Com maiores marinhas, Rússia e China têm cooperação militar estratégica
Relatório revela que as duas nações são parceiras na Ásia com seus exércitos e marinhas que superam potências ocidentais, e investem entre si para aumentar seu poderio militar.
Marinheiros militares russos participam de uma cerimônia de boas-vindas do exercício conjunto das forças navais em Zhanjiang, província de Guangdong, China, em 14 de julho de 2024. (Foto: Serviço de Imprensa do Ministério da Defesa Russo)
No contexto das potências marítimas globais, a Rússia e a China emergem como protagonistas indiscutíveis, com marinhas que, em termos quantitativos, lideram o ranking mundial. Com base no Military Balance 2024, relatório do The International Institute for Strategic Studies (IISS), a Rússia possui a maior frota naval do mundo, com 790 embarcações, seguida de perto pela China, com 750 navios. Os Estados Unidos, por sua vez, ocupam a terceira posição com 480 embarcações, o equivalente a 60% do contingente russo. Essa distribuição de forças no domínio naval é uma clara evidência da crescente importância estratégica que ambos os países atribuem ao seu poderio naval.
O aumento do poderio naval de Rússia e China, aliado à sua parceria estratégica, representa uma mudança significativa na ordem geopolítica global. Embora a quantidade de embarcações seja um indicador importante, a verdadeira medida do poder naval reside na capacidade de projeção de força, sustentada por tecnologia de ponta e uma doutrina militar eficiente. Neste sentido, a aliança entre esses dois gigantes militares tem o potencial de redefinir as regras do jogo no cenário global, desafiando a supremacia histórica do Ocidente e estabelecendo novos parâmetros para o equilíbrio de poder no século XXI.
Rússia e China: parceria estratégica em ascenso
A relação entre Rússia e China transcende o campo econômico, se expandindo para uma aliança estratégica com implicações significativas na segurança global. Ambos os países, que tradicionalmente mantiveram um forte foco em suas forças terrestres, estão agora investindo pesadamente em suas capacidades navais. A China, com um efetivo de mais de 2 milhões de militares, lidera o ranking global de exércitos terrestres, enquanto a Rússia, com 1,1 milhão de militares, é a quinta maior força terrestre do mundo. No entanto, é no mar que essa parceria assume uma nova dimensão.
A expansão das frotas russas e chinesas, além de refletir a crescente rivalidade com os Estados Unidos, demonstra uma clara intenção de projetar poder além de suas fronteiras regionais. A cooperação entre os dois países, que já se manifestou em exercícios militares conjuntos e em uma crescente troca de tecnologia militar, tem o potencial de alterar o equilíbrio de poder no Oceano Pacífico e no Ártico, regiões estratégicas tanto para a Rússia quanto para a China.
O poder naval: quantidade versus qualidade
Apesar do impressionante número de embarcações russas e chinesas, a qualidade das embarcações é tão crucial quanto a quantidade. O Reino Unido, por exemplo, com apenas 120 navios, possui um poder de combate superior ao do Brasil, décimo colocado, que conta com 130 embarcações, devido à maior sofisticação tecnológica de suas unidades, incluindo submarinos e porta-aviões nucleares.
O Military Balance 2024, do IISS, lembra que, em agosto de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com investimentos de até R$ 1,7 trilhão em todos os setores da economia, incluindo R$ 52,8 bilhões para a defesa. O relatório cita ainda que o Brasil está desenvolvendo submarinos próprios, inclusive de propulsão nuclear.
No caso da Rússia e da China, ambos os países têm feito avanços significativos na modernização de suas frotas, incorporando tecnologias avançadas como submarinos nucleares, destróieres de última geração e, no caso da China, porta-aviões de construção nacional. Esses desenvolvimentos apontam para uma crescente capacidade de projeção de força em teatros de operação distantes de suas costas, o que representa uma ameaça estratégica significativa para seus rivais globais.
Implicações geopolíticas
A expansão das forças navais russas e chinesas ocorre em um momento de crescente tensão geopolítica. No Pacífico, a China busca afirmar seu domínio sobre áreas disputadas no Mar da China Meridional, enquanto a Rússia aumenta sua presença no Ártico, uma região rica em recursos naturais e com rotas marítimas estratégicas. A cooperação entre os dois países nesse cenário aumenta a pressão sobre os Estados Unidos e seus aliados, que agora enfrentam a perspectiva de uma aliança naval rival que pode desafiar sua supremacia marítima.
Além disso, a crescente interdependência entre Rússia e China no campo militar pode levar a uma maior coordenação estratégica, dificultando as ações de contenção por parte do Ocidente. Essa parceria não só fortalece suas respectivas posições regionais, mas também tem o potencial de alterar a balança de poder em conflitos globais, dado o alcance ampliado de suas forças armadas.
Exercícios militares conjuntos, cooperação naval e estabilidade regional
As marinhas da China e da Rússia têm realizado exercícios militares conjuntos no Mar da China Meridional e uma patrulha marítima no Oceano Pacífico, com o objetivo de fortalecer a cooperação militar e promover a estabilidade na região. O exercício denominado Joint Sea-2024 ocorreu no início de julho e incluiram manobras de fogo real e simulações de defesa conjunta, busca e resgate, e defesa aérea. No mesmo período, no mesmo mar, as guardas costeiras dos Estados Unidos e das Filipinas também realizaram um treinamento conjunto, um exercício bilateral de busca e salvamento, de acordo com um comunicado da Marinha dos EUA.
A China reivindica controle sobre quase todo o Mar da China Meridional, incluindo o disputado Second Thomas Shoal, onde as Filipinas mantêm um navio de guerra enferrujado que encalhou deliberadamente em 1999 para reforçar suas reivindicações marítimas e tem sido central em um impasse recente entre os dois países.
Simultaneamente ao exercício, uma patrulha marítima conjunta no Oceano Pacífico também foi conduzida pelas duas nações, Rússia e China. De acordo com o Ministério da Defesa chinês, essa patrulha não tem como alvo terceiros e não está relacionada às atuais situações internacionais ou regionais, destacando a natureza defensiva e cooperativa das operações.
Ambos os países são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU que assumem a responsabilidade de salvaguardar a paz e a estabilidade mundial, ambos os países defendem o verdadeiro multilateralismo e ambos os países se opõem a atos hegemônicos e confrontos de blocos nas relações internacionais, disse Zhang.
Especialistas militares chineses ressaltam que essas atividades navais conjuntas são rotineiras e refletem o compromisso de ambos os países, membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, em salvaguardar a paz e a estabilidade mundial. Eles também afirmam que a cooperação militar China-Rússia se fortaleceu nos últimos anos, particularmente após as sanções dos EUA contra Moscou.
A parceria “sem limites” entre China e Rússia, declarada em 2022, impulsionou significativamente o comércio bilateral, que atingiu um recorde de US$ 240,1 bilhões em 2023, um aumento de 26,3% em relação ao ano anterior. O comércio China-EUA caiu 11,6% no ano passado, para US$ 664,5 bilhões, mostram dados alfandegários chineses.
(por Cezar Xavier)