável, o direito internacional humanitário”, disse Turk.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, condenou o uso de “objetos civis” como arma de guerra. O uso de dispositivos de uso civil como explosivos camuflados foi explicitamente rechaçado também pela China, pela Rússia, pelo Brasil, pelo chefe da diplomacia europeia, Borrell, mas não pelo governo Biden, que apenas se posicionou contra uma “escalada” e disse “nada saber com antecedência”.

O Líbano repudiou a “perigosa e deliberada escalada israelense”, com o premiê Najib Mikati rechaçando os ataques como “uma agressão criminosa israelense” e “violação grave da soberania libanesa”.

Na véspera, o gabinete israelense anunciara uma “nova era” da guerra no Oriente Médio, com o “centro de gravidade se movendo para o norte”, segundo o ministro Yoav Gallant, supostamente para trazer de volta dezenas de milhares colonos israelenses que fugiram das áreas próximas ao Líbano e estão albergados em Tel Aviv.

Em pronunciamento ao povo libanês, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, chamou os ataques contra pessoas inocentes usando dispositivos de uso civil de “uma declaração de guerra” de parte do regime israelense. Ele registrou ainda que Israel tentou “matar 5.000 em dois minutos”.

“Em nome de todos aqueles que perderam mártires, que foram feridos, em nome de todos aqueles que lutam em nome de Gaza, dizemos a Netanyahu e Gallant, ao inimigo, que a frente libanesa não vai parar antes que a agressão em Gaza pare”, ele sublinhou.

“Vocês não alcançarão esse objetivo. Vocês não poderão devolver essas pessoas ao norte. A única maneira de fazer isso é parando a agressão a Gaza e à Cisjordânia. Este é o único caminho.”

“A resistência no Líbano não deixará de apoiar o povo de Gaza e da Cisjordânia.”

“Recebemos um golpe severo, mas eu asseguro que nossa estrutura não foi afetada”, declarou. “É verdade que, tecnologicamente, eles são muito inteligentes. Mas também são muito estúpidos, porque nunca conseguem alcançar seus objetivos”, ele acrescentou.

Como de costume, os terroristas baseados em Tel Aviv – aliás, com notório know-how desde o tempo dos bandos Stern e Irgun – adoram classificar como tal aos resistentes do Hezbollah, contando, para isso, com o endosso de Washington e Londres.

Mas, como bem lembrou a agência russa de notícias Ria-Novosti, a organização xiita Hezbollah não é terrorista “como Israel e o Ocidente garantem a todos”. “Esta é uma organização criada por xiitas libaneses em resposta às repetidas invasões do Líbano por Israel (a última foi em 2006 e, antes disso, Israel ocupou o sul do Líbano de 1982 a 2000) e ao colapso do Estado libanês.” Existem cerca de três milhões de xiitas libaneses (dos sete milhões de habitantes do país) – acrescenta a agência -, “e a grande maioria deles apoia o Hezbollah, que é uma estrutura social, econômica e militar”.

Embora o governo de Israel não assuma em público os atos terroristas que comete, não se cansa de vazar para a mídia amiga, a exemplo do New York Times, detalhes de como isso foi feito, a título de exaltação das “façanhas hollywoodianas” do Mossad e seus parceiros. Por tais fontes, já se sabe que o armamento de bipes e walkie-talkies foi anterior à ‘ofensiva do Tet’ palestina de outubro passado e envolveu articulações e empresas de fachada em três continentes.

De acordo com o ministro da Saúde libanês, Firas Abiad, o total de feridos beira os 4 mil, sendo 400 em estado crítico. À BBC ele classificou os ataques de “crime de guerra”. Ele advertiu que “a militarização da tecnologia” foi algo muito sério, não só para Líbano, mas também para o resto do mundo e para outros conflitos. “Agora se tem que pensar duas vezes antes de usar a tecnologia”.

“O mundo inteiro pôde ver que esses ataques ocorreram nos mercados”, diz ele. “Estes foram não pessoas que estavam no campo de batalha lutando. Elas estavam em áreas civis com suas famílias”.

Sobre a extensão dos crimes hediondos contra civis, há numerosos testemunhos de médicos e socorristas libaneses.

Em depoimento ao site Al Mayadeen, o oftalmologista Elias Warrak relatou que em uma noite ele extraiu mais olhos do que em toda a sua carreira. “Eu queria salvar pelo menos um dos olhos das vítimas (para salvar sua visão) e, em alguns casos, não consegui, tive que remover os dois olhos porque as munições haviam entrado direto nos olhos.”

“Foi muito difícil”, diz ele. “A maioria dos pacientes eram homens jovens na casa dos vinte anos e, em alguns casos, tive que remover os dois olhos. Em toda a minha vida eu não tinha visto cenas semelhantes ao que vi ontem.”

Sobre tais ataques, a presidente do PT brasileiro, Gleisi Hoffmann, postou que “Netanyahu volta a chocar o mundo com explosões de aparelhos de comunicação usados por civis no Líbano. É pura perversidade, na escalada de horrores que a extrema direita de Israel impõe ao povo palestino e seus vizinhos. Quanto sangue ainda querem derramar nessa guerra de ódio, vingança e barbárie?”.

Também o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, se manifestou contra “os danos colaterais pesados e indiscriminados entre os civis, incluindo crianças entre as vítimas”.

“Considero esta situação extremamente preocupante. Só posso condenar esses ataques que colocam em risco a segurança e a estabilidade do Líbano e aumentam o risco de escalada na região”, alertou.

Ele também enfatizou que a “União Europeia pede a todas as partes interessadas que evitem uma guerra total, que teria pesadas consequências para toda a região e além”.

Um outro fato escabroso é a data escolhida para os ataques terroristas ao Líbano, que tiveram início no dia 17 de setembro (e prosseguiram nos dias 18 e 19). É que na véspera, 16 de setembro, se completaram 42 anos da chacina de Sabra e Chatila. E, nesse dia, segundo o comentarista e escritor Jamal Kanj, transcrito pelo portal progressista norte-americano Counterpunch, no dia 16 de setembro, os israelenses despejaram panfletos sobre áreas do sul do Líbano, ordenando que os moradores se retirassem ou sofressem as consequências, o que depois foi desautorizado por autoridades militares israelenses.

Para ele, a pergunta que segue sem resposta foi porque o ataque terrorista foi desencadeado em um tarde normal no Líbano, na volta às aulas, e não, como faria mais sentido, como parte de uma invasão, visando desintegrar a capacidade de resposta da resistência nas primeiras 24 horas. O que o levou a considerar que a sofisticada operação acabou sendo “um fracasso”.

Sobre isso, ele registra que há numerosos rumores sobre divergências quanto aos rumos da guerra dentro do regime israelense e inclusive ameaça de troca de ministro da guerra. O que supostamente teria levado o governo Biden a pressionar para adiar uma escalada pelo menos até as eleições de 5 de novembro, inclusive enviando um emissário.  Netanyahu teria agradecido o apoio de Washington, mas insistido em incendiar a região nos seus próprios termos.

Fonte: Papiro