É mais uma das inúmeras conspirações fracassadas contra Maduro. Pela primeira vez, a inteligência da Venezuela detecta envolvimento do governo espanhol.

Diosdado Cabello abraçado com o presidente da Venzuela, Nicolas Maduro

Na noite deste sábado (14), o ministro do Interior, Justiça e Paz da Venezuela, Diosdado Cabello, anunciou a descoberta e desmantelamento de uma conspiração para desestabilizar o país e atacar representantes do governo. O plano, segundo Cabello, teria sido orquestrado pelos Estados Unidos, com o apoio da Espanha, e incluía a contratação de mercenários para assassinar o presidente Nicolás Maduro, a vice-presidente Delcy Rodríguez, e o próprio ministro. “Contrataram mercenários da Europa de Leste, americanos, que procuram atacar a Venezuela”, afirmou Cabello em entrevista à Telesur.

O ministro revelou que o grupo envolvido foi preso e apresentou um lote de 400 armas apreendidas, incluindo fuzis e pistolas, supostamente provenientes dos EUA. As armas teriam sido transportadas em contêineres disfarçados de cargas legais, como ração para cães, e montadas por grupos internos responsáveis por equipar os mercenários. Entre os detidos, estão o soldado norte-americano Wilber Joseph Castañeda, suspeito de liderar a operação, além de outros dois cidadãos dos EUA, Estrella David e Aaron Barren Logan, acusados de planejar ataques cibernéticos.

Dois espanhóis, José María Basoa e Andrés Martínez, também foram detidos, acusados de recrutar mercenários e planejar assassinatos de líderes venezuelanos. Um cidadão checo, identificado como mercenário, foi preso com documentos que, segundo Cabello, ligam a oposição venezuelana ao complô. Ele destacou os nomes de opositores como María Corina Machado, Julio Borges, e Carlos Vecchio como parte das comunicações apreendidas com o grupo.

Os governos dos Estados Unidos e da Espanha se pronunciaram no domingo (15), negando as acusações de Cabello. O Departamento de Estado dos EUA classificou as alegações como “categoricamente falsas”, enquanto o governo espanhol confirmou a detenção dos dois cidadãos, mas negou qualquer envolvimento de seus serviços de inteligência.

A conspiração se junta a uma longa lista de tramas denunciadas pelos governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro nas últimas duas décadas. A inclusão do Centro Nacional de Inteligência da Espanha (CNI) como parte desse suposto complô marca uma novidade, com Cabello afirmando que os espanhóis presos confessaram sua participação no plano para assassinar líderes do governo venezuelano.

Cabello prometeu agir com rigor e disse que usará todos os mecanismos para repelir e derrotar os grupos de mercenários, garantindo que a paz e segurança da Venezuela serão mantidas.

A prisão dos envolvidos acontece em meio a crescentes tensões entre Venezuela, Estados Unidos e Espanha, agravadas por recentes sanções impostas pelos EUA e pelo reconhecimento simbólico do Congresso espanhol de um rival de Maduro como presidente eleito da Venezuela.

Essa nova crise diplomática promete aumentar a pressão sobre o governo de Nicolás Maduro, que já enfrenta uma série de desafios internos e internacionais.

Sete golpes e muitas conspirações derrotadas

São muitos os indicadores de que a corrente liderada por María Corina Machado já tinha estruturado um “plano B” antes mesmo das eleições na Venezuela. Caso a vitória nas urnas não fosse alcançada, a alternativa seria uma operação de desestabilização e golpe, uma estratégia que já foi repetida diversas vezes no país.

Desde a chegada de Hugo Chávez ao poder, em 1999, a Venezuela já passou por sete tentativas de golpe de Estado, incluindo o golpe de 11 de abril de 2002, que destituiu brevemente Chávez por 48 horas. O retorno triunfal de Chávez ao poder, no dia 13 de abril, consolidou um ditado popular no país: “Depois do onze, sempre há o treze”, significando que, após um golpe, há uma reação popular que o derrota.

Esse lema se tornou mais relevante diante dos eventos recentes, quando o chavismo voltou a reagir a manifestações violentas promovidas por grupos de extrema direita. Desde a manhã de segunda-feira, opositores montaram bloqueios em todo o país, conhecidos localmente como “guarimbas”, com mais de 60 focos de violência registrados até a manhã de terça-feira. Esses bloqueios, que têm como objetivo paralisar o país e promover o desgaste do governo de Nicolás Maduro, incluem o fechamento de vias importantes, como o acesso ao aeroporto, além de ataques a instituições e símbolos chavistas.

