Desmatamento causado pelo garimpo na região amazônica. Foto: Nacho Doce/Agência Brasil

O Brasil tem 100 grandes municípios cuja extensão soma 37% do território nacional, numa área de tamanho equivalente ao da Índia. Entre janeiro de 2021 e julho de 2024, essas cidades perderam 22 mil km² de vegetação nativa — 38,4% do desmatamento registrado no Brasil no período. Uma área do tamanho de El Salvador. 

E, como resultado desse cenário, esses municípios estão entre os mais diretamente afetados pelas mudanças climáticas e entre os mais sujeitos à intensificação das secas e queimadas. Essas são algumas das informações relatadas no levantamento “Os Gigantes”, lançado nesta quinta-feira (5) pelo De Olho nos Ruralistas, observatório que acompanha a atuação do agronegócio no Brasil. 

Em meio às sucessivas e constantes tragédias ambientais que historicamente assolam o país, à rápida e expressiva piora nos impactos da crise climática no mundo e considerando que o Brasil terá eleições municipais dentro de um mês, o documento procura alertar para a relação entre a situação desses locais e os graves problemas enfrentados por todo o país nessa área, explicitando também como o poder político, especialmente o local, agride o meio ambiente. 

“Esta é uma fatia decisiva e esquecida do Brasil”, alerta o diretor do observatório, Alceu Luís Castilho. “Esses municípios costumam ficar fora da cobertura eleitoral, diante da ênfase nos grandes centros urbanos, mas a importância ambiental deles é gigantesca. O impacto deles é planetário”, acrescenta.

A importância desses municípios pode ser verificada em alguns números. Juntos, eles possuem quatro milhões de habitantes, entre os quais estão 412 mil indígenas e 35 mil quilombolas; 77 desses 100 são suscetíveis a grandes desastres geo-hidrológicos, como o que devastou o Rio Grande do Sul em maio. Até 5% da população vivem em áreas de risco para inundações, enxurradas e deslizamentos, num total de 195 mil pessoas. E, de toda a população que vive nesses gigantes, 73% são de pessoas pretas ou pardas. 

Intensificação de secas e queimada

Fonte: Os Gigantes/De Olho nos Ruralistas

No que diz respeito à suscetibilidade desses “gigantes” à intensificação de secas e queimadas, dez deles estão entre os municípios que mais perderam superfície de água em 2023 em relação à média histórica. E o Pantanal lidera esse lamentável ranking, com Corumbá (MS), Cáceres (MT), Aquidauana (MS) e Poconé (MT), que perderam juntos 5.442 km²— uma massa de água 3,5 vezes maior que a do município de São Paulo, de acordo com o estudo. 

Cabe destacar, também, que 94 deles estão na Amazônia Legal e representam 29 dos 52 integrantes da lista prioritária do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), relançado em 2023 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após paralisação no governo de Jair Bolsonaro (PL). 

O levantamento aponta, ainda, que 17 estão entre os 30 municípios que mais emitiram gases do efeito estufa em 2023 — decorrente, em grande parte, da conversão de florestas em pastos, que é a principal causa de desmatamento. 

Esses gigantes contam com nove dos dez maiores rebanhos bovinos do país, somando 30 milhões de cabeças de gado, 12% da criação nacional. Em média, 6,88 cabeças por habitante contra um índice nacional de 1,15. Os municípios com o maiores rebanhos são São Félix do Xingu (PA), Altamira (PA), Porto Velho (RO), Ribas do Rio Pardo (MS) e Novo Repartimento (PA). 

Coronéis do Centrão

Quando a lupa do estudo volta-se ao comando político sobre esses territórios, conclui que 89 dos 100 são comandados por partidos do Centrão — como se convencionou chamar a tradicional, fisiológica e patrimonialista direita brasileira. Somente o União Brasil controla 35 municípios, seguido pelo MDB, com 29. Apenas dois são administrados pelo PT. 

Além disso, constata que somente 48 têm secretarias ou órgãos específicos para o meio ambiente, com dotação orçamentária própria. “Nos demais, a gestão ambiental é compartilhada com outras áreas: 30 possuem secretarias de Meio Ambiente e Agricultura, Mineração ou Turismo”, pontua o levantamento. 

Também fica explícito o quão rentável o negócio do desmatamento é para os ruralistas. Segundo os dados colhidos, desses municípios analisados, 55 prefeitos e vices possuem imóveis rurais ou empresas agropecuárias. “Entre eles, há um grupo ainda mais seleto: o dos que possuem patrimônio superior a R$ 1 milhão. Os milionários do agronegócio estão em 34 prefeituras, distribuídas em sete estados. O líder é o Mato Grosso, onde 15 municípios têm prefeitos e vices ligados ao setor agropecuário — entre os 20 presentes na lista dos Gigantes”. 

O Pará aparece na sequência, com nove e os quatro municípios do Mato Grosso do Sul listados entre os cem maiores do país são governados por fazendeiros. Em Altamira (PA), Brasnorte (MT) e Eirunepé (AM), tanto o prefeito como o vice possuem patrimônio rural e são milionários. 

O estudo destaca que “entre os quinze municípios que mais desmataram no Brasil entre janeiro de 2021 e julho de 2024 (período com dados disponíveis para o último mandato municipal), sete são geridos por milionários do agronegócio. Eles representam 44,1% da área total desmatada nos cem Gigantes. Essa área soma 22.142,15 km² — 38,4% da perda florestal brasileira no período, uma área equivalente à do território de El Salvador. Os dados são do sistema MapBiomas Alerta”. 

O relatório também aponta a relação entre esses gigantes e a mineração. Entre os cinco principais municípios dos 100 que mais exploram a atividade, tendo como parâmetro o tamanho das terras exploradas, são Itaituba (PA), Jacareacanga (PA), Peixoto de Azevedo (MT), Oriximiná (PA) e São Félix do Xingu (PA). 

Dentre os exemplos de deterioração causada pela atividade, o estudo ressalta que em 2022, um laudo do Instituto das Águas da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) constatou que “plumas de sedimentos dos garimpos de Jacareacanga e Itaituba chegaram até Santarém, na foz do Rio Tapajós, escurecendo as águas de Alter do Chão, um dos principais pontos turísticos do estado, conhecido como ‘Caribe Amazônico’. Os detritos percorreram mais de 700 quilômetros em relação ao ponto de origem”. O caso está sendo investigado pelo Ministério Público Federal. 

Após fazer um amplo e profundo apanhando da situação desses gigantes e o impacto que as atividades rurais e de mineração lá empreendidas têm no desmatamento e, consequentemente na crise ambiental, o levantamento conclui enfatizando: “Para que alguns lucrem é necessário que toda a população arque com os prejuízos. Não são apenas os extrativistas e pescadores que perdem seu sustento em decorrência da seca e das queimadas. A urbe sufoca com a fumaça. De Porto Velho a Florianópolis, de Fortaleza a Ribeirão Preto. O Brasil inteiro vê seu direito mais básico — o de respirar e existir — minado pela sede de dinheiro”. 

Para ler a íntegra do relatório, clique aqui.