Revolta em Bangladesh coloca no poder Yunus, amedalhado pela Casa Branca
A reviravolta em Bangladesh, fuga da primeira-ministra Sheik Hasina e nomeação de um governo interino encabeçado por um “banqueiro dos pobres” agraciado com a maior condecoração dos EUA e treinado em escolas americanas, certamente continua dando muito que falar e, depois de um comentarista próximo ao governo Modi, Chan Akya, apresentar seu diagnóstico de que se trata de uma “revolução colorida”, o ex-embaixador indiano, crítico do governo Modi e respeitado observador da cena internacional, M K Bhadrahumar, após registrar que Hasina era uma “amiga [da Índia] testada pelo tempo”, advertiu sobre ver a mudança de regime no país vizinho como um “evento ‘autônomo’”, como suposto nos “relatos ocidentais”, e em especial alertou quanto aos atributos de Mohammad Yunus.
Com certo espanto, Bhadrahumar registra como Yunus, em entrevista ao canal Times Now, alega – contrariamente aos fatos – que foram “os quadros da Liga Awami que massacraram hindus e incendiaram suas propriedades” e ainda “aconselha” Nova Delhi “a trabalhar mais para ganhar respeito e amizade”.
O tom adotado por Yunus, para o ex-embaixador, se deve a que “os americanos o apoiam firmemente”. “Yunus foi assiduamente construído pelos americanos ao longo de décadas.”
“Fiel a um padrão estabelecido nas revoluções coloridas, a proposta de nomear Yunus como chefe do governo interino aparentemente se originou de um obscuro líder estudantil autodenominado que foi celebrado na mídia ocidental como uma estrela em ascensão – e provavelmente foi levado a plantar a ideia”.
O fato de Yunus ter, inopinadamente, sido agraciado pelo “Nobel da Paz” em 2006, para o ex-embaixador indiano se deve ao fato de que a crônica dos Nobel “é pródiga em nomes que vêm esmagadoramente de países que são considerados hostis pelos EUA e escolhidos por seu potencial de desacreditar certos regimes cujas políticas independentes e autonomia estratégica são ressentidas por Washington”.
“Dê uma olhada superficial apenas no último período de 5 anos. Os poucos escolhidos foram Narges Mohammadi, ativista iraniana de direitos humanos (2023); Ales Bialiatski, “ativista pró-democracia” bielorrusso (2022); Dmitry Muratov, jornalista russo (2021); Maria Ressa, jornalista filipino-americana que se concentrou no histórico de direitos humanos do ex-presidente Rodrigo Duterte, cujo ‘antiamericanismo’ era notório (2020).”
O Deep State avistou Yunus já em 1965, quando ele foi levado como estudante estrangeiro da Fulbright para a Universidade Vanderbilt e passou os anos seguintes na América, observa Bhadrahumar. “Ao longo dos anos, mentores americanos patrocinaram generosamente a ONG de Yunus conhecida como Grameen Bank, que, desde sua criação em 1983, forneceu US$ 7,6 bilhões (no final de 2008) em empréstimos sem garantia em mais de 100.000 aldeias em Bangladesh, criando uma vasta rede de influência no país!”
“Em setembro de 2010, a Câmara dos Representantes do governo dos EUA aprovou por unanimidade um projeto de lei para conceder a Yunus a Medalha de Ouro do Congresso, que é, a propósito, junto com a Medalha Presidencial da Liberdade e a Medalha dos Cidadãos Presidenciais, o maior prêmio civil dos Estados Unidos, os maiores prêmios concedidos pelo USG.”
“O presidente Barack Obama prontamente assinou o projeto de lei. Apenas no ano anterior, em 2009, Yunus foi premiado com a Medalha Presidencial da Liberdade pelo presidente Obama. Assim, Yunus se juntou ao panteão dos heróis mundiais da América que receberam todas as três distinções – Prêmio Nobel da Paz (2006), Medalha Presidencial da Liberdade (2009) e a Medalha de Ouro do Congresso (2010).”
Em suma, um belo investimento na figura de Yunus. “Mas, como diriam os americanos, não há nada como almoço grátis. Por volta de 2010, Yunus foi lançado como participante das campanhas do National Endowment for Democracy (NED), uma plataforma criada por Ronald Reagan em 1983, para fornecer à CIA uma ferramenta conveniente para desestabilizar governos estrangeiros, patrocinando projetos de grupos não governamentais para ‘papéis democráticos’.”
