Witold Banka, presidente da Agência Mundial Antidoping (WADA) | Foto: Reprodução

A Agência Mundial Antidoping (Wada) acusou na quinta-feira (8) a Agência Antidoping norte-americana (Usada) de permitir desde 2011 que atletas dopados competissem, após publicação na véspera de reportagem da Reuters sobre o esquema.

Segundo a denúncia, a Usada permitiu, por anos, que atletas norte-americanos dopados competissem, sem nunca punir ou impedir que eles participassem dos torneios, sob o pretexto de que estariam atuando como seus “agentes secretos” antidoping.

Em nota oficial, a Wada informou que está ciente de, pelo menos, três casos de atletas que competiram por anos dopados, “enquanto agiam como agentes secretos da Usada, sem que a Wada fosse notificada e sem que houvesse qualquer disposição permitindo tal prática sob o código ou as próprias regras da Usada”.

Na nota, a Wada chamou a agência antidoping dos EUA de “hipócrita”, por suas frequentes acusações contra atletas de outros países, como a China e a Rússia.

“Este esquema da Usada ameaçou a integridade da competição esportiva, que o Código busca proteger. Ao operá-lo, a Usada estava em clara violação das regras. Ao contrário das alegações feitas pela Usada, a Wada não aprovou esta prática de permitir que trapaceiros de drogas competissem por anos com a promessa de que tentariam obter evidências incriminatórias contra outros”.

“Como outros atletas devem se sentir sabendo que estavam competindo de boa-fé contra aqueles que eram conhecidos pela Usada por terem trapaceado? É irônico e hipócrita que a Usada grite quando suspeita que outras Organizações Antidoping não estão seguindo as regras à risca, enquanto não anunciou casos de doping por anos e permitiu que trapaceiros continuassem competindo, na remota possibilidade de que pudessem ajudá-los a pegar outros possíveis violadores”.

“A Wada se pergunta se o Conselho de Diretores da Usada, que governa a agência norte-americana ou o Congresso dos EUA, que a financia, sabiam sobre essa prática não conforme que não apenas minou a integridade da competição esportiva, mas também colocou a segurança dos atletas cooperantes em risco”.

A Wada citou o caso de um atleta de elite norte-americano que teria competido em eliminatórias olímpicas e eventos internacionais, mesmo tendo admitido ter tomado esteroides e outras substância ilegais. Mesmo assim, foi autorizado pela agência antidoping norte-americana a continuar competindo até a aposentadoria. A identidade dele não foi revelada.

“Seu caso nunca foi publicado, os resultados nunca foram desqualificados, o prêmio em dinheiro nunca foi devolvido e nenhuma suspensão foi cumprida. O atleta foi autorizado a competir contra seus competidores desavisados ​​como se nunca tivesse trapaceado”, sublinha a nota da entidade antidoping mundial.

“Nesse caso, quando a Usada finalmente admitiu à Wada o que estava acontecendo, ela aconselhou que qualquer publicação de consequências ou desqualificação de resultados colocaria a segurança do atleta em risco e pediu à Wada que concordasse com a não publicação. Sendo colocada nessa posição impossível, a Wada não teve escolha a não ser concordar”, acrescentou a nota oficial da Wada.

Segundo a Usada, sua liberação dos dopados, aliás, “infratores”, para competirem teria permitido fornecer “informações” para que uma “investigação do FBI” avançasse. “Uma maneira eficaz de lidar com problemas maiores e sistêmicos”, asseverou, na cara dura, o presidente-executivo do organismo de fraude do esporte dos EUA, Travis Tygart, à Reuters

A agência de notícias britânica reconheceu que não há nenhum trecho no código mundial antidoping que diga que atletas violadores possam continuar competindo, sem serem processados ou sancionados. Embora o código permita que um atleta infrator que ajude “substancialmente” em uma investigação de doping possa pedir a suspensão de parte das punições após o processo.

Ainda segundo a agência antidoping dos EUA, a declaração da Wada seria uma “uma difamação”, em resposta às suas críticas contra nadadoras chinesas.

A Agência Antidoping da China (Chinada) pediu na quinta-feira uma investigação independente sobre a má conduta da Usada, assim como a intensificação dos testes em atletas de atletismo dos EUA e esforços para reconstruir a confiança global na competição justa.

“Dadas as manchas profundamente enraizadas no atletismo dos EUA e o repetido desrespeito da Usada por procedimentos e padrões, há motivos para suspeitar que há um problema sistêmico de doping no atletismo nos EUA, e os casos positivos merecem investigação e atenção contínuas”, disse a Chinada, listando vários escândalos de doping nos EUA.

