Japão leva 76 anos para reconhecer danos às vítimas de esterilização pela ‘Lei da Eugenia’
O primeiro-ministro japonês Fumio Kishida pediu na quarta-feira (17) formalmente desculpas às vítimas da perversa política de esterilização forçada sob a lei de “proteção da eugenia” que vigorou por 48 anos até 1996, e anunciou que o governo não ia recorrer da decisão final da Suprema Corte reiterando seu caráter inconstitucional e ordenando o pagamento de indenização. 25.000 pessoas foram esterilizadas à força no Japão, e lutam há décadas por indenização e por pedido de desculpas, e muitos já faleceram sem ver a justiça remediada.
A Suprema Corte anunciou sua decisão no dia 3 e o governo Kishida levou duas semanas para cumpri-la. “Peço sinceras desculpas por isso em nome do governo. Tais medidas são uma violação da dignidade humana, o que não deveria ter acontecido, isto é uma violação dos direitos humanos”, afirmou o chefe do governo japonês.
Foi uma “vitória histórica” para os idosos demandantes, registrou o jornal Asahi Shimbun. Como a lei foi revogada em 1996, decorre que foram três décadas de procrastinações abjetas.
Kishida enfatizou que a lei antiga era contrária à constituição e admitiu que, como o governo japonês a implementou por 48 anos, a responsabilidade por isso é extremamente grande.
As assim chamadas leis de proteção à eugenia grassaram do final do século 19 até boa parte do século 20, inclusive tendo sido abraçadas e levadas às últimas consequências pelo nazismo, com base em preconceitos racistas e degenerados, em nome de uma pseudociência.
Na versão japonesa de 1948 – já sob a ocupação norte-americana – a Lei de Proteção Eugênica pretendia “impedir o nascimento de descendentes defeituosos” e estipulava que pessoas com deficiências ou certas doenças poderiam ser esterilizadas à força.
O que a Suprema Corte fez foi decidir se o prazo prescricional de 20 anos se aplicava ao caso, determinando que, tendo em vista sua inconstitucionalidade, o direito de buscar reparação deveria continuar e que o governo é responsável por indenizar as vítimas.
Desde que a lei foi considerada inconstitucional e revogada, o governo manobrou para evitar a reparação da violência sofrida pelas vítimas.
Tribunais haviam chegado a decisões conflitantes em cinco casos, com quatro considerando que não havia prescrição e um, pela prescrição. Pelo menos agora, o governo teve a decência de não apelar, o que na prática significaria deixar que coubesse à morte dos idosos o fim da questão.
As vítimas da esterilização forçada são todas idosas, e seus advogados têm exigido que o governo lhes preste socorro total o mais rápido possível.
Em 2018, uma série de relatos das vítimas da esterilização forçada reabriu a questão e no ano seguinte o parlamento aprovou uma indenização irrisória de cerca de 24.000 dólares (equivalente a 3,2 milhões de yens). Dos 25.000 esterilizados, apenas cerca de 1.000 foram na época reconhecidos como elegíveis para esse pagamento.
Não chega a ser surpreendente que a lei de ‘proteção’ da eugenia em questão haja sido instaurada sob a ocupação militar do Japão pelos norte-americanos.
Na verdade, apesar de o termo ter sido cunhado inicialmente pelo inglês Francis Galton, foi nos EUA, sob uma onda de imigrantes e da população negra recém saída da escravidão, e numa sociedade permeada pelo racismo e xenofobia, que esta ganhou impulso, agora sob um enfoque “negativo”, voltado à eliminação de futuras gerações de ‘geneticamente incapazes’ – enfermos, racialmente indesejados e economicamente empobrecidos. O que levaria à proibição marital, esterilização compulsória, eutanásia passiva e, em última análise, extermínio.
Como salientou Edwin Black no livro A guerra contra os fracos, “os EUA estavam prontos para a eugenia antes que a eugenia estivesse pronta para os EUA”.
Os alvos eram os imigrantes, vistos pela população protestante branca como focos de deformação, doença e depravação, na busca de racionalizações sobre sua exclusão.
Segundo os pesquisadores, o racismo dos primeiros eugenistas norte-americanos não era contra não-brancos, mas contra não-nórdicos, e as doutrinas de pureza e supremacia raciais eram elaboradas por figuras públicas cultas e respeitadas.
Já em 1909, era criado nos EUA o Escritório de Registro Eugênico, sob liderança de Charles Davenport, para registrar os antecedentes genéticos dos norte-americanos e pressionar por legislação que permitisse a prevenção obrigatória de linhagens indesejáveis. O estado de Indiana foi a primeira jurisdição do mundo a introduzir lei de esterilização coercitiva.
O primeiro Congresso Internacional de Eugenia aconteceu em 1912. Ideias que seriam entusiasticamente recebidas pelos nazistas. Em julho de 1933, a Alemanha instaurou a lei de esterilização compulsória de diversas categorias de “defeituosos”, e o resto é história.
Fonte: Papiro