“O NED é uma instituição única e completa financiada pelo Congresso dos EUA. Seu caráter “não governamental” lhe dá flexibilidade que torna possível trabalhar em circunstâncias difíceis e responder rapidamente quando há uma oportunidade de mudança política. Simplificando, permite que a CIA esconda suas mãos no jogo da desestabilização.”
Oficialmente, o que o NED diz fazer é “promover o crescimento de uma ampla gama de instituições democráticas no exterior, incluindo partidos políticos, sindicatos, mercados livres e organizações empresariais, bem como os muitos elementos de uma sociedade civil vibrante que garantem os direitos humanos, uma mídia independente e o Estado de Direito.”
Bhadrahumar assinalou que nos últimos anos o foco do NED em prioridades estratégicas – como na Geórgia, Ucrânia, Armênia, Tailândia – se tornou mais “nítido”. A principal qualificação de Yunus como menino do coro do projeto de “democratização” do NED era que ele dirigia uma ONG apoiada por fundos dos EUA. Basta dizer que um halo mítico foi criado em torno dele pelos americanos, no qual, é claro, eles são bons enquanto constroem o perfil de seus representantes.
Para o ex-embaixador, a grande questão é o que vem a seguir. É altamente improvável – ele assinala – que Yunus, de 84 anos, esteja equipado para ser um construtor de nações na política turbulenta de Bangladesh.
“Os americanos, no entanto, precisam de algum espaço para respirar antes de substituí-lo – provavelmente elevando-o como próximo presidente. A revolução colorida foi encenada às pressas, embora as condições estivessem maduras para a montagem de uma. Os estudantes estão exigindo compartilhamento de poder; o conservador Partido Nacionalista de Bangladesh, de centro-direita, está ansioso para ir; o Bangladesh Jamaat-e-Islami, o maior dos partidos políticos islâmicos do país, é baseado em quadros e pode ser tropa de assalto do maior lance.”
Se um eixo de inteligência EUA-Reino Unido-Paquistão foi de fato fundamental para o destronamento de Hasina, como parece ser o caso, todas as apostas estão canceladas, aponta Bhadrahumar. A “nova configuração” será mantida “por bem ou por mal – como em Islamabad desde 2022” – no caso, a derrubada do então primeiro-ministro, favorável a um melhor entendimento com a Rússia e a China.
Sintomaticamente, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em seus primeiros comentários à mídia “evitou qualquer exigência de que o país realizasse eleições antecipadas”. Blinken disse estar “monitorando a situação muito de perto”, chamando quaisquer decisões que o governo interino tome a “respeitar os princípios democráticos, têm de defender o Estado de direito, têm de refletir a vontade do povo”.
Segundo o ex-embaixador indiano, “Washington está nervoso sobre se mordeu mais do que poderia mastigar”. “É inteiramente concebível que o padrão no Paquistão possa se repetir em Bangladesh – uma classe compradora levada ao poder por meio de “eleições”, enquanto os militares dão as cartas nos bastidores com o apoio do condomínio EUA-Reino Unido-Paquistão, que projetou a derrubada de Hasina. O futuro é um mau presságio, porque, para Washington, a geopolítica substitui de longe a segurança e a estabilidade regionais.”
Ainda segundo Bhadrahumar, que cita o jornal indiano Economic Times, “o homem da revolução colorida em Bangladesh não é outro senão Donald Lu, o atual secretário de Estado adjunto para assuntos da Ásia Central e do Sul que visitou a capital Dhaka em maio”.
“Isso é bastante credível. Uma verificação de antecedentes na série de postagens de Lu revela a história. Este ‘diplomata’ sino-americano serviu como oficial político em Peshawar (1992 a 1994); assistente especial do embaixador Frank Wisner (cuja linhagem familiar como agentes do Estado Profundo é conhecida demais para ser explicada) em Delhi (1996-1997); posteriormente, como vice-chefe da missão em Delhi de 1997 a 2000 (durante o qual seu portfólio incluía a Caxemira e as relações Índia-Paquistão), herdando o cargo, curiosamente, de Robin Raphel, cuja reputação como bête noire da Índia ainda é memória viva – analista da CIA, lobista e ‘especialista’ em assuntos do Paquistão.”
