Espuma causada pela explosão do Nord Stream se acumula na superfície | Foto: Ministério da Defesa da Dinamarca

Washington e Berlim estão tentando se livrar da sua responsabilidade por sabotar o gasoduto Nord Stream, disse a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, ao jornal russo Izvestia.

“Porque a principal tarefa do Ocidente é se absolver de qualquer responsabilidade por sabotar o Nord Stream”, disse a porta-voz, quando solicitada a comentar a “investigação alemã” sobre a destruição do gasoduto há quase dois anos atrás e a recente reportagem do The Wall Street Journal (WSJ) requentando com novos detalhes uma história já apresentada pelo The New York Times no ano passado.

O óbvio intuito da reportagem é diluir a repercussão da denúncia, feita pelo premiado jornalista norte-americano Seymour Hersh, que expôs Mi Lai no Vietnã e Abu Graib no Iraque, de que se tratou de uma operação ordenada pessoalmente pelo presidente Biden e executada por mergulhadores norte-americanos, usando como cobertura manobras da Otan no Báltico.

Já segundo a matéria do WSJ, que cita fontes “não identificadas”, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky inicialmente teria aprovado um plano para sabotar os gasodutos Nord Stream e Nord Stream-2, mas depois tentou revogá-lo após a CIA descobrir.

Então, a pedido da CIA, o líder ucraniano chegou a anunciar o cancelamento da operação – ou seria “atentado”? -, mas o então comandante militar ucraniano Valery Zaluzhny, atualmente embaixador em Londres, não apenas ignorou sua decisão, mas também ajustou o plano original, segundo o jornal.

Em particular, Zaluzhny envolveu Roman Chervinsky, um ex-oficial do principal serviço de segurança e inteligência da Ucrânia, na organização do ataque.

Na quarta-feira, o jornal Suddeutsche Zeitung (SZ) asseverou, citando uma investigação conjunta com a televisão ARD e o semanário Die Zeit, que promotores federais alemães emitiram um mandado de prisão para um instrutor de mergulho ucraniano suspeito de ter desempenhado um papel na sabotagem dos gasodutos Nord Stream, que está desaparecido e visto pela última vez na Polônia, um certo “Volodymyr Z”.

Os promotores alemães também estariam investigando dois outros instrutores de mergulho ucranianos, incluindo uma mulher. Os três seriam suspeitos de terem formado a tripulação do iate Andrômeda, embarcação que teria sido usada para levar os explosivos aos gasodutos.

Nem todos os comentários sobre a descoberta, pelo WSJ, do esforço para “evitar o atentado” da CIA – logo a CIA e, ainda mais, depois daquelas famosas declarações do presidente Biden praticamente anunciando a explosão –, foram tão comedidos quanto os de Zakharova.

WSJ E A BEBEDEIRA DOS TERRORISTAS

A RIA-Novosti, agência de notícias russa, através de coluna assinada por Victoria Nikiforova, ironizou a situação, manchetando que “americanos e alemães estão afogando [o regime de] Kiev a quatro mãos”, e ridicularizando o “não fui eu”, “não sei de nada” que ecoa de Kiev a Washington, passando por Londres e Bruxelas.

“Os líderes do regime nazista justificam-se com medo – não, não explodimos o Nord Stream 2!”-, mas o Wall Street Journal “tem todos os movimentos registrados. Eles sabem exatamente como isso aconteceu”, ela destaca.

“Acontece que a decisão de destruir o oleoduto russo-alemão no fundo do Mar Báltico foi tomada enquanto estavam bêbados. Numa noite de maio de 2022, embriagados após beber muito, alguns oficiais das Forças Armadas Ucranianas e empresários ucranianos que se juntaram a eles decidiram que seria legal explodir o Nord Stream”, ela comenta os “achados” do WSJ.

“Sob o controle de um certo general, eles arrecadaram trezentos mil dólares, encontraram mergulhadores, entraram na Polônia, trouxeram centenas de quilos de explosivos para lá, transportaram-nos com calma até o porto, alugaram o iate Andrômeda, penduraram nele a bandeira ucraniana (para que ninguém tivesse dúvidas) e partiram para realizar um grandioso ataque terrorista. Toda a operação foi supervisionada por Valery Zaluzhny”.