Para a agência de notícias chinesa Xinhua, é preciso responder a como garantir o fair play, o jogo limpo, quando a grande maioria dos atletas dos EUA está fora do sistema antidoping global da Wada e uma legislação emanada do Congresso dos EUA (Lei Rodchenkov) permita que os EUA imponham sanções atletas de outros países, mas não a certos atletas norte-americanos, numa ilegal manifestação da jurisdição de braço longo.

Como denunciou o jornal Global Times, a campanha de difamação movida pela Usada contra atletas chineses da natação, sobre um incidente de 2021, levou a um esquema excessivo de testes antidoping contra atletas chineses antes e durante os Jogos Olímpicos de Paris 2024. No caso, 23 nadadores chineses testaram positivo para trimetazidina (TMZ) devido à contaminação inadvertida, em uma competição doméstica, o caso foi examinado e puderam competir em Tóquio.

Em paralelo ao frenesi sobre as “nadadoras chinesas”, a Usada permitiu que o velocista americano Erriyon Knighton competisse nos Jogos Olímpicos de Paris sem suspensão, depois que ele testou positivo para trembolona. A Usada atribuiu o resultado à contaminação da carne, apesar do fato de a trembolona não ser frequentemente encontrada como contaminante.

Antes da abertura dos Jogos de Paris, o chefe da Wada, Witold Banka, alertou os EUA em 24 de julho que as acusações infundadas da Usada contra atletas chineses são “politicamente motivadas” e “tendenciosas contra a China”.

A BBC informou em 1º de agosto que uma autoridade da Wada disse: “Certos indivíduos [nos EUA] estão tentando marcar pontos políticos puramente com base no fato de que os atletas em questão são chineses… O resultado é que criou desconfiança e divisão dentro do sistema antidoping.”

“O que eles diriam se fosse um atleta americano sendo forçado a fazer tantos testes de drogas? Os atletas americanos devem ser testados com a mesma frequência? Essas são questões a serem pensadas”, observou outro comentarista.

Para analistas, a causa imediata da farsa antidoping encenada pelos EUA contra a China é que os EUA percebem a China como um desafio ao seu domínio de décadas em certos esportes, o que não é diferente da supressão dos EUA ao desenvolvimento tecnológico da Huawei ou da difamação da ‘concorrência desleal’ da China.

A equipe da China ganhou 12 medalhas na natação em Paris, o dobro do total em Tóquio. As duas medalhas de ouro nos 100 metros livre masculino e no revezamento 4×100 metros medley masculino foram um dos avanços mais significativos, registrou o GT. “A China também conquistou ouros históricos no tênis individual feminino e no nado artístico, o que frustrou alguns norte-americanos mergulhados em noções habituais de superioridade, à medida que o domínio dos EUA diminui”.

Para pressionar a Wada, um projeto de lei bipartidário, foi apresentado conjuntamente por republicanos e democratas, supostamente para “restaurar a confiança”, mas que chantageia a agência mundial antidoping ameaçando cortar a verba paga pelos EUA, se não se submeter às ordens de Washington.

Lei que tem o objetivo de reforçar o arbítrio da “Lei Antidoping Rodchenkov” que desde 2020 permite que os EUA exerçam ‘jurisdição criminal extraterritorial’ sobre incidentes de doping em eventos esportivos internacionais.

A Lei Roddchenkov, criada sob a caça às bruxas contra os atletas russos, opera sob um padrão duplo obsceno, com os EUA se atribuindo o poder de acusar, multar e até prender indivíduos envolvidos em incidentes de doping em eventos internacionais com atletas americanos, enquanto as quatro principais ligas esportivas profissionais dos EUA e a grande maioria dos atletas americanos estão isentos de qualquer controle, inclusive da Wada.

A nota da agência mundial antidoping Wada sobre as irregularidades flagrantes da agência antidoping dos EUA pode ser “apenas a ponta do iceberg do doping em larga escala, organizado e sistemático nos esportes americanos”, sublinhou o Global Times.

“Sob as regras unificadas dos esportes internacionais, há um país que pode ignorar o Código Mundial Antidoping e permitir que atletas com violações confirmadas de doping continuem a participar de competições. Qualquer pessoa com uma base moral se sentiria indignada com isso. Como uma organização como a Usada, que é tão imprudente e quebra arbitrariamente as regras esportivas internacionais, ousa gritar “pega ladrão” quando ela mesma é um ladrão?”.

Fonte: Papiro