Trump é retirado do palanque por seguranças logo após levar tiro | Foto: Reprodução

O atentado no sábado (13) contra o ex-presidente e candidato republicano na eleição de novembro, Donald Trump, em um comício na Pensilvânia, às vésperas da Convenção Nacional Republicana, e do qual escapou ao virar a cabeça no momento do tiro para mostrar um painel com dados contra a imigração, é a reiteração de um fenômeno que permeia a sociedade norte-americana em momentos de grande divisão, desde o século 19.

De acordo com relatório do Serviço de Pesquisa do Congresso norte-americano de 2008, já haviam ocorrido ataques diretos a presidentes, presidentes eleitos e candidatos a presidente em outras 15 ocasiões distintas, que resultaram nas mortes de quatro presidentes, entre eles, Abraham Lincoln e John Fitzgerald Kennedy, e um candidato, seu irmão Bob.

Também o presidente Franklin Roosevelt foi alvo de um atentado em 1933, quando quem foi morto foi o prefeito de Chicago. Em 1983, o presidente Reagan foi gravemente baleado por um desequilibrado mental e escapou por pouco.

Agora contra Trump, foram feitos oito disparos de fuzil semiautomático, até que o atirador fosse abatido pelo serviço secreto, com o ex-presidente ferido de raspão na orelha.

Depois identificado como Thomas Matthew Crook, de 20 anos, registrado como republicano, ele disparou desde um telhado fora do perímetro oficial do comício com um fuzil semiautomático do tipo AR-15, a apenas 130 metros do palanque.

Por alguma razão, o atirador pode se arrastar até o telhado e de lá mirar na cabeça de Trump. Chegou a ser visto por espectadores do comício, que tentaram alertar a polícia. Um ex-chefe de bombeiros na plateia foi atingido por uma das balas e morto; outras duas pessoas ficaram feridas e estão em estado grave. Butler é uma pequena cidade de 13 mil habitantes a 56 km de Pittsburg.

O secretário do Departamento de Segurança Interna (Homeland), Alejandro Mayorkas, prometeu uma “investigação” das indisfarçáveis falhas, o que também está sendo cobrado pela Câmara, controlada pelos republicanos, enquanto o presidente Biden, em discurso no domingo desde a Casa Branca, pediu para acalmar os ânimos.

Pela sua rede Truth Social, Trump por sua vez postou que “neste momento é mais importante do que nunca que estejamos unidos”.

Na segunda-feira, a juíza encarregada do processo contra Trump por subtração de documentos do Pentágono – aquele que motivou a invasão de sua mansão em Mar-a-Lago – decidiu arquivar o caso.

Em entrevista ao Washington Examiner, Trump disse que, em razão do atentado, havia decidido mudar o teor do discurso, inicialmente pensado em estraçalhar o adversário.

A foto de Trump, com a orelha e o rosto ensanguentados, os agentes à sua volta e uma bandeira norte-americana ondulando, já virou ícone dos republicanos e de sua campanha de arrecadação. Até as ações na bolsa do grupo Trump deram uma subida.

O atentado ocorre após uma semana invulgar, em que o candidato democrata à reeleição, Joe Biden, vivia uma dramática cobrança para que renunciasse em favor de alguém que fosse capaz de derrotar Trump, além da fracassada cúpula de guerra da Otan em Washington que deveria culminar as comemorações de 75 anos da aliança imperial.

O primeiro da lista de assassinados foi Lincoln em 1865, após a vitória do Norte na Guerra Civil sobre os confederados e o fim da escravidão, no famoso atentado de John Wilkes Booth no teatro Ford. Em 1881, foi a vez do republicano James Garfield, baleado na Estação Ferroviária de Baltimore e Potomac, pelo integrante de uma facção de oposição no partido. Garfield morreu meses depois devido aos ferimentos. A propósito, a primeira tentativa de atentado foi em 1835, contra o então presidente Andrew Jackson, mas fracassou.

No século 20, os atentados são retomados em 1901, quando o presidente republicano William McKinley foi baleado e morto em uma feira internacional em Buffalo (NY) por um anarquista, Leon F. Czolgosz. Em 1912, o ex-presidente Theodore Roosevelt – aquele do “fale macio e com um grande porrete na mão” -, escapou quase milagrosamente de um atentado a bala, mas não se reelegeu.

Em 1933, um ataque a tiros contra o presidente eleito democrata Franklin D. Roosevelt, não o acerta, mas fere fatalmente o prefeito de Chicago, Anton Cermak. Em 1950, um policial da Casa Branca foi morto e outros dois ficaram feridos em atentado cometido pelo partidário da independência de Porto Rico contra o então presidente Harry Truman.

Em 1963, o assassinato do presidente JFK em Dallas à vista do mundo, que chocou a todos, ocorreu em um quadro de enorme crise nos EUA, diante do levante dos negros contra o apartheid, o envolvimento no Vietnã, a ameaça de guerra nuclear, cujo auge foi a chamada Crise dos Mísseis, além dos avanços dos movimentos anticoloniais e da revolução cubana.