E continua a ferina narrativa de Nikiforova sobre as recentes descobertas de Washington e Berlim. “Vladimir Zelensky sabia tudo sobre este plano e aprovou. Quando a CIA soube da operação iminente, os americanos ligaram para o chefe nazista e disseram: “Não há necessidade”. E ele prometeu cancelar a explosão. No entanto, Zaluzhny não deu ouvidos a Zelensky. Como resultado, em 26 de setembro de 2002, dois ramais do Nord Stream explodiram. A Europa ficou sem gás russo.”

A colunista nem se deu ao trabalho de comentar que, ao mesmo tempo, os europeus, e especialmente os alemães, ao invés do gás bom e barato russo, tiveram de passar a pagar quatro ou cinco vezes mais pelo gás da liberdade, de fracking, aos monopólios norte-americanos, e a desindustrialização como um cupim passou a roer a bonança alemã.

“O que são esses mergulhadores milagrosos mágicos que podem mergulhar oitenta metros e ficar horas no fundo, prendendo explosivos em oleodutos? O WSJ explica-nos que esses mergulhadores treinaram na Crimeia até 2014 e havia golfinhos de combate na base ucraniana de lá. Bem, os golfinhos, claro, explicam muita coisa”, continua a colunista.

“O raciocínio de que, ao deixarem o Andrômeda, os terroristas milagrosos não se limparam, é simplesmente mágico e, como resultado, as forças de segurança alemãs encontraram explosivos, vestígios de DNA e impressões digitais de todos os membros da tripulação.”

Para Nikiforova, toda essa ficção foi para desviar a atenção sobre Biden. “Só os americanos tinham todos os meios técnicos para realizar uma operação tão complexa, e só eles trouxeram enormes benefícios reais – esmagaram o mercado europeu do gás”.

Apesar dos evidentes prejuízos à Rússia, os países que supostamente investigaram a explosão dos gasodutos – Noruega, Suécia e Dinamarca – jamais divulgaram seus achados e não permitiram que Moscou participasse da inquirição.

NYT NAS TRINCHEIRAS

Em março do ano passado The New York Times apareceu com a curiosa versão que atribuía o atentado a “terroristas ucranianos não estatais” pró-Kiev e não mergulhadores da Marinha dos EUA, e quase simultaneamente o jornal alemão Die Zeit anunciou a “descoberta” de um iate alugado e usado na explosão, versão agora revista e ampliada pelo WSJ.

De acordo com Hersh, a CIA recebera a incumbência de preparar uma reportagem de capa em colaboração com a inteligência alemã para plantar uma “versão alternativa” das explosões do Nord Stream 2 na mídia norte-americana e também na alemã, com o objetivo de “produzir um apagão” da exposição (em fevereiro) do papel de Washington – isto é, Biden – no atentado.

Quando Biden disse explicitamente que “se a Rússia invadir […] não haverá mais um Nord Stream 2. Vamos acabar com isso.”

Não é segredo a obscena intimidade entre The New York Times e a CIA, e o jornal se viu forçado a admitir ter deixado a CIA “revisar” certas histórias antes de publicá-las. As famosas manchetes de primeira página, com as mentiras fornecidas a Judith Miller pela CIA, nas semanas que antecederam a invasão do Iraque.

CRONOGRAMA

De acordo com Hersh, a decisão de sabotar os gasodutos foi tomada pelos EUA em dezembro de 2021, dois meses antes do início da operação russa na Ucrânia. Os explosivos foram colocados em junho por mergulhadores, usando como cobertura as manobras anuais da Otan no Báltico, coincidentemente ao largo da ilha de Bornholm. Coube a um avião de vigilância P8 norueguês lançar no local uma boia de sonar em 22 de setembro, que acionou as explosões horas depois.

Segundo o jornalista, a decisão do governo norte-americano de sabotar os gasodutos ocorreu “após mais de nove meses de debates altamente secretos dentro da comunidade de segurança nacional de Washington” e que a missão levou todo esse tempo não “por uma questão de não a cumprir”, mas sim “como realizá-la sem nenhuma pista clara de quem era o responsável”.

CUI BONO?

