Na noite desta segunda-feira (12), a Fundação Casa de Rui Barbosa deu início à conferência “Memória, Democracia e Direitos Humanos”. A abertura foi marcada por um tom de urgência. O evento marca o lançamento da iniciativa “Memória, Coração do Futuro”, uma parceria entre a Fundação Casa de Rui Barbosa e a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Este projeto, que se estenderá durante o segundo semestre de 2024, visa promover uma série de eventos acadêmicos e culturais focados na importância da memória coletiva e da comemoração histórica.

A abertura também abordou a relevância da memória histórica na compreensão do presente, especialmente em relação à repressão durante o regime civil-militar de 1964 e a resistência dos defensores dos direitos humanos daquela época.

A cerimônia contou com a presença do presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, Alexandre Santini; o reitor da Unirio, professor José da Costa Filho; o ministro de Estado dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, e a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Assista a abertura da Conferência Memória, Democracia e Direitos Humanos:

https://youtu.be/l6JWypEuhno

Os novos adversários da memória histórica

O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, fez um discurso provocador. Almeida reconheceu que o desafio de hoje não é apenas contra o esquecimento, mas contra uma nova forma de distorção do passado.

Ele destacou que, até recentemente, o principal adversário era o desejo de esquecimento, com alguns tentando apagar ou minimizar eventos históricos traumáticos. No entanto, Almeida observou uma mudança no cenário. Os novos adversários não buscam apenas esquecer o passado, mas distorcê-lo ativamente. Eles criam narrativas falsas, transformando vítimas em vilões e vilões em vítimas.

Almeida trouxe um exemplo perturbador, citando o momento em que um deputado, ao votar pelo impeachment da presidenta Dilma, mencionou um conhecido torturador. Este ato, segundo o ministro, marcou uma quebra significativa e abriu espaço para que elementos prejudiciais e desumanos emergissem na esfera pública.

Ele defendeu que a luta não deve ser apenas contra o esquecimento, mas também contra a falsificação e distorção da história. O ministro também abordou a questão da evolução da comunicação e como as novas mídias e formas de sociabilidade estão moldando a política e a percepção pública. 

Almeida concluiu sua fala afirmando que a luta pela memória e pelos direitos humanos está profundamente ligada à forma como a sociedade entende e comunica o passado. Ele destacou a transformação do mundo desde o século XVIII, em que a violência contra aqueles que buscavam transformação social na época refletia uma percepção de que o futuro estava com os progressistas, enquanto os adversários lutavam para impedir essa mudança.

O conservadorismo e o liberalismo perceberam a ascensão de novos atores sociais e o impacto disso na dinâmica social. No entanto, ele ressaltou que o marxismo, por sua vez, enxergava essas mudanças como uma oportunidade de libertação e esperança, apesar das distopias que poderiam surgir.

Almeida argumentou que a memória é um campo de disputa, onde diferentes grupos lutam pelo controle sobre o passado e suas interpretações.

O discurso avançou para discutir o ataque atual à história e aos saberes acadêmicos, enfatizando que a nova ofensiva contra professores e artistas no Brasil visa desacreditar e deslegitimar o conhecimento acumulado ao longo das décadas. Almeida criticou a construção de narrativas falsas sobre o passado e a tentativa de substituir a história científica por distorções interessadas.

Almeida fez um apelo urgente para a valorização das ciências humanas e a preservação da memória histórica através de investimentos públicos em pesquisa e divulgação científica. Ele alertou para o fato de que a simples lembrança de eventos históricos não é suficiente; é necessário um esforço contínuo para garantir que a história seja debatida e compreendida em sua plenitude.

O ministro encerrou seu discurso com um chamado à ação, enfatizando a importância de defender os artistas e professores que enfrentam ataques. Ele concluiu com uma visão otimista, afirmando que o Brasil tem um futuro promissor e que a construção de uma consciência política robusta é essencial para enfrentar os desafios atuais e garantir um futuro digno para todos.

Desafios e compromissos no Dia Nacional dos Direitos Humanos

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) fez uma intervenção destacando a importância da memória e da luta por direitos humanos no Brasil. Para Jandira, a profundidade e conhecimento expresso no discurso do professor Silvio Almeida é daqueles que “transformam o conhecimento em ação política”. A deputada enfatizou a importância da Casa Rui Barbosa e sua gestão inovadora, liderada por Alexandre Santini, que tem integrado diversas expressões culturais e sociais, incluindo o hip-hop, como parte central, e não periférico, do processo cultural brasileiro.

A deputada destacou ações do Ministério, como a reinstituição da comissão de familiares e a desapropriação da Casa da Morte em Petrópolis, que será transformada em um espaço de memória. Ela também mencionou a necessidade de criar novos espaços de memória, como o museu no prédio do Dops, enfatizando a importância de lembrar e interpretar a história para enfrentar as forças que ainda defendem a ditadura e a tortura.