De fato – continua o ex-embaixador -, Lu visitou Bangladesh em meados de maio e se reuniu com altos funcionários do governo e líderes da sociedade civil. “E logo após sua visita, os EUA anunciaram sanções contra o então chefe do exército de Bangladesh, general Aziz Ahmed, pelo que Washington chamou de seu envolvimento em ‘corrupção significativa’”.
Após sua visita a Dhaka, Lu disse abertamente à Voz da América: “Promover a democracia e os direitos humanos em Bangladesh continua sendo uma prioridade para nós. Continuaremos a apoiar o importante trabalho da sociedade civil e dos jornalistas e a defender os processos e instituições democráticas em Bangladesh, como fazemos em países ao redor do mundo… Nós [EUA] fomos francos em nossa condenação da violência que prejudicou o ciclo eleitoral [em janeiro] e instamos o governo de Bangladesh a investigar com credibilidade os incidentes de violência e responsabilizar os perpetradores. Continuaremos a nos envolver nessas questões…”
Lu desempenhou “um papel proativo semelhante durante sua missão anterior no Quirguistão (2003-2006), que culminou em uma revolução colorida. Lu se especializou em alimentar e planejar revoluções coloridas, que levaram a mudanças de regime na Albânia, Geórgia, Azerbaijão, Quirguistão e Paquistão (destituição de Imran Khan).”
No período que antecedeu as eleições em Bangladesh em janeiro, observou Bhadrahumar, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia havia advertido que a diplomacia dos EUA estava trabalhando para desestabilizar a situação em Bangladesh no cenário pós-eleitoral.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores disse em um comunicado em Moscou: “Nos dias 12 e 13 de dezembro, em várias áreas de Bangladesh, os opositores do atual governo bloquearam o tráfego rodoviário, queimaram ônibus e entraram em confronto com a polícia. Vemos uma conexão direta entre esses eventos e a atividade inflamatória das missões diplomáticas ocidentais em Daca. Em particular, o embaixador dos EUA, P Haas, que já discutimos no briefing de 22 de novembro.”
“Há sérias razões para temer que nas próximas semanas um arsenal ainda mais amplo de pressão, incluindo sanções, possa ser usado contra o governo de Bangladesh, que é indesejável para o Ocidente. Indústrias-chave podem ser atacadas, assim como vários funcionários que serão acusados sem provas de obstruir a vontade democrática dos cidadãos nas próximas eleições parlamentares em 7 de janeiro de 2024.”
“Infelizmente, há pouca chance de que Washington caia em si e se abstenha de mais uma interferência grosseira nos assuntos internos de um Estado soberano. Estamos confiantes, no entanto, de que, apesar de todas as maquinações de forças externas, a questão do poder em Bangladesh será decidida pelo povo amigo deste país, e por mais ninguém.”
De volta ao quadro atual, o veterano ex-embaixador indiano, reitera que os interesses de segurança da China e da Índia serão diretamente afetados se, sob o novo regime, Bangladesh “cair em crise econômica e ilegalidade como um estado falido” – como outros países afetados pela ingerência dos EUA.
“O cerne da questão é que hoje, a Índia é flanqueada no oeste e no leste por dois regimes hostis que estão sob influência dos EUA. E isso está acontecendo em um momento em que há muitos sinais de que as políticas externas independentes do governo e a adesão teimosa à autonomia estratégica perturbaram a estratégia dos EUA para o Indo-Pacífico.”
Para Bhadrahumar, a única maneira de Bangladesh encontrar uma alternativa é por meio de “um processo democrático inclusivo daqui para frente” Mas – registrou – a nomeação, ostensivamente por recomendação dos estudantes, de um advogado formado nos EUA como o novo presidente da Suprema Corte em Daca é “mais um sinal sinistro de que Washington está apertando seu controle”.
Contra esse pano de fundo geopolítico, Bhadrahumar se remeteu a um comentário do Global Times de quinta-feira passada, chamando Índia e China a “criarem um novo tipo de relacionamento que reflita seu status de grandes potências… Ambos os países devem acolher e apoiar a presença um do outro em suas respectivas regiões vizinhas.” Ou então, o comentário ressaltou, “o ambiente diplomático circundante para ambos os países será difícil de melhorar”.
Fonte: Papiro