Nos últimos dias, estátuas de Hugo Chávez foram derrubadas e edifícios públicos foram alvo de ataques, em uma escalada que remete a episódios de violência semelhantes em outros países, como as invasões ao Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021. A tática das guarimbas ganhou força em 2017, sendo uma ferramenta central da extrema direita para provocar repressão governamental, aumentar a pressão internacional e, por fim, impulsionar um golpe de Estado contra Maduro.

Há uma longa história de tentativas dos EUA de interferir em governos que desafiam sua hegemonia, especialmente na América Latina, e, agora, principalmente na Venezuela. Da Guatemala de Efraín Ríos Montt ao Chile de Augusto Pinochet e à Argentina de Jorge Rafael Videla, o padrão é claro: quando os interesses econômicos e estratégicos dos EUA estão em jogo, a defesa da democracia parece ficar em segundo plano.

Desde o governo Bush, que apoiou um golpe fracassado em 2002, até as sanções impostas pelo governo Trump e a recente tentativa de reconhecimento de Juan Guaidó como presidente interino. Essa postura é vista por muitos como parte de um esforço contínuo para desestabilizar a Venezuela, que possui as maiores reservas de petróleo do mundo e líderes que desafiam o capitalismo e os interesses norte-americanos.

Como revelou o ex-diretor do FBI Andrew McCabe, em uma reunião com autoridades de inteligência em 2017, Trump perguntou por que os EUA não estavam em guerra com a Venezuela, se “eles têm todo esse petróleo e estão bem no nosso quintal”.

Imagine como seria a reação nos Estados Unidos se o governo venezuelano estivesse envolvido em uma operação para sequestrar o presidente norte-americano. Seriam manchetes em todos os principais veículos de imprensa, com a elite política e midiática clamando por retaliação. O debate sobre segurança nacional ganharia espaço, e a reação militar seria imediata, provavelmente com ações contra a Venezuela.

As tentativas (fracassadas) de golpe são perenes. Um exemplo escandaloso ocorreu em maio de 2020, quando dois ex-soldados americanos das forças especiais, Luke Denman e Airan Berry, foram capturados ao tentar desembarcar clandestinamente na Venezuela. Eles confessaram, em frente às câmeras, que faziam parte de uma conspiração para sequestrar o presidente Maduro. No mesmo dia, um vídeo gravado nos EUA revelou a conexão dos homens com uma empresa de segurança privada, supostamente envolvida em uma trama para remover Maduro do poder.

Dois dias após o ocorrido, o ministro das Relações Exteriores dos EUA fez uma coletiva para negar envolvimento direto do governo Trump na operação. Ele ironizou que, se estivessem por trás da ação, o resultado teria sido diferente, uma declaração que soou mais como uma provocação do que uma negação firme.

As autoridades venezuelanas descreveram a operação como um “desembarque mal feito” na praia de Chuao. Vídeos divulgados na época mostraram os homens confessando a intenção de capturar Nicolás Maduro, evidenciando ligações com a empresa de segurança privada Silvercorp USA, dirigida por Jordan Goudreau, ex-soldado americano.

O governo Trump seguiu uma política agressiva de sanções contra Caracas, mesmo durante a pandemia da covid-19. Embora houvesse apelos internacionais, incluindo do Papa Francisco e do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, para suspender as sanções e permitir que a Venezuela enfrentasse a crise de saúde, os EUA mantiveram sua estratégia de pressão máxima.

As tensões entre Venezuela e EUA, historicamente intensificadas por questões políticas e econômicas, revelam que os interesses em jogo vão além de qualquer falsa preocupação com a democracia e os direitos humanos. A Venezuela, detentora das maiores reservas de petróleo do mundo, tem sido alvo de ações de desestabilização incentivadas por Washington, muitas vezes sob a justificativa de mudança de regime.

O caso da operação fracassada de 2020 e o silêncio midiático que se seguiu demonstram a forma como os Estados Unidos tratam suas relações internacionais de forma assimétrica, especialmente quando o petróleo está em jogo. O futuro da Venezuela permanece incerto, mas a hostilidade de Washington contra o chavismo parece ser uma constante, enquanto o povo venezuelano continua a pagar o preço das sanções e da instabilidade.

(por Cezar Xavier)