O que se desdobraria numa série de assassinatos correlatos: em 1968, o irmão de JFK, Robert Kennedy, após vencer a convenção primária democrata, e Martin Luther King; Malcom X, três anos antes. Em 1972, George Wallace, um expoente da ala democrata pró-Jim Crow, foi ferido e ficou paralítico em um ataque.

Contra Gerald Ford, que após o Watergate concluiu o mandato de Richard Nixon, de que era vice, foram duas tentativas: escapou ileso. Em 1981, atentado cometido por um doente mental feriu Ronald Reagan. Outros alvos de atentados fracassados incluem Bill Clinton, em 1994; e o ex-presidente Bush Pai, em 2005, em uma viagem ao exterior.

Apesar disso, em seu discurso pós-atentado, o presidente Joe Biden asseverou que “não há lugar na América para esse tipo de violência, para qualquer violência, nunca. Ponto. Sem exceções. Uma tentativa de assassinato é contrária a tudo o que defendemos… como nação – tudo. Vamos debater e discordar. Isso não vai mudar. Mas não vamos perder de vista quem somos como americanos.”

“Não podemos permitir que essa violência seja normalizada… A política nunca deve ser um campo de batalha ou, Deus me livre, um campo de extermínio”, acrescentou.

Até aí, ia tudo bem, mas Biden se atrapalhou na leitura do teleprompter e, ao invés de dizer, como foi noticiado na maioria dos jornais, de que as diferenças políticas devem ser resolvidas nas urnas [“ballot box’, em inglês], ele disse que devem ser resolvidas na “caixa de batalha” (sic), em inglês, como está nas redes sociais, “battle box”.

Ele tentou remendar, para apenas reiterar o erro: “battle box”. Mas insistiu em que é preciso “baixar a temperatura”.

A Reuters registrou que entre 2021 e 2023 a violência política “emanou mais frequentemente da direita americana” e que “ataques a pessoas – de espancamentos a assassinatos – foram perpetrados principalmente por suspeitos agindo em serviço de crenças e ideologias políticas de direita”.

Por sua vez analistas alinhados com o trumpismo requentaram comentário de Biden há uma semana, em que tentava se desculpar com doadores de seu desempenho pífio no primeiro debate, para insinuar culpa no cartório.  “Eu tenho um trabalho, que é derrotar Donald Trump. Terminamos de falar sobre o debate. É hora de colocar Trump na mira. Ele não fez nada nos últimos 10 dias, exceto andar de carrinho de golfe”.

Trump disse na segunda-feira que o arquivamento de seu caso de documentos confidenciais “deveria ser apenas o primeiro passo” e pediu que seus outros casos também fossem arquivados, que, segundo ele, seriam ataques políticos e uma interferência eleitoral coordenada pelo “Departamento de Justiça Democrata”.

“À medida que avanço na união de nossa nação após os horríveis eventos de sábado, esta rejeição da acusação de ilegalidade na Flórida deveria ser apenas o primeiro passo, seguido rapidamente pela rejeição de TODAS as caças às bruxas – a farsa de 6 de janeiro em Washington, D.C. , o caso zumbi do promotor público de Manhattan, o esquema do promotor público de Nova York, alegações falsas sobre uma mulher que nunca conheci (uma foto de décadas atrás alinhada com seu então marido não conta) e as cobranças de chamadas telefônicas “perfeitas” da Geórgia”, Trump postou no Truth Social.

Em suma, Trump está aproveitando para ver se reverte ou adia condenações que já sofreu, como por inflar fraudulentamente os valores de suas propriedades, as 34 acusações criminais de falsificação de contas comerciais, o estupro de E. Jean Carroll e o caso federal referente ao “me arranja 11.000 votos aí”, na Geórgia.

Aproveitando o momento e a foto, Trump tenta fazer de conta que ninguém ouviu a multidão que invadiu o Capitólio em 2021 para fraudar a eleição gritando “enforquem Pence” e caçando nos corredores a presidente da Câmara, “Nancy, venha brincar”.

Nem suas conclamações à invasão propriamente ditada “lutem como o inferno”, com os parceiros dos Proud Boys de tropa de choque na tentativa de impedir a certificação do vencedor no Colégio Eleitoral.

Trump também não descartou a possibilidade de violência política se perdesse a eleição de novembro. “Se não ganharmos, você sabe, depende”, disse ele quando perguntado pela revista Time em abril se esperava violência após a eleição de 2024. Ele também se recusou a aceitar incondicionalmente os resultados da próxima eleição e alertou sobre um “banho de sangue” se perdesse.

Enquanto isso, do outro lado da trincheira, integrantes da campanha de Biden disseram esperar que a repercussão do atentado no sábado venha a diminuir a pressão pela renúncia dele à reeleição. Ainda segundo essas fontes, Biden poderá ser formalizado candidato democrata no final de julho em votação virtual.

O pretexto para essa antecipação seria lidar com uma lei de Ohio que poderia deixar o nome de Biden fora das cédulas de votação no Estado se ele não fosse indicado até 7 de agosto, antes da convenção em Chicago, marcada para 19 de agosto. Os detalhes deverão ser determinados entre 19 e 21 de julho, quando as regras da convenção do partido e o comitê de credenciais se reunirem, respectivamente.

Fonte: Papiro