Foto: reprodução/Canva

Nove em cada dez brasileiros avaliam que as empresas responsáveis pelas redes sociais, as chamadas big techs, não protegem adequadamente crianças e adolescentes e 75% concordam que esse público passa muito tempo no ambiente virtual. Os dados fazem parte de pesquisa feita pelo Instituto Alana em parceria com o Datafolha. 

A pesquisa recém-divulgada também destaca que a grande maioria da população acredita que o uso da internet e das redes causa problemas a crianças e adolescentes: 93% do total dizem que elas ficam viciadas e 92% acham que é difícil, para essa faixa etária, se defender sozinha de violência e conteúdos inadequados. 

“Esses dados refletem o que pais, mães e responsáveis vivenciam diariamente: a sensação de que as empresas de tecnologia estão falhando em cumprir o compromisso de garantir os direitos de crianças e adolescentes, com prioridade absoluta, conforme estabelecido no artigo 227 da Constituição Federal”, explica Maria Mello, coordenadora de Digital do Instituto Alana. 

O dispositivo constitucional estabelece que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. 

No que diz respeito à legislação específica sobre o tema, oito em cada dez brasileiros acreditam que a legislação nacional oferece menos proteção do que em outros países e sete em cada dez avaliam que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) não tem sido efetiva no combate à publicidade infantil.

Maria Mello argumenta que atualmente a legislação brasileira já obriga as empresas a protegerem as crianças da exploração comercial na internet. No entanto, a realidade tem mostrado que é necessário avançar na criação de um arcabouço legal e de medidas focado nessa questão, dado o espaço que o acesso à internet ganhou na vida das pessoas nas últimas décadas. Para ela, os dados revelam  “a urgência de mudanças”.

De acordo com Maria Mello, “os produtos e serviços digitais que utilizamos, em grande parte, são desenvolvidos por empresas situadas no Norte Global que, frequentemente, optam por ignorar a legislação vigente, em nome de uma suposta liberdade de expressão que eles só defendem em determinados países, e não nos seus de origem. Vimos isso acontecer recentemente no caso do X/Twitter. E vemos acontecer todos os dias em relação aos direitos das crianças”. 

Ela completa dizendo que “hoje, temos uma grande assimetria em relação ao que os pais e responsáveis podem fazer para proteger seus filhos na internet e o que as empresas são capazes de fazer. Não faz sentido seguirmos sobrecarregando as famílias enquanto as empresas passam ilesas, lucrando com a exploração comercial de nossas crianças”.

Maria lembra o caso dos sites de apostas esportivas, que viraram uma febre no Brasil. “Temos visto isso acontecer no caso das Bets, que contratam influenciadores mirins, alguns dos quais sequer têm idade suficiente para estar na plataforma, para divulgar apostas online para outras crianças e adolescentes. As empresas sabem que isso está acontecendo e não tomam providências porque elas lucram com isso.”

Política nacional de proteção

Diante da necessidade de ampliar os mecanismos de proteção a esse público, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, emitiu, em abril deste ano, a Resolução 245, que pede ao governo brasileiro a criação de uma política nacional de proteção dos direitos das crianças e adolescentes no meio digital.

Segundo a resolução, a política nacional deve contar com ações conjuntas, integradas e multissetoriais para o enfrentamento e erradicação “de todos os tipos de violência, abuso e exploração no ambiente digital de crianças e adolescentes, promoção do uso equilibrado e positivo de equipamentos digitais, manutenção e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, inclusão digital, cultura de proteção de dados, educação midiática”. 

Entre outros pontos, a resolução também trata do dever de cuidado e das responsabilidades das empresas provedoras de produtos e serviços digitais. Como parte desse dever, estabelece que “as empresas provedoras de produtos e serviços digitais utilizados por crianças e adolescentes, em funcionamento no Brasil, inclusive aquelas sediadas no exterior, são responsáveis pela implementação e garantia dos direitos deste público, nos ambientes digitais por elas produzidos e regulados”. 

O Conanda ainda defende no texto que “a responsabilização das empresas pela violação dos direitos de crianças e adolescentes em ambiente digital está pautada na legislação vigente relacionada às obrigações empresariais e à garantia dos direitos desses indivíduos”.