Em setembro do ano passado, quando se completou o primeiro aniversário do atentado, Hersh voltou ao tema, enfatizando que “a administração Biden explodiu os gasodutos, mas estas ações não tiveram nada a ver com vencer ou acabar com a guerra na Ucrânia”, mas sim “por causa do receio da Casa Branca de que a Alemanha hesitasse em cortar o fluxo de gás russo e que Berlim, e depois a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) caíssem, por razões econômicas, sob a influência da Rússia e dos seus vastos e baratos recursos naturais”.

Por sua vez, o secretário de Estado Antony Blinken, no auge da crise energética na Europa, classificou-a como “uma tremenda oportunidade para remover de uma vez por todas a dependência da energia russa e, assim, tirar de Vladimir Putin a armação da energia como meio de avançar em seus desígnios imperiais. Uma tremenda oportunidade estratégica”, de acordo com Hersh.

É também o veterano jornalista que cita uma especialista em energia para dimensionar a perda sofrida pelos europeus. “As importações alemãs de gás atingiram o pico um mês depois [da explosão do Nord Stream], em outubro, 10 vezes os níveis anteriores à crise. Os preços da eletricidade em toda a Europa subiram e os governos gastaram até 800 bilhões de euros, segundo algumas estimativas, protegendo famílias e empresas do impacto”.

REALIDADES ALTERNATIVAS

Como assinala Nikiforova, a plantação na mídia ocidental faz com que aos olhos da comunidade internacional “os líderes do regime de Kiev revelaram-se os autores do ataque terrorista que levou a uma queda acentuada do nível de vida na Europa, ao colapso da indústria alemã e ao abandono de afogamento de investimentos alemães multibilionários”.

Zaluzhny – que supervisionou a operação – disse que Zelensky não conseguiu evitar. E seus amos de Washington estão completamente fora do script. Olaf Scholz também parece não ter nada a ver com isso: “Não é minha culpa”.

“Aí está a resposta aos políticos alemães que perguntaram a Scholz o que ele sabia sobre os preparativos para as explosões no Nord Stream. Eu não sabia de nada. Todos são mergulhadores milagrosos com bandeira ucraniana.”

Ainda sobre os exercícios de realidades alternativas difundidos desde Washington, Hersh reiterou que “não há evidências de que algum repórter designado para lá tenha perguntado ao secretário de imprensa da Casa Branca se Biden fez o que qualquer líder sério faria: formalmente ‘encarregar’ a comunidade de inteligência americana de conduzir uma investigação profunda, com todos os seus ativos, e descobrir quem cometeu o ato no Mar Báltico.”

“Segundo uma fonte da comunidade de inteligência, o presidente não fez, nem fará tal investigação”, afirmou o jornalista. “Por que não? Porque ele sabe a resposta. E a verdade em questão é que o presidente Joe Biden autorizou a destruição dos gasodutos”.

CHEIRO DE FICÇÃO RUIM

O ex-agente da CIA, Larry Johnson, e respeitado blogueiro na atualidade, não se conteve sobre o artigo do WSJ. “Uma noite de bebedeira, um iate alugado: a verdadeira história da sabotagem do gasoduto Nord Stream. Você sabe que está lidando com ‘profissionais’ reais quando tem um grupo que está misturando uma explosão de bebida com altos explosivos (supostamente).”

O ex-agente acrescentou que o artigo do WSJ foi escrito “com o incentivo e apoio da CIA”. “Primeira grande pista? O artigo insiste que a CIA alertou os ucranianos para não explodirem o Nord Stream.”

“O artigo do WSJ cheira a ficção ruim. É a Ilha de Gilligan no Mar Báltico. O artigo do WSJ ignora os desafios técnicos e a experiência necessária para plantar explosivos em águas profundas. Isso não é mergulho no Caribe. Estou mantendo o relato de Sy sobre o que aconteceu”.

De Kiev, o principal assessor de Zelensky, Mikhail Podolyak, insistiu em que a Ucrânia “não tem nada a ver com as explosões do Nord Stream”, acrescentando que Kiev não obteve nenhuma vantagem estratégica ou tática com a sabotagem. Enquanto que, de Londres e botando as barbas de molho, o embaixador-general classificava tudo como uma “provocação”.

Fonte: Papiro