Getúlio Vargas após a revolução de 1930, que iniciou a Era Vargas e Traslado do corpo de Getúlio Vargas do Rio de Janeiro para o enterro em São Borja. Fotos: Claro Jansson e Arquivo Nacional

Em 24 de agosto de 1954, o Brasil foi sacudido por uma tragédia que reverberaria por décadas. Naquela madrugada, o presidente Getúlio Vargas, cercado por uma crise política insustentável e pressões insuportáveis, tirou a própria vida no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, então sede da Presidência da República. Seu suicídio foi o ato final de uma trajetória que transformou profundamente o Brasil e que ainda hoje suscita debates acalorados sobre seu legado e o destino da nação.

O tiro que Vargas disparou contra si próprio reverberou como um grito de resistência contra as forças que, segundo ele, conspiravam para entregar o Brasil ao imperialismo e às elites que se opunham à emancipação econômica do país. Sua famosa carta-testamento, lida em rádios por todo o país, expressou a essência de sua luta: “Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.”

O legado de Vargas: industrialização e direitos trabalhistas

Quando Getúlio Vargas chegou ao poder, em 1930, o Brasil era um país essencialmente rural, com uma economia dominada pelas oligarquias do Partido Republicano Paulista (PRP) e do Partido Republicano Mineiro (PRM). No entanto, ao longo dos anos de seu governo, Vargas transformou o Brasil, iniciando um processo de industrialização que mudaria para sempre a estrutura econômica e social do país. Em 1955, um ano após sua morte, a produção industrial já representava 30% do PIB, um salto significativo em relação aos 10% de 1930.

Vargas não apenas impulsionou a economia, mas também consolidou direitos trabalhistas que se tornariam pilares da legislação brasileira. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sancionada em 1943, foi um marco na proteção dos direitos dos trabalhadores, dando-lhes acesso à cidadania através dos direitos sociais. A criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 1930, e a fundação de empresas estatais como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Petrobrás e a Eletrobrás, foram exemplos de como Vargas buscou fortalecer o papel do Estado na economia e garantir a soberania nacional.

A tensão política e o golpismo

No entanto, a trajetória de Vargas não foi isenta de controvérsias. Entre 1937 e 1945, ele governou o Brasil sob uma ditadura conhecida como Estado Novo, período marcado por forte repressão aos movimentos comunistas e pela centralização do poder. Mesmo assim, ao retornar ao poder em 1951, Vargas se viu cercado por uma oposição feroz, especialmente por parte das elites econômicas e políticas que viam suas políticas nacionalistas como uma ameaça.

O episódio do atentado da Rua Toneleiros, em 5 de agosto de 1954, onde um major da Força Aérea Brasileira foi morto, intensificou a crise. As suspeitas de envolvimento do governo no crime deram munição aos seus opositores, que pressionaram Vargas a renunciar. Incapaz de encontrar uma saída política, Vargas optou pelo suicídio, um ato que, paradoxalmente, adiou por uma década o golpe militar que viria em 1964.

O fim da “Era Vargas” e as cicatrizes do golpismo

Quarenta anos após o suicídio de Vargas, em 1994, o então presidente Fernando Henrique Cardoso celebrava, em seu discurso de despedida do Senado, o fim da “Era Vargas”. Para a elite econômica, era o encerramento de um ciclo de intervencionismo estatal e proteção trabalhista, que consideravam um entrave ao “progresso”. No entanto, a memória de Vargas e sua luta pela soberania nacional continuam a inspirar aqueles que resistem às políticas de desmonte do Estado e de direitos sociais, iniciadas na década de 1990 e reavivadas nos anos recentes.

O espectro do golpismo, que assombrou Vargas até seus últimos dias, nunca deixou de pairar sobre o Brasil. Em 2016, com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, muitos viram o ressurgimento dessas forças, agora com uma nova roupagem, mas com o mesmo objetivo de desmantelar o legado de Vargas: a soberania nacional e a proteção dos direitos dos trabalhadores.

Setenta anos após sua morte, Getúlio Vargas permanece uma figura central na história do Brasil. Seu legado de industrialização, direitos trabalhistas e soberania nacional ainda ressoa em um país que, vez por outra, se vê dividido entre os caminhos do desenvolvimento autônomo e a submissão aos interesses externos. A história de Vargas nos lembra que as lutas pelo futuro do Brasil estão longe de ser uma página virada e que o eco de seu tiro no Palácio do Catete continua a ressoar nos corações e mentes dos brasileiros.

(por Cezar Xavier)