Durante sua fala, Jandira alertou para a presença persistente de forças que, apesar de derrotadas nas urnas, ainda exercem influência significativa na sociedade e no Congresso Nacional. Ela destacou a importância de uma disputa política contínua, com dados e memória histórica, para contrabalançar discursos que glorificam o passado autoritário e defendem práticas como a intervenção militar e o retorno ao AI-5.

A deputada abordou também a contradição entre capitalismo contemporâneo e democracia, enfatizando que a exclusão e a concentração de renda e poder são instrumentos que perpetuam desigualdades. Para ela, a tecnologia não é neutra e a luta cultural é essencial para enfrentar a exclusão e promover uma sociedade mais justa. Ela destacou a importância de criar uma cultura de valorização da própria história e da memória, mencionando que a anistia de 1979 não foi completa, pois não incluiu punições para os torturadores.

Jandira também enfatizou a necessidade de reconhecer e abordar as hierarquias sociais históricas, como a escravidão, e de ter museus dedicados à memória da escravidão e da ditadura. A deputada conclamou todos a serem proativos na luta por uma sociedade mais democrática e plural, destacando a importância de atuar nas escolas e universidades para formar uma consciência democrática.

Parcerias permanentes

Uma mensagem especial da ministra da Cultura, Margareth Menezes, que não pode comparecer pessoalmente, saudou em vídeo os participantes. Na sua breve intervenção, Margareth destacou a importância de refletir sobre as injustiças sociais vividas por uma nação como um meio crucial para garantir que tais acontecimentos não se repitam. 

“A preservação da memória das injustiças sociais é essencial para que nunca mais voltem a acontecer. Toda nação deve refletir sobre a construção de um futuro melhor para seu povo e desempenha um papel fundamental ao debater os direitos humanos. É um exercício de conscientização”, afirmou ela.

A ministra elogiou a importância das atividades realizadas e desejou um bom e produtivo encerramento para o evento. “Estamos contribuindo para a construção de um mundo mais justo, consciente e democrático para o nosso povo”, concluiu Menezes.

O presidente da Casa Rui Barbosa, Alexandre Santini destacou a importância do projeto “Memória, Coração do Futuro”, que visa promover debates, exibições de filmes, leituras dramatizadas e atividades artísticas ao longo do segundo semestre de 2024. O objetivo é refletir sobre a memória das lutas pela democracia e os direitos humanos no Brasil, e o ciclo promete ser um espaço para celebração e reflexão sobre a história do país.

Santini expressou seu entusiasmo pela parceria com a Unirio e o impacto positivo das contribuições de Jandira Feghali na área cultural. Ele também mencionou a importância da reflexão sobre a memória histórica, especialmente em relação aos 60 anos do golpe militar de 1964. Destacou a relevância de aprender com o passado para fortalecer a democracia e os direitos humanos no presente.

O reitor José da Costa Filho destacou a importância da parceria entre a Unirio e a Fundação. Ele expressou sua alegria por retornar à Fundação Casa de Rui Barbosa, um local que considera um centro vital do pensamento crítico no Brasil. Ele destacou a importância das pesquisas realizadas na instituição, especialmente nos campos da filologia, história e direito.

Dr. Costa Filho mencionou o entusiasmo de Alexandre Santini, presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, que tem sido um grande defensor de parcerias e da construção de programas perenes. A colaboração entre a Fundação e a Unirio foi elogiada por seu potencial para enriquecer os debates sobre memória, verdade e justiça.

O discurso também abordou questões críticas relacionadas à democracia no Brasil. O reitor afirmou que, apesar dos avanços, a democracia brasileira ainda enfrenta desafios, especialmente em relação à igualdade racial e ao acesso aos direitos. Ele destacou a necessidade de continuar fortalecendo a democracia e a importância de projetos como o ciclo “Memória Coração do Futuro” para promover a reparação histórica e a justiça social.

Hip Hop no centro da cultura

Antes da conferênca do ministro Sílvio Almeida, houve uma vibrante batalha de rimas de hip hop. A apresentação começou com um poema rap que abordava temas profundos como solidão, traumas pessoais e empoderamento. As rimas exploraram a dualidade da vida e o desejo de superar desafios, destacando a importância da resiliência e da autoaceitação. Com versos que refletiam a luta contra o ódio e a busca por um futuro melhor, o artista apresentou uma narrativa intensa e emotiva, ressoando com os temas da conferência. A performance destacou a importância da autoafirmação e do reconhecimento das próprias raízes, especialmente em um contexto de luta contra a discriminação e a injustiça.

Os artistas, provenientes de Duque de Caxias e outras áreas do Rio de Janeiro, se apresentaram em um formato de disputa amigável, trocando rimas e engajando o público com suas habilidades. Com rimas que discutiam a luta pela liberdade e pela educação, e o direito de viver dignamente, os artistas conectaram suas apresentações aos temas centrais do evento.

(por Cezar Xavier)