Congresso dos EUA debate lei para sujeitar esporte olímpico mundial ao seu arbítrio
O jornal chinês em língua inglesa, Global Times, que debate as questões de fundo na cena internacional, denunciou em editorial na quinta-feira 1º de agosto que Washington está tentando estender às Olimpíadas sua jurisdição de braço longo, através de uma nova lei com apoio bipartidário apresentada ao Congresso dos EUA para interferir na Agência Mundial Antidoping (Wada), que passará a ficar ameaçada do corte das taxas atualmente pagas pelos EUA, se não atender as ordens emanadas do império.
Como salientou o GT, o que está em jogo é a “santidade das Olimpíadas”. O projeto de lei, cinicamente denominado de “Lei de Restauração da Confiança na Agência Mundial Antidoping (Wada)”, pretende fornecer permanentemente ao Escritório de Política Nacional de Controle de Drogas a autoridade para reter até o valor total das taxas de associação (mais de US$ 3 milhões) para a Agência Mundial Antidoping.
“Usar as taxas de adesão para ameaçar e insultar uma organização internacional altamente confiável e influente e se opor descaradamente à comunidade internacional parece ter se tornado um padrão fixo para Washington declarar seu privilégio”, denunciou o GT.
O jornal destaca que “não é a primeira vez que Washington desafia a autoridade da Wada”, assinalando que a Lei Antidoping Rodchenkov dos EUA, instaurada em 2020, “permite que os EUA exerçam ‘jurisdição criminal extraterritorial’ sobre incidentes de doping em eventos esportivos internacionais, prejudicando seriamente a pureza e a justiça das competições esportivas internacionais e atraindo críticas generalizadas da comunidade esportiva e da opinião mundial”.
Registra, ainda, que tanto o Comitê Olímpico Internacional (COI) quanto a Wada não apóiam a Lei Antidoping Rodchenkov, por submeter todos aos desígnios dos EUA.
Além disso, a lei opera sob um padrão duplo obsceno, com os EUA se atribuindo o poder de acusar, multar e até prender indivíduos envolvidos em incidentes de doping em eventos internacionais com atletas americanos, enquanto as quatro principais ligas esportivas profissionais dos EUA e a grande maioria dos atletas americanos estão isentos de qualquer controle, inclusive da WADA.
O gatilho imediato para este novo projeto de lei é o anúncio do COI na semana passada de que, se os EUA não respeitarem a autoridade suprema da Wada, poderá revogar os direitos de Salt Lake City de sediar os Jogos Olímpicos de Inverno de 2034. A resposta dos legisladores dos EUA foi introduzir uma ‘versão reforçada’ da Lei Antidoping Rodchenkov”, registra o GT.
Para a publicação, o novo projeto de lei “reitera essencialmente a ‘jurisdição exacerbada’ dos EUA no campo antidoping global, com a intenção de substituir as regras internacionais pelas regras norte-americanas e usar as leis norte-americanas para restringir atletas de outros países, enquanto os atletas norte-americanos estão isentos”.
O ponto chave da questão – destaca o GT – é que “os EUA não estão fazendo isso para defender a justiça dos esportes, mas para suprimir seus oponentes sob o disfarce de esportes, trazendo geopolítica e mentalidade da Guerra Fria para as Olimpíadas”.
E citou as pressões desde Washington da Agência Antidoping dos EUA (Usada) contra a equipe de natação chinesa, que recebeu autorização para participar nas Olimpíadas de Paris, após a Wada ter revisado e aprovado as conclusões de uma investigação da Agência Antidoping da China (Cada) sobre um episódio anterior às Olimpíadas de Tóquio.
O presidente da Wada, Witold Banka, alertou os EUA em 24 de julho que as acusações infundadas da Usada contra atletas chineses são “politicamente motivadas” e “tendenciosas em relação à China”, e que a tentativa da Usada de substituir outras organizações antidoping globais e até a Wada “não é permitida”.
Em resposta ao frenesi na mídia norte-americana sobre o assunto, a agência chinesa emitiu uma declaração refutando as alegações, enquanto a Wada criticou a politização dos assuntos antidoping pelos EUA. Anteriormente, a World Aquatics disse em 25 de julho que “não investigará novamente o suposto doping da China sem evidências concretas e confiáveis”.
O GT observou que metade do orçamento operacional da Wada vem de financiamento do COI, e a outra metade é compartilhada entre os governos dos países participantes do Movimento Mundial Antidoping por meio de negociação, permitindo que a Wada represente ao máximo os amplos interesses dos países e entidades e garanta justiça e autoridade no campo da governança do doping. Dado seu forte poder econômico – acrescenta -, os EUA têm a obrigação de contribuir mais para esses custos.
“Claramente, os EUA estão tentando exercer a hegemonia esportiva unilateral de três maneiras: afirmando a jurisdição judicial, ameaçando cortar o financiamento e utilizando propaganda da mídia. A questão do antidoping está sendo cada vez mais politizada e instrumentalizada pelos EUA, servindo como uma extensão de sua hegemonia na política internacional e na diplomacia.”
A farsa que se desenrola no Capitólio também expõe a lógica consistente de poder de Washington, que acredita que quem paga mais dinheiro tem o direito de impor, denunciou o GT.
“A falsa narrativa de Washington e a manipulação politizada dos testes de doping blasfemam seriamente o espírito olímpico. As Olimpíadas simbolizam a unidade e a paz globais. Neste palco que mostra a justiça e a amizade humanas, Washington arruinou sua imagem como uma grande potência”.
A chicana contra os atletas chineses foi debatida em reunião do COI em Paris no dia 21, com o presidente da Agência Mundial Antidoping (Wada), Witold Banka, defendendo enfaticamente a decisão da agência de liberar 23 nadadores chineses para competir nas Olimpíadas de Tóquio em 2021, meses depois de testar positivo para oligoelementos de drogas para melhorar o desempenho em uma competição doméstica.
Com 11 desses nadadores prontos para competir nos jogos de Paris neste mês, a Agência Antidoping dos Estados Unidos (Usada) passou a acusar a Wada de varrer o escândalo “para debaixo do tapete”, enquanto o Departamento de Justiça dos EUA lançou uma investigação criminal sobre a forma como a agência lidou com o caso.
As acusações da Usada são “politicamente motivadas” e baseadas em um viés anti-China, disse Witold ao COI.
“Se as autoridades dos EUA afirmarem jurisdição sobre casos que não têm nada a ver com eles, isso corre o risco de colocar os Estados Unidos fora do sistema antidoping global”, acrescentou, ressaltando que os EUA já tentaram se dar essa jurisdição com a aprovação da Lei Rodchenkov em 2020.
Essa legislação permite que os EUA processem cidadãos de outros países suspeitos de doping, desde que compitam ao lado de americanos ou em eventos esportivos com laços financeiros com os EUA. “A Usada procura se colocar acima do resto do mundo, talvez até mesmo para substituir a Wada”, Banka declarou, acrescentando que “isso não pode ser permitido”.
“A verdade desconfortável para a Usada é que ela não está resolvendo um problema significativo, que é que 90% dos atletas americanos competem fora da proteção do código [da Wada]”, Banka continuou.
Organizações esportivas profissionais e universitárias nos EUA estabeleceram seus próprios padrões de doping, com sindicatos de atletas autorizados a negociar protocolos de teste e penalidades para o uso de drogas, registrou a RT.
“Isso resultou em regras de doping muito diferentes entre as organizações, com a National Football League (NFL) distribuindo suspensões de seis jogos pelo uso de esteroides anabolizantes e a Major League Baseball (MLB) suspendendo os infratores pela primeira vez por 25 jogos”.
A Usada geralmente não testa atletas em ligas profissionais ou universitárias, mas testa atletas amadores dos EUA que desejam competir nos Jogos Olímpicos. De acordo com Banka, três quartos desses atletas começam suas carreiras no sistema universitário, o que significa que “a maioria dos atletas de elite dos EUA vem inicialmente de um sistema que opera fora do padrão de esportes limpos reconhecido mundialmente. Nada está sendo feito pela Usada para resolver esse problema sério.”
Banka – observa a RT – não acusou abertamente os atletas americanos de doping. No entanto, ele afirmou que as agências de aplicação da lei em todo o mundo disseram à Wada que “os EUA são um enorme mercado para a venda e distribuição de drogas para melhorar o desempenho”.
Fonte